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Yêdda Pinheiro Borzacov

Cidade dos Barbadianos


Cidade dos Barbadianos - Gente de Opinião

Relendo “Rio de Histórias”, livro em coautoria com Viriato Moura e Samuel Castiel (2014), relatos históricos individuais, senti imensa vontade de publicar em Gente de Opinião, meu texto:

Nas proximidades do leito da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré surgiram alguns bairros populacionais, dentre eles, o Barbadoes Town (Cidade dos Barbadianos), construído pelos trabalhadores negros oriundos da América Central, sobretudo das ilhas de Barbados, Jamaica, São Vicente, Martinica, Trinidad, Guianas e Granada, que em Porto Velho, não se sabe por quem e por que foram todos denominados barbadianos.

Porto Velho, observa Eduardo Barros Prado, “então uma pequena vila, se viu da noite para o dia invadida por uma avalanche negra que se exprimia num idioma incompreensível para os nativos. Vinham em busca de trabalho que lhes havia oferecido os agentes da companhia que os contratava em suas ilhas”.

Ao desembarcarem do navio que os trazia juntamente com trabalhadores de outros países, destacavam-se pela maneira educada, gentil e pelo traje elegante. Os homens de ternos de linho e chapéus panamá, enquanto os demais trajavam roupas simples e humildes.

As mulheres tinham o hábito de usar chapéus de tecido engomado e o conservavam até dentro de casa ou nos locais de trabalho. Empregavam-se como domésticas em casas de família ou no Hospital da Candelária, como operadoras de máquina de engomar e dobrar lençóis ou ainda, como cozinheiras.

Os caribenhos foram instalados em grandes barracões, construídos em uma colina ao sul do recém-nascido povoado, às proximidades de igapós, de um igarapé e do leito férreo, área atualmente ocupada entre o Cai N’Água, a avenida Rogério Weber e o bairro Triângulo. Entretanto, não satisfeitos com as instalações concedidas pela empresa May, Jeckyll & Randolph, iniciaram a edificar suas casinhas visando a convivência com suas mulheres (somente a esses imigrantes, a empresa construtora concedeu o privilégio de trazer suas famílias). As casas tipo palafitas possuíam imensos quintais, locais onde plantavam árvores frutíferas e cultivaram hortas. Plantas ornamentais faziam parte da paisagem.

Essa vila de casas os manteve unidos e amenizou os conflitos culturais que a imigração provocou no grupo que ignorava totalmente o lugar aonde iria prestar serviços ferroviários. Emocionalmente presos à sua cultura originária, preservavam as atividades e valores, tais como: a religião evangélica, a língua inglesa, a musicalidade (arte predileta), o nível de escolaridade e a união familiar. Poucos imigrantes caribenhos assimilaram a cultura local, apesar dos contatos mantidos com a nova sociedade que cultivava costumes diversos aos seus.

O futuro bairro em formação recebeu o nome de Barbadoes Town, relata Júlio Nogueira, que visitou Porto Velho em 1912, enquanto o ferroviário Hugo Ferreira, chegando em 1913, sendo contratado como condutor de “motor-cars”, carro ferroviário que percorria diariamente o trecho compreendido entre Porto Velho / Candelária / Santo Antônio / Candelária / Porto Velho, galgando pelo seu trabalho eficiente outras funções até a sua aposentadoria em 1958, diverge de Júlio Nogueira e, ao se referir ao bairro, informa que o denotativo era Barbadian Town.

O nome dado em inglês, deveu-se ao fato de que a língua inglesa era a mais falada na época, inclusive toda a documentação da empresa construtora era escrita em inglês.

O povo chamava jocosamente o bairro de Alto do Bode, alcunha que se popularizou gerando controvérsias. Uma delas, narrada por Hugo Ferreira era em razão do forte cheiro de almíscar característico da raça negra. Certa ocasião, um nordestino brincalhão ao passar pelo bairro, exclamou ao sentir o odor: este bairro parece um Alto do Bode. A professora Eliza Johnson, filha do casal imigrante Elvira e Norman Johnson, nascida no bairro e onde passou grande parte da sua infância, discorda, e em entrevista concedida ao jornal “Diário da Amazônia”, em 2004, esclarece: “O que ocorreu é que o local era realmente alto, mas os nordestinos que também moravam na vila, não entendiam o inglês barbadiano, mantido como idioma oficial. Daí passaram a chamar as conversas de berreiro, barulho de bodes. Então surgiu o Alto do Bode.

Disciplinados, organizados e cultuando alto grau de cuidado corporal, usavam camisas de mangas compridas para se protegerem dos mosquitos e não estendiam as mãos para as pessoas que tinham feridas expostas. Quando eram convidados a almoçar ou jantar na residência de algum amigo não caribenho, levavam seus talheres e pratos, fato que levava muitos trabalhadores a chamá-los de orgulhosos e arrogantes.

Entretanto, o contingente que permaneceu em Porto Velho após o término da ferrovia foi o dos “barbadianos”, enquanto os imigrantes de outros países, retiraram-se apressadamente diante da crise gerada pela queda do preço da borracha. Os caribenhos optaram por continuar a viver na cidade que aprenderam a conhecer e amar, continuando com os seus trabalhos para o desenvolvimento sociocultural e econômico de Porto Velho, marcando decisivamente uma página da nossa história.

A educação dada aos filhos era rígida, severa e nas festas que realizavam, apresentavam números de músicas eruditas tocadas ao piano, violino e bandolim. A poesia também aparecia nesses saraus, ocasião que as exímias quituteiras ofereciam o “great cake”, bolo que tinha como ingredientes cerveja preta e frutas cristalizadas, sempre servidas com chocolate quente, que era feito com o cacau colhido dos seus quintais. Para quem preferisse uma bebida gelada, havia o aluá feito com as cascas do abacaxi fermentado com água, colocado para receber o orvalho nas noites de plenilúnio.

Os seus descendentes ainda são presenças marcantes em nossa sociedade, integrantes das famílias Maloney, Julien, Shockness, Jommy, Allen, Blackman, Johnson, Denis e Welles, dentre outros, acompanhando o crescimento da cidade e fortalecendo com a criação de organismos de cultura – corais e peças teatrais, o papel de propulsoras do movimento cultural.

 

*Da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia e Memorial Jorge Teixeira de Oliveira. 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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