Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Violência I: O lugar do Outro


Sem reconhecer o Outro, a outra pessoa como equivalente a si mesmo, “o homem é estranho ao homem”. Sem o Outro, o individualismo coloca a matéria, a propriedade como bem supremo. Como a mercadoria passa a ser o paradigma, a vertente hegemônica, o homem se retrai a níveis de valoração inferiores.

Sem o Outro, o homem estranha a si mesmo. Sem o Outro, as outras pessoas que têm direitos e desejos, o homem não se reconhece, não se diferencia. Para ele, tudo não passa de uma mera pedra que pode ser quebrada, atirada, colecionada. É o que se chama de estranhamento.

Sem o Outro, a mercadoria ocupa o lugar do homem e recebe todas as atenções. O humano, colocado como bem inferior, volta a níveis de bestialidade e de violência que julgávamos superadas. Sem que o homem seja um bem jurídico defendido, preservado a todo custo pelo Estado de Direito, nada parece frear a ânsia por ter, possuir e, para tanto, agir sem freios, receios para conseguir a propriedade da matéria.

O homem estranho a outro homem é a explicação mais realista para os crescentes níveis de indiferença ao social e de violência urbana. A chamada violência gratuita que se vê atualmente, com abuso de requintes de crueldade, é possível porque o violador não vê no seu objeto de conquista, outra pessoa.

É possível agir com tamanha barbárie porque o ato de tirar a dignidade, a vida, além das posses, é entendida pelo violador como equivalente a quebrar um copo, descascar uma laranja. Não há medo, receio da lei ou da coerção porque o violador julga que está agindo de forma correta. “Ora, se todos podem ter os bens que querem, sem compromisso, responsabilidade, a qualquer custo (a exemplo da maioria dos políticos e de muitos empresários) por que não eu?” – indaga-se o violador.

Diante do quadro crescente da mercadoria como valor-essência, o violador deixa de ser violador. Na verdade, o que o difere dos muitos corruptores da vida social (de colarinho branco) é que age com graus mais visíveis de violência. Os demais psicopatas - indiferentes a “dor dos outros”, à sociedade, sem sentimento de remorso porque não se põe no lugar do Outro - cometem crimes sofisticados, encobertos pela burocracia, nuances da lei e pelo dinheiro já acumulado.

É óbvio que o impacto social desses criminosos, agindo pelo/sob Estado de Direito, é muito maior. O que os diferencia dos malgrados violadores comuns é que as mortes provocadas são escondidas pelo tempo e pelas estatísticas dos registros públicos. Afinal, como contabilizar quantas pessoas morreram/morrerão em decorrência dos recursos desviados da saúde?

Quantos não tiveram a socialização primária adequada, tornando-se violadores da posse das mercadorias, em razão do desvio de verbas da educação pública? É muito difícil quantificar esses males sociais. Mas não é difícil ver que a ausência do Outro como referência da formação humanista básica nos legou esse assustador momento de extrema sociopatia.

É óbvio que aquele não interessado em ninguém, além de si mesmo, também não terá compromisso com a sociedade. Aliás, para esses violadores ricos e pobres, a sociedade é um conceito inatingível, indecifrável, irreconhecível. É similar a uma materialista explicar o que é a metafísica; a uma religião sem dogmas; ao direito sem responsabilidade; à educação sem o Outro.

Profª. Ms. Fátima Ferreira P. dos Santos
Centro Universitário-UNIVEM/Marília

Prof. Dr. Vinício Carrilho Martinez
Universidade Federal de Rondônia

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)