Sexta-feira, 29 de junho de 2012 - 05h04
Inicialmente, é preciso esclarecer o próprio título: “Um brasil minúsculo”. Não há erro quanto à grafia “brasil”, em minúsculo, porque retomo um tipo de licença poética. Neste sentido, cabe indagar: O que faz o Brasil, brasil?
Bem, a resposta à pergunta não é simples e requer de todos voltar a atenção aos inúmeros aspectos que conformam nossa chamada brasilidade. De saída, vale dizer que o brasil minúsculo é este real e que não queremos.
É o brasil da corrupção, do analfabetismo, da concentração de renda, da miséria extrema, e tantas outras negatividades que impedem o brasil real de se tornar o Brasil que queremos.
Na verdade, o título da crônica é inspirado no livro do antropólogo Roberto Damatta e que traz nossa primeira questão: O que faz o Brasil, brasil?
Para Damatta, a principal razão desta espécie de miséria política é a incapacidade de formularmos uma lógica na ordem da cultura que leve à preservação da coisa pública.
Ironicamente, o povo brasileiro tem o conhecimento necessário acerca da lógica política que deve regular a ordem e a formalidade da vida civil e pública: o que chama de a lógica da “rua”.
Do mesmo modo, também possuiríamos uma lógica que nos permite viver em relativa harmonia quando dentro de quatro paredes, momento de encontro da intimidade familiar com a própria identidade social: este que é o arco cultural que ronda a “casa”.
Porém, na prática, mesmo sabedores das diferenças evidentes entre a casa e a rua, diria que acabamos por colonizar o público pelo privado.
Em nosso raciocínio privatizado, o mundo das formalidades, da regularidade, do direito e da burocracia, da garantia da impessoalidade necessária ao âmbito estatal, é simplesmente ocupado e tratado pela lógica familiar.
A lógica da casa - “ao amigo-tudo; ao inimigo-a-lei”, do jeitinho brasileiro e da não-punição aos erros cometidos, do perdão tácito às infrações, da não-condenação dos crimes, posto que “a mãe tudo perdoa” -, invade e leva seus princípios aos domínios do espaço público. Com esta invasão de espírito privatista, ocorre por fim que a coisa pública acaba por ser tratada como bem de família.
O que é o chamado “jeitinho brasileiro” senão a eterna tendência de darmos uma volta descarada na ordem, burlar as regras, transpor a ética e o direito? O que é esse jeitinho senão o nosso pedido para que algum “amigo” nos trate de forma diferenciada e melhor qualificada – afinal, não somos amigos ...??
A corrupção, na base da alma que conforma a cultura brasileira, não é nada mais do que isto, uma consequência histórica e endêmica que privatiza tudo o que é público. Alguns diriam que esta é a essência do sistema capitalista, mas esta abordagem do tema fica para outro momento.
Há um antigo ditado do sertão nordestino, reduto dos coronéis, que expressa bem este pensamento. Um coronel responderia a seus interlocutores que insistiam em saber de suas reais forças políticas, mais ou menos assim: “A lei é igual à cerca da fazenda. Se está rígida, passo por baixo. Se está frouxa, passo por cima”.
Será que é só o velho coronel quem passa por cima da lei?
O que mais faz o Brasil, brasil? A “licença poética” nos permite indagar o que torna o Brasil – um país continental –, um país pequeno, minúsculo em aspectos essenciais que tornariam qualquer outra nação uma referência maiúscula.
Cada um de nós elencaria uma seleção – também continental – de elementos e características. Como todos, peço sua licença para tentar uma explicação um pouco diversa, não tão direta.
Diferentemente de muitos, diria que as elites – econômicas, políticas, culturais – têm um relevo e peso inigualável, indesculpável, na culpa disso tudo. É certo que o povo não é de todo marionete, mas é elementar em política; lembremo-nos de que a gestão pública e o alinhamento do Estado são ditadas quase exclusivamente para atender as motivações de uma ínfima minoria da população.
Para rebater este meu argumento, outros tantos dirão que saúde e educação são coberturas sociais asseguradas expressamente pela rede de políticas públicas mais vultosas do Estado brasileiro.
Desse ponto de vista limitado em que a questão é colocada, devemos concordar. Porém, é preciso recordar rapidamente que, apenas quantitativamente, a educação e a saúde podem ser classificadas como direitos públicos. Se apenas quantitativamente a educação e a saúde são atividades de relevância social, então, concluiremos que, qualitativamente, tais institutos do serviço público constituem mera fumaça do bom direito. Isto é, a imensa maioria do povo só recebe serviços públicos de baixa qualidade.
Ainda devemos lembrar que há ilhas de excelência – mas tendo em conta que são exceções que só confirmam a regra exposta. O exemplo clássico vem da Universidade Pública, uma vez que reúne os melhores docentes e discentes do país. Neste caso, para conferir a regra da exclusão social que só premia às elites, ainda precisamos lembrar que tanto os professores quanto os alunos são parte ativa da elite cultural brasileira.
Afinal, basta conferir onde foi que estudaram, professores e alunos, antes de efetuarem seus exames de ingresso na “elite do ensino público”. Historicamente, a regra é tão simples quanto perversa: o ensino médio privado leva ao ensino público superior; o ensino médio público, quando leva a algum lugar, é ao ensino privado complementar, profissionalizante ou universitário de baixa qualidade.
Assim, minha resposta à pergunta inicial seria simples: o que faz o Brasil, brasil, é a falta de educação – do povo, certamente, mas muito mais de suas elites. E aqui a referência é tocante à educação verdadeiramente pública, republicana, e que as elites não receberam ou não se comprometem com sua duplicação.
Enfim, é tema de outro texto, mas é igualmente simples a verificação de que a educação pública não desperta no povo um espírito público, profundamente republicano. E para fechar à dialética, é lúcido indagar se as elites brasileiras são republicanas. A resposta, aparece-nos a olhos vistos, reforça a ideia de que o Brasil é mesmo só um brasil apequenado.
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