Sábado, 15 de setembro de 2012 - 12h47
A lástima e o crime social do trabalho escravo ou “análogo à escravidão” parece não ter fim no Brasil. Não conhecemos ninguém nessa categoria, nem de um lado, nem de outro, felizmente, mas é de se imaginar que tipo de indivíduo escraviza outros. Quer dizer, sem muita imaginação, trata-se de um criminoso com a consciência retida nos séculos XVI-XVII. Tem uma mentalidade reiterativa do que há de pior em nosso passado já obscuro, nos tempos da escravidão. Sua visão de mundo atávica, replicante, ignora qualquer noção de direito e de consciência humana.
Vejamos um destaque do tema na mídia nacional: “O Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 56 pessoas de condições análogas à escravidão na fazenda Água Amarela, em Araguatins (TO). A área de plantio de eucaliptos, que também abrigava 99 fornos de carvão vegetal, estava sendo explorada pela RPC Energética. De acordo com a fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Tocantins, ainda que registrada em nome de um ‘laranja’, a empresa pertence a Paulo Alexandre Bernardes da Silva Júnior e André Luiz de Castro Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu (PSD-TO)”.
Há uma reminiscência de “animalidade” na escravidão que se torna suprema pela condição econômica do lucro e da acumulação absurda. Também temos de lembrar que a escravidão é “pré” e anticapitalista, pois não revigora o trabalho livre, os salários e, obviamente, não instiga o consumo e a produção. É anticapitalista porque, no limite econômico, insinua formas sociais negadoras das liberdades liberais.
O escravagista, do passado e do presente, realmente é um atavus, aquele ancestral que nos incomoda, como um humanoide que quase nos obriga à violência ou ao canibalismo. Aliás, a escravidão não deixa de ser uma espécie de canibalismo social porque seus praticantes são atávicos, ignorantes de qualquer perspectiva de realização humana. São, em essência, desumanos, desumanizantes.
Na linguagem passadista, seria correto defini-los como “sociopatas”. Mas a terminologia atual não nos permite mais este abuso, pois esses criminosos sociais não podem jogar a culpa de seus males na sociedade. Não podem advogar sua defesa com base nos maus tratos recebidos – até porque os escravagistas têm plena consciência do que fazem. A escravidão é um crime planejado – doloso, portanto. São criminosos sem consciência, senso de culpa, remorso, incapazes de se colocar no lugar do Outro – são psicopatas e seus crimes são hediondos, são crimes cometidos contra a humanidade.
Mas, o que é pior no caso mencionado do irmão da senadora de Tocantins? O mais grave é que esta senhora deverá, em algum momento, debater em plenário e votar sobre questões relativas ao direito do trabalho e, por ventura, sobre trabalho escravo. Como irmã de um escravagista, terá um voto consciente, aberto à modernidade da vida social, preso à dignidade humana ou poderá ser tendencioso ao lucro fácil?
Ainda é preciso lembrar que a senadora é uma liderança ruralista e que também é presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Agora, o que a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil tem a ver com isso? Sinceramente não se sabe ao certo, mas desconfia-se que deveriam investigar para saber se há mais diretores envolvidos em trabalho escravo. É o mínimo que o senso comum poderia esperar.
Quando se fala em endurecimento de penas, exigindo reformas no direito penal nacional, e se é que isto é necessário, esses casos – assim como a corrupção política – seriam os primeiros a encabeçar a lista das prisões perpétuas ou as condenações superiores a 50 anos de reclusão. Juridicamente, ontologicamente, não se conhece algo pior do que a relação senhor-escravo.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
Profª. Ms. Fátima Ferreira P. dos Santos
Centro Universitário/UNIVEM/Marilia-SP
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