Sábado, 11 de agosto de 2012 - 16h11
Saudade do Futuro é o título de um livro de Luiz Fernando Coelho, renomado jurista brasileiro. A expressão, no entanto, seria uma homenagem a Miguel Reale, jurista e filósofo do direito. Nossa imaginação nos permite navegar com a ideia proposta – Coelho lembra o sentido de “lembrança do futuro”. Mas, mais do que uma reminiscência, “evoca-nos um sentimento de saudade que cala profundamente na alma”.
Em todo caso, como e por que ter saudade do que não ocorreu? E por que não teríamos mais saudade do futuro, presumindo que um dia chegamos a tanto?
Coelho fala das repercussões, dilemas e contradições apresentadas e enfrentadas nesta era que se vive, denominada pelo autor de transmodernidade, como antinomia à pós-modernidade. Sem adentrar neste debate das terminologias, preferimos a Modernidade Tardia, uma vez que permite reunir as pegadas do passado na sombra do futuro que virá.
Em resumo, a Modernidade Tardia faria o que o pensador Karl Marx descreveu em duas fórmulas: “tudo que é sólido desmancha no ar”; “todo o sagrado será profanado”. Nossas crenças, verdades, princípios, orientações e conotações de realidade e bom senso foram desmanteladas, demolidas, desmancharam-se como brumas. Nossos sentidos, sentimentos não mais seriam guiados por uma ética integral, inclusiva, em que todos os homens pudessem se reconhecer como iguais ou equivalentes.
Esse sentido/sentimento, como “saudade do futuro”, embalou toda a luta pelo humanismo, foi ou é a base dos direitos humanos, da democracia, da liberdade e da igualdade. Quando os franceses e os americanos fizeram suas revoluções tinham em mente exatamente esta questão: construir um legado de igualdade e liberdade para todos os homens (e mulheres) usufruir e defender. Este legado – a expressão é autoexplicativa – serviria de lastro e segurança a todas as gerações seguintes. O legado nos dia: “Morre-se hoje para que haja vida social digna amanhã”.
O futuro, portanto, sempre seria um guia, uma baliza para justificar o que devemos fazer no presente, para que sempre se soubesse o caminho a percorrer. Seria um farol projetado no passado, brilhante no presente, a iluminar o futuro. A lembrança do futuro diria a todos os homens (e mulheres) qual ética seguir: o futuro exigiria a responsabilização comum, inquestionável de todos no presente. A relação espaço-temporal marcada pela “saudade do futuro” é sofisticada.
O direito, nesta forma de compreender o mundo de significados, é medido pela capacidade teleológica, ou seja, exatamente pela capacidade de imaginar, olhar, pré-dizer o futuro. O direito que se volta a construir uma imagem do futuro é, assim, uma presunção de como deverá ser o tempo que virá, mais ou menos à imagem e semelhança do que se conhece hoje em dia. Curiosamente, quem fala de futuro está preso ao passado, moldado pela sensação de regularidade, estabilidade, continuidade.
Exemplo clássico dos que puderam sentir saudade do futuro é dado pelo maior dos físicos, Isaac Newton: “Se vi mais longe, Foi porque estava sobre os ombros de gigantes”. Esses gigantes são todos os outros cientistas que o precederam, e que Newton reconhecia como ninguém a importância; porém, Newton tinha os olhos apontados à frente, para o futuro, para a ciência e a verdade que precisavam ser feitas.
Sem termos esta guia para onde nos dirigir, sem ter como olhar o futuro, é como se estivesse aberta uma temporada em que vale-tudo, pois só importaria o que se pudesse fazer agora. A perda do horizonte do amanhã levaria homens e mulheres ao descompromisso consigo mesmos e depois com a humanidade. Afinal, se não tenho com o que e nem com quem me preocupar, vivendo-se cada segundo como se fosse o último, é óbvio que as lembranças nem se formam. Se nos interessa apenas o presente, o instantâneo, não há porque olhar para trás, não há do que se arrepender. Se não se arrepende de nada, tudo é validado, como possibilidade que se esgota somente na satisfação da vontade.
O homem e a mulher do presente não se veem com Homem, Humanidade. Temos por horizonte o que pode ser satisfeito imediatamente, em que “o céu é o limite” – mas, este é o céu de cada um, em que a formação das nuvens só importa a quem as detém. Trata-se de um mundo simples, direto, em que prevalecem a fagocitose e a anomia social, o descontínuo e o desconforto com as regras de orientação geral.
Só podemos sentir saudade daquilo que partilhamos. A saudade do futuro, portanto, exigiria que víssemos um futuro a ser partilhado com os outros que reconhecemos como partidários da mesma jornada humana. Em suma, não vemos o futuro porque consumimos o presente. Não temos saudade do futuro porque não imaginamos ser possível o futuro. Vive-se com a sensação de morte. É como se o presente fosse sempre um começo, mas sem fim.
Em um sentido prosaico, como esperar que se tenha saudade do futuro se nem nos lembramos do que comemos no almoço?
Vinício Carrilho Martinez - Professor Adjunto II (Dr.)
Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
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