Segunda-feira, 17 de setembro de 2012 - 16h13
Quando se supõe, com boa margem de acerto, que as obras da Copa-14 escondem algum ralo do dinheiro público, não há exagero. Os números falam por si. Em todo caso, se o povo se mostra indiferente (ou descontente), desatento (ou desinteressado) em discutir o tema não é porque seja alienado de tudo. É que o povo se enche de tanta mesmice. Todo mundo sabe por onde escorre a vergonha pública. Se o povo, aparentemente, não se indigna com as notícias, não é por sofrer do maior mal da modernidade: “consumir o sagrado” – quando se somam a alienação com o locupletamento mesquinho. Isto é, forma-se um ser apático que leva vantagem em tudo, que perdeu sua capacidade de indignação e se move unicamente pelo cinismo.
Excluindo-se alguns países ou situações especiais, como a Suíça, o povo não fica debatendo gastos e investimentos públicos. Por que no Brasil seria diferente? Pois então, se o povo prefere fazer suposições, apostas, gozações sobre os resultados futuros dos jogos da seleção brasileira, de certo modo, já está expressando suas convicções sobre a extrema queda (e quebra) de confiança que mantinha nas instituições e nas representações nacionais. A seleção brasileira de futebol já provocou verdadeiras catarses, como na conquista do tri em 1970 – capaz de fazer esquecer o golpe militar e suas atrocidades.
Hoje, quando vai jogar em São Paulo, é vaiada. Pode-se ver ou sentir as mesmas vaias contidas diante da apresentação do Brasil nas Olimpíadas de Londres. Quando vira o rosto para os dois bilhões de reais (isso mesmo) investidos no ciclo olímpico, para que chegássemos no fim da fila, o povo está demonstrando ironicamente sua insatisfação. O povo não perde o bom humor e faz piada com o fiasco e seu cerimonial, ao que também se chamou de “burrice solene”: quando o sujeito declama tolices, conhecimento de botequim, como se fosse um discurso de prêmio Nobel. Para esses momentos, cabe o desprezo popular e não o desinteresse. Aliás, uma postura que mantém desde a proclamação da República. Os “espertos” chamavam o povo de tolo, mas a ironia popular (do “bilontra”) logo estabeleceu quem eram os bestializados.
Sabia-se que o formal não era sério. Os caminhos de participação eram uma farsa republicana. Por isso, dar credibilidade ao formal, à mentira trazida pela formalidade, não fazia sentido. Cidade, República, cidadania e direito estavam cindidos, separados pela ironia do povo e pelo cinismo do Estado. É certo que algumas relações se modificaram de lá para cá, a República é mais republicana, mesmo sendo privatizada pela corrupção. Pode-se dizer que a República está mais séria do que há alguns anos, ainda que longe da verdade republicana, como diziam os clássicos. O próprio julgamento do mensalão pela Corte Suprema, instituindo o “crime sistêmico” como atentado ao Estado, é exemplo extremamente positivo de que as coisas públicas podem/devem ter realmente uma vida pública.
Nesta linha, o povo já se pergunta, por exemplo: por que os tais crimes sistêmicos, aqueles que são movidos por coletivos criminosos e que se voltam contra o sistema público, não ganham o status de crimes hediondos, impondo-se “penas pesadas” contra os reais inimigos da República, e que são políticos e empresários corruptos e mancomunados em estruturas mafiosas?
De todo modo, a indiferença que ainda vemos na atualidade é fruto da leitura crítica e irônica sobre o que deveria ser sério, mas não é. Desse modo, o povo está nos dizendo que é uma gente simples e apenas bem intencionada, que não quer o mal do país, pelo contrário, alegra-se com seus acertos. Mas, ironicamente, relega, desliga-se das farsas públicas. Assim, para o bem, para o mal, um dos traços marcantes de nossa cultura é o deboche, a ironia popular diante do cinismo e da corrupção pública.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
Fátima Ferreira P. dos Santos
Professora de ética e noções de direito
Centro Universitário/UNIVEM/Marilia-SP
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