Quarta-feira, 18 de dezembro de 2019 - 10h18
Relendo “Rio de Histórias”, livro em coautoria
com Viriato Moura e Samuel Castiel (2014), relatos históricos individuais,
senti imensa vontade de publicar em Gente de Opinião, meu texto:
Nas proximidades do leito da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré surgiram alguns bairros populacionais, dentre eles, o Barbadoes
Town (Cidade dos Barbadianos), construído pelos trabalhadores negros oriundos
da América Central, sobretudo das ilhas de Barbados, Jamaica, São Vicente,
Martinica, Trinidad, Guianas e Granada, que em Porto Velho, não se sabe por
quem e por que foram todos denominados barbadianos.
Porto Velho, observa Eduardo Barros Prado, “então uma pequena vila, se viu da noite
para o dia invadida por uma avalanche negra que se exprimia num idioma
incompreensível para os nativos. Vinham em busca de trabalho que lhes havia
oferecido os agentes da companhia que os contratava em suas ilhas”.
Ao desembarcarem do navio que os trazia
juntamente com trabalhadores de outros países, destacavam-se pela maneira
educada, gentil e pelo traje elegante. Os homens de ternos de linho e chapéus
panamá, enquanto os demais trajavam roupas simples e humildes.
As mulheres tinham o hábito de usar chapéus de
tecido engomado e o conservavam até dentro de casa ou nos locais de trabalho.
Empregavam-se como domésticas em casas de família ou no Hospital da Candelária,
como operadoras de máquina de engomar e dobrar lençóis ou ainda, como
cozinheiras.
Os caribenhos foram instalados em grandes
barracões, construídos em uma colina ao sul do recém-nascido povoado, às
proximidades de igapós, de um igarapé e do leito férreo, área atualmente
ocupada entre o Cai N’Água, a avenida Rogério Weber e o bairro Triângulo. Entretanto,
não satisfeitos com as instalações concedidas pela empresa May, Jeckyll &
Randolph, iniciaram a edificar suas casinhas visando a convivência com suas
mulheres (somente a esses imigrantes, a empresa construtora concedeu o
privilégio de trazer suas famílias). As casas tipo palafitas possuíam imensos
quintais, locais onde plantavam árvores frutíferas e cultivaram hortas. Plantas
ornamentais faziam parte da paisagem.
Essa vila de casas os manteve unidos e amenizou
os conflitos culturais que a imigração provocou no grupo que ignorava
totalmente o lugar aonde iria prestar serviços ferroviários. Emocionalmente
presos à sua cultura originária, preservavam as atividades e valores, tais
como: a religião evangélica, a língua inglesa, a musicalidade (arte predileta),
o nível de escolaridade e a união familiar. Poucos imigrantes caribenhos
assimilaram a cultura local, apesar dos contatos mantidos com a nova sociedade
que cultivava costumes diversos aos seus.
O futuro bairro em formação recebeu o nome de
Barbadoes Town, relata Júlio Nogueira, que visitou Porto Velho em 1912,
enquanto o ferroviário Hugo Ferreira, chegando em 1913, sendo contratado como
condutor de “motor-cars”, carro ferroviário que percorria diariamente o trecho
compreendido entre Porto Velho / Candelária / Santo Antônio / Candelária /
Porto Velho, galgando pelo seu trabalho eficiente outras funções até a sua
aposentadoria em 1958, diverge de Júlio Nogueira e, ao se referir ao bairro,
informa que o denotativo era Barbadian Town.
O nome dado em inglês, deveu-se ao fato de que
a língua inglesa era a mais falada na época, inclusive toda a documentação da
empresa construtora era escrita em inglês.
O povo chamava jocosamente o bairro de Alto do
Bode, alcunha que se popularizou gerando controvérsias. Uma delas, narrada por
Hugo Ferreira era em razão do forte cheiro de almíscar característico da raça
negra. Certa ocasião, um nordestino brincalhão ao passar pelo bairro, exclamou
ao sentir o odor: este bairro parece um Alto do Bode. A professora Eliza Johnson,
filha do casal imigrante Elvira e Norman Johnson, nascida no bairro e onde
passou grande parte da sua infância, discorda, e em entrevista concedida ao
jornal “Diário da Amazônia”, em 2004, esclarece: “O que ocorreu é que o local era realmente alto, mas os nordestinos que
também moravam na vila, não entendiam o inglês barbadiano, mantido como idioma
oficial. Daí passaram a chamar as conversas de berreiro, barulho de bodes.
Então surgiu o Alto do Bode.
Disciplinados, organizados e cultuando alto
grau de cuidado corporal, usavam camisas de mangas compridas para se protegerem
dos mosquitos e não estendiam as mãos para as pessoas que tinham feridas
expostas. Quando eram convidados a almoçar ou jantar na residência de algum
amigo não caribenho, levavam seus talheres e pratos, fato que levava muitos
trabalhadores a chamá-los de orgulhosos e arrogantes.
Entretanto, o contingente que permaneceu em
Porto Velho após o término da ferrovia foi o dos “barbadianos”, enquanto os
imigrantes de outros países, retiraram-se apressadamente diante da crise gerada
pela queda do preço da borracha. Os caribenhos optaram por continuar a viver na
cidade que aprenderam a conhecer e amar, continuando com os seus trabalhos para
o desenvolvimento sociocultural e econômico de Porto Velho, marcando
decisivamente uma página da nossa história.
A educação dada aos filhos era rígida, severa e
nas festas que realizavam, apresentavam números de músicas eruditas tocadas ao
piano, violino e bandolim. A poesia também aparecia nesses saraus, ocasião que
as exímias quituteiras ofereciam o “great cake”, bolo que tinha como
ingredientes cerveja preta e frutas cristalizadas, sempre servidas com
chocolate quente, que era feito com o cacau colhido dos seus quintais. Para
quem preferisse uma bebida gelada, havia o aluá feito com as cascas do abacaxi
fermentado com água, colocado para receber o orvalho nas noites de plenilúnio.
Os seus descendentes ainda são presenças
marcantes em nossa sociedade, integrantes das famílias Maloney, Julien,
Shockness, Jommy, Allen, Blackman, Johnson, Denis e Welles, dentre outros,
acompanhando o crescimento da cidade e fortalecendo com a criação de organismos
de cultura – corais e peças teatrais, o papel de propulsoras do movimento
cultural.
*Da Academia de Letras de Rondônia, do
Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia e Memorial Jorge Teixeira de
Oliveira.
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