Terça-feira, 27 de janeiro de 2015 - 05h15
Os problemas relativos/relacionados à sociedade e ao Estado são antiqüíssimos e variados para qualquer análise. Quando pensamos em relacionar a política – partidária, institucional ou comezinha, do cidadão – com o Poder Político, as noções ficam ainda mais embaralhadas. No Brasil, por exemplo, mistura-se público e privado. Essa confusão, além de fonte corruptora do Poder Público, é tida como “normal”.
No mundo ocidental, no entanto, não é assim – ou não ocorre com tanta proeminência, não é um dado “normal”, regular da vida pública. Esse ideário ocidental, em que se tem uma compreensão do papel do Estado diante da sociedade, bem estabelecidas as divisórias a partir do Direito Público, é uma tônica que vem desde o século XIX. Dois alemães protagonizaram um debate que se prolonga até hoje: o filósofo Hegel tinha o Estado como Espírito Absoluto, capaz de reunir a melhor potencialidade humana – ou Estado Ético. O pensador Karl Marx – discípulo de Hegel – tinha no Poder Político a máxima capacidade da burguesia dirigir esse mesmo poder. Para Marx, o Estado era o espírito absoluto da burguesia e, assim, sempre o utilizava (utilizou) contra o proletariado; é a luta de classes.
Outro divisor de águas para o poder foi dado por outro alemão: Jellinek, também no século XIX. Para este jurista alemão, sistematizador da chamada Teoria Geral do Estado (TGE), só se pode falar de Estado unitário no Renascimento; unificando Povo, Território, Soberania. Por outro lado, diferentemente do que pensamos, para Jellinek, a soberania reside no próprio poder e não na nação.
Para a escola francesa, o Poder Político ao se unificar acabaria por atribuir-se contra-poderes ou limitações. Foi assim que Carré de Malberg adiantou a necessidade de o Poder Político conceber as mesmas regras para si e para os cidadãos. O Estado deveria “suportar a leis que criara”. Num salto para o século XX, o italiano Alexandre Groppali, em Doutrina do Estado, reordenou vários dos pressupostos de Jellinek, a começar da necessidade de subordinar a soberania do poder decisório à Constituição Federal. Após duas guerras mundiais não poderia ser diferente. Outro italiano, Norberto Bobbio, traria os direitos humanos para dentro da TGE.
Contudo, o debate germinal e indutor de Hegel e de Marx, seguidos por Max Weber (sociólogo alemão), de um lado, e Lênin e Antonio Gramsci de outro (revolucionários), guarda uma genial atualidade. O Estado Ético de Hegel sobreviveu no Welfare State (Estado de bem-estar social) até o neoliberalismo; e é o escopo do nosso Estado Democrático de Direito (veja-se o art.3º da CF/88). O Estado burguês de Marx comprova-se cada vez que “os ricos ficam mais ricos”. Marx, Lênin e Gramsci pregavam uma revolução popular, a fim de que o Estado não servisse a uma só classe.
O jovem século XXI, por seu turno, trouxe dificuldades adicionais: i) grupos e povos lutam pela independência – direito de sedição; ii) o “fim do Estado” é uma incógnita – forças intercontinentais do capital subjugam o poder central por mais forte que seja; iii) a miséria aflora para dois bilhões de pessoas e descolore qualquer direito social que um dia fora planejado – inclusive pelas revoluções populares; iv) devastou-se qualquer sintoma do Estado Ético – bem como não há mobilização popular ou consciência política suficiente para se mudar o status quo; v) o imperialismo ocidental fragiliza o Oriente que, por sua vez, responde com ações terroristas; vi) o Estado de Exceção se tornou vigilante da democracia; vii) os direitos fundamentais são consumidos pela presunção da culpa; o Estado Penal é regido pela criminalização das relações sociais e o conseqüente encarceramento em massa.
No Brasil, além disso, deve-se pensar em nossa fragilidade institucional, política, cultural e estrutural. Não temos “vocação para o direito”. A política é baseada nos resultados imediatos de governo. A cultura conhece apenas o compadrio e a troca de favores. Por isso devamos (re)ler o pensamento clássico, à procura de alternativas realmente novas, mas com lastro na história, na reflexão prolongada, no anseio de construir saídas promissoras e transformadoras do presente. Precisamos de mais clássicos e de menos modismos.
Esse foi o sentido dado à pesquisa de Pós-doutorado em Ciência Política que realizei em 2014, na UNESP/Marília – sob a supervisão do Professor Titular Marcos Del Roio. O relatório final foi intitulado A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI: “do Estado Ético-racional (Hegel e Weber) ao Estado de Exceção", e apresenta um mosaico relativamente amplo da discussão em torno do Estado Moderno e sua contemporaneidade. Clique AQUI e leia relatório completo.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de