Terça-feira, 26 de junho de 2012 - 03h45
O Golpe de Estado no Paraguai, denominado eufemisticamente de “golpe institucional”, traz à tona o tema jurídico clássico da autocontenção do poder. Para entendermos este fenômeno, entretanto, é preciso recuperar a história.
A Modernidade Tardia, do Renascimento ao Iluminismo, consagrou-se juridicamente pela conquista e afirmação de direitos e garantias. As garantias de que os direitos não seriam violados ou, caso o fossem, teriam meios de ser restabelecidos juridicamente.
A principal garantia estava na regra ímpar de que a violação jurídica seria inibida juridicamente. Lembrando-se de que esta regra impedia outras regras oportunistas, como a de que se pudesse definir como direito a regra que permite ao Estado se voltar contra a sociedade.
Do Habeas corpus, como defesa individual, à regra de obrigação do Estado seguir o seu próprio direito, a racionalidade jurídica seguia um fluxo e processo histórico, sem grandes reveses. O único e mais importante recurso jurídico ofertado ao Estado, para se desobrigar de salvaguardar a sociedade, era o instituto do Estado de Sítio criado na Revolução Francesa.
Certamente uma contradição, porque o direito definido como ato de razão (e a razão liberta o homem de sua ignorância) não poderia – pela lógica – assegurar poderes extravagantes ao poder já estabelecido.
Entendia-se que a razão libertava porque, racionalmente, o indivíduo teria assegurada a capacidade de fazer escolhas e só se faz escolhas com liberdade. Portanto, acreditava-se que a liberdade é o ponto nevrálgico da capacidade racional – e, ao investir contra a liberdade, minava-se a essência da razão.
Ao defender a liberdade, o direito ensejava o desenvolvimento da razão e, ao instigar a razão, o direito proclamava a defesa dos meios de promoção do homem. Afinal, o que caracterizava o homem, desde o Iluminismo, era esta capacidade em potência de que todos, sem exceção, têm de desenvolver a racionalidade.
A razão garantida pelo direito nos afirmava como humanos. O que levava a concluir que o direito é humanizador, civilizatório. O direito revelaria a liberdade de escolhas racionais na procura dos meios mais adequados aos fins propugnados socialmente.
Assim, direito sem liberdade em sua base originária equivale a uma produção jurídica antirracional. Contrária à lógica de que sem liberdade não há direito, o golpe institucional – e em casos mais evidentes, o Estado de Sítio – ocupa-se exatamente de subtrair, suspender as liberdades. Portanto, pela ótica liberal, iluminista, com a suspensão dos direitos civis e políticos, inaugurou-se uma era jurídica sem racionalidade.
Na verdade, não é que seja antirracional, apenas não obedece à razão iluminista, a razão que se alimenta da liberdade e nos torna mais humanos. Apenas segue à razão de se fortalecer o poder, independentemente da sociedade.
A Razão do Estado não é, obviamente, a razão de todos os homens livres para pensar e agir; trata-se da razão de uns poucos que se julgam mais capacitados racionalmente para agir em nome dos demais.
É este tipo de racionalidade do poder-direito que agita o mundo, em sua crise de segurança jurídica. Os donatários do poder, alegando instabilidade institucional, insegurança jurídica, subtraem-se da regra de que o direito sem liberdade não responde à racionalidade jurídica propriamente humanista, humanizadora, civilizadora.
O direito-liberdade deveria assegurar que aflore no homem o que há de melhor, sua liberdade criadora, a razão despretensiosa, a capacidade racional de solucionar problemas coletivamente: duas cabeças pensam melhor do que uma. O poder-razão, portanto, deve alimentar(-se) da liberdade.
Mas, a Razão de Estado, encoberta juridicamente pelo Estado de Sítio, anula a pretensão de os homens terem capacidade racional, jurídica, para definir seus objetivos. Nem todos saberiam definir adequadamente os fins e, portanto, a escolha dos meios estaria prejudicada. Desse modo, a saída jurídica seria atribuir poderes especiais aos que se julgam capazes, superiores em sua razão, para definir os fins e interpretar os meios.
Sem dúvida, esta é uma das maiores ameaças jurídicas ao Estado Democrático de Direito, porque são definidas juridicamente as ações contra a liberdade. Contudo, não é só, porque se alguns são julgados como inferiorizados na capacidade racional, isto equivale a recondicionar-se um tipo de relação entre senhores e servos. Os senhores do poder, pela lógica, destilam superioridade política, humana e assim aniquilam a igualdade entre os homens.
O que nos equiparava em igualdade, a potência racional, agora é invertida, pois só os superiores têm esta capacidade racional – os demais devem ser dirigidos. Enfim, se não há igualdade racional que nos garanta a todos a capacidade de ser humanos, é óbvio, a igualdade jurídica pode ser subvertida.
O mesmo instituto jurídico que leva à suspensão dos direitos civis e políticos inaugura uma era em que o direito é desvinculado da democrática concepção de que os “homens nascem livres e iguais entre si”.
No presente, não é necessária a democracia, pois no fundo quem deve dirigir a sociedade são os que se conduziram à superioridade jurídica. O Estado de Sítio, decretado como última defesa do poder do Estado é, no fundo, antirracional, anti-humano.
Mas, esta tipologia é antiquada aos olhos da opinião pública internacional e, por isso, emprega-se o charme jurídico do impeachment, como disfarce para o golpe institucional – e que pode ser seguido do Estado de Sítio.
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