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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Vergonha de ser brasileiro


“Tenho vergonha de ser brasileiro!” – outro dia ouvi um jornalista, em horário nobre, dizer que às vezes sentia vergonha de ser brasileiro. Os mais simples não entenderão que eu também, muitas vezes, sinto vergonha de ser brasileiro. Os adeptos do ufano fausto – o país é um gigante adormecido –, nascidos antes de 1950, morreriam de susto pela quebra do nacionalismo.

Meu pai era assim, foi criado para acreditar até o último suspiro que o país era o melhor do mundo, que nossa cultura era excepcional e que sua cidade era inigualável. Como disse, uma criação ideológica perpetrada aos nascidos ou educados nos sonhos do pós-guerra, na ideia de que o país era fabuloso.Vergonha de ser brasileiro - Gente de Opinião

Aliás, em Roma, acompanhada de imensa comitiva, repetiu sem nenhuma criatividade a presidente Dilma que “Deus é brasileiro”. Até a gata da minha mãe contou essa piada, depois da escolha do Papa argentino. Contudo, tanto a piada quanto a presidente expressam bem a educação do pós-guerra, o sonho de que o Brasil seria realmente um país grandioso, generoso, gigante como a própria natureza. “Nada é maior do que Deus”, talvez só o ufanismo.

Nisso, talvez só nisso, realmente o país seja um gigante, mas bem adormecido, dormente com dose cavalar. O que temos é uma natureza gigantesca à espera das madeireiras. Quantos quilômetros quadrados de reservas naturais foram devastados, queimados em Rondônia no ano passado? No centro da cidade, onde moro, vários dias senti falta de ar, por causa da fumaça provocada pelas queimadas.

Enfim, meu pai acreditava nesse ufano fausto não porque fosse ingênuo ou alienado. Muito pelo contrário, foi com ele que aprendi o que era política, muito antes de ter a idade mínima para votar. Antes, bem antes dos 18 anos já havia lido e compreendido a inaplicabilidade de “O Manifesto do Partido Comunista”, no Brasil daquele tempo.

Meu pai era um utópico, sonhador, um socialista que acreditava na bondade das pessoas, no nacionalismo de Leonel Brizola; conheceu pessoalmente o genial Graciliano Ramos. Já adulto, fomos juntos ouvir e depois confabular com o lendário Luís Carlos Prestes.

Nesta segunda-feira que passou, soube que meu pai – Saturnino Martinez – fora fichado na inteligência do DOPS, de São Paulo. No dia 16 de setembro de 1951, um grupo de pessoas assinou em Marília/SP um manifesto da Aliança pela Paz e Contra a Carestia - antes portanto do golpe de 1964, mas foi o suficiente para desafiar o ufano fausto. Depois, em 1964 se formou a raça de ufanistas cínicos que ainda hoje dilapidam as grandezas reais do país e de sua cultura.

Em todo caso, o que me vacinou contra a miséria moral e a burrice solene foi a sorte grande. Estudando em São Paulo, tive a sorte de poucos, quando pude conhecer, ter aulas, conviver com pessoas da grandeza moral e intelectual de um Florestan Fernandes (e muitos outros). Quem não sabe quem foi e o que significou para a inteligência nacional verdadeira, vale uma pesquisa no google – depois leia algo escrito pelo maior sociólogo brasileiro.

O que quero dizer é que, quando penso nessas coisas e na realidade enfadonha de abandono, de descaso, desinteresse ou de interesses mesquinhos que nos cercam, sitiados pela desinteligência e pela corrupção, nesse momento sinto uma vergonha imensa de dizer que sou brasileiro. Nesses momentos sinto vergonha porque vejo “triunfar a nulidade”, como nos dizia Rui Barbosa – o Patrono de nossa cidadania. Quando se conhece gente grande, é difícil aguentar a soberba dos pequeninos, especialmente quando esses não têm num uma moral para defender.

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO

Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ

Pós-Doutor pela UNESP/SP

Doutor pela Universidade de São Paulo

 

 

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