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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Razão de Estado e Crime Organizado


O artigo traz algumas conexões políticas, sociais, econômicas, (i)morais entre a estrutura piramidal do poder político e as estruturas de poder associadas ao crime organizado. A maior ironia está em que a lógica política do Estado (“os fins justificam os meios”) é a mesma aplicada pelos grupos criminosos.

Não é algo que se goste muito de escrever, mas há muitos pontos que aproximam a Razão de Estado e o crime organizado (Máfia e outras organizações criminosas complexas), como vemos nesses exemplos:

- Onipotência, onipresença, indisponibilidade e indivisibilidade, na afirmação do poder (Estado) ou supremacia da violência (grupos criminosos);
 

- Concentração, centralização, verticalização do poder e extremada reação contra opositores a seus interesses: autorização para o assassinato ou extermínio;
 

- Ideologias agregadoras, fortalecendo sentimentos de “solidariedade” (“Famílias” ou Nação);
 

- Noções claras quanto ao poder: mors tua, vita mea (tua morte é a minha vida);
 

- Para a Razão de Estado a sobrevivência do poder vem por meio do “realismo político”, para os criminosos vigora o “realismo dos fatos” da sobrevivência do grupo e dos indivíduos;
 

- Os aliados são mercenários: dos corsários do passado e soldados da Blackwater, no Iraque, ao aliciamento dos milhares de “soldados” pelo PCC, em São Paulo;
 

- O poder se mede pela conquista e defesa do território anexado – em sentido contrário, organizações terroristas como a Al-Qaeda preferem a descentralização e a desterritorialização;
 

- Não reconhecem ou não suportam a oposição: adversários são convertidos em inimigos a serem abatidos, eliminados como “inimigos do grupo ou do todo”;
 

- Há estabelecimento de “regras de ouro”: inadmissibilidade da dissensão ou delação, consideradas “alta traição” (espionagem ou “X9”);
 

- “Segredos absolutos”, reservados ao condottiere ou ao consigliere;
 

- O Homem de virtù é sempre um Poderoso Chefão: a virtude cívica está na construção da sua-república;
 

- Ambos sacrificam a liberdade em razão da segurança;
 

- Crença na infalibilidade da “ordem” e do status: a propriedade privada é um valor supremo, indiscutível;
 

- Predominância de valores econômicos – acumulação primitiva para a Razão de Estado e crimes contra a vida e o patrimônio para as organizações mafiosas;
 

- Insensibilidade social diante do “interesse social”: alternam-se ameaças, pequenas premiações, chantagem;
 

- Fidelidade acima da vida: o não-fiel (ou sem utilidade, como o “não-ser” social, mendigos etc) é o Homo Sacer (o inimigo que deve ser eliminado);
 

- Desconsideração absoluta pelo poder social – o poder institucional é absoluto;
 

- O poder absoluto (supremacia ou soberania) não reconhece limitações e nem superlativos: “poder é a capacidade de obrigar o outro a fazer o que não quer”;
 

- Proeminência ou ostentação do poder (violência): armas douradas ou “última razão dos reis”;
 

- Os “esquadrões da morte” são recursos comuns (da SS nazista ao grupo Le Cocq no Rio de Janeiro, nos anos 60) – aliás, os atuais milicianos no RJ são oriundos da Secretaria de Estado;
 

- Os tribunais de exceção e os “tribunais do crime” se confundem no Estado de Exceção;
 

- O uso extensivo de “reservas de poder” se mistura com o limbo da (i)legalidade, como a Máfia italiana chamada ‘Ndrangheta (do grego andraghatia: heroísmo e virtude do “homem bom”) utilizada pela CIA e com ramificação no Brasil.

Sem qualquer trocadilho, nas condições em que se assenta a violência na atualidade brasileira, cabe a dialética negativa entre a politização do crime e a criminalização da política.

Vinício Carrilho Martinez - Professor Adjunto II (Dr.)

Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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