Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Segurança Espiritual


A Rio + 20, o impeachment no Paraguai, a crise econômica global e o golpe do Judiciário no Egito têm algo em comum. É a sensação de descrença nas instituições seculares que fizeram parte de nossas vidas. Diz-se que fizeram parte porque hoje são a sombra do que já foram. A insegurança global tem origens diversas, mas reflexos comuns – há uma insegurança no espírito de todos.

Esta segurança espiritual pode ser entendida de várias formas. Da metafísica-religiosa de uma procura incessante por um Deus capaz de punir os inimigos-infiéis e absolver os pecados e as culpas, à espiritualidade como regra da paz e confiança na humanidade.

A primeira versão cabe a cada um; a segunda diz respeito a todos, implica na tentativa de se harmonizar com a humanidade. O simples bom dia, em sinal de urbanidade, em que não se finge de morto e nem se tem o Outro por invisível.

É neste segundo sentido, de quem ainda acredita que a humanidade pode fazer escolhas que lhe sejam favoráveis, que vamos manter o espírito do artigo.

Necessitamos do consumo consciente, da produção que incorpore pessoas e não só tecnologia; do mesmo modo, o crescimento econômico que respeita o mundo do trabalho, não degenera a natureza e a dignidade dos trabalhadores; além da atuação profissional e não-clientelista; de uma ação política verdadeiramente pública, não-corrupta.

Portanto, ao contrário do que se pensa, os fatos que alimentam a crise de civilização têm a religião como desculpa – não são religiosos. São problemas materiais que têm a moral por justificativa.

O que ameaça a humanidade é o fato de que o homem não tem valor. Com sete bilhões de habitantes, há um exército inimaginável de almas à procura de trabalho, moradia, educação, saúde.

Como se trata de sete bilhões de seres famintos para consumir – com bem mais da metade sem ter segurança alguma –, não se vê como necessidade a defesa e a proteção do ser humano.

Vive-se o paradoxo de que a minoria degrada os níveis da humanidade para assegurar, única e exclusivamente, sua prosperidade material; enquanto a maioria procura em Deus o amparo que não tem na Terra.

O individualismo resultante leva a que cada um pense na própria segurança, seja de que forma for e se entenda por isso o que cada um quiser. A única sustentabilidade não ameaçada é a do capital e que opõe os que têm dignidade, aos que se relegam ao desespero ou fé cega em algum Deus.

Nos dois casos, o que há em comum é a necessidade de segurança e, sem a qual, desabam as certezas e as convicções na continuidade da vida: material e espiritual. O que também retoma a teologia política como um eixo da crise de civilização.

A perda de sentidos desfaz qualquer certeza e garantia, no sentimento de estranhamento, de desvinculação e desconhecimento. Mas, lembremos, a perda de sentidos material se expressa no espírito comum – fato que leva a alguns recorrerem a refúgios metafísicos. Esses efeitos combinados formam alguns dos elementos da teologia política atual.

Portanto, não é difícil ver que o sentido religioso da segurança material é muito intenso e que a crise material desregula a noção de certo e errado, do público e do privado. É deste nível de teologia política que a crise de civilização se alimenta.

Profª. Ms. Fátima Ferreira P. dos Santos
Centro Universitário/UNIVEM

 

Prof. Dr. Vinício Carrilho Martinez
Universidade Federal de Rondônia

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)