Quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023 - 17h24
A perda, na manhã de hoje (2), da jornalista Glória Maria, causou
um grande impacto na imprensa nacional. Mas, em especial, as jornalistas negras
sentiram a perda de sua principal referência profissional.
Kariane Costa, presidenta da Empresa Brasil de Comunicação, coloca
o pioneirismo de Glória Maria ao lado de figuras históricas como Antonieta de
Barros, fundadora do jornal A Semana e diretora da revista Vida Ilhoa, ambos de
Florianópolis, e uma das três primeiras mulheres eleitas no Brasil, em 1934; e
Almerinda Farias Gomes, cronista do jornal A Província, de Belém, uma das duas
únicas mulheres na Assembleia Constituinte de 1934.
“Glória Maria sempre foi uma referência para mim, perdemos hoje uma
grande inspiração para todas nós, jornalistas negras. Sem ela para abrir esses
caminhos, eu não estaria nessa posição hoje. Enquanto Antonieta e Almerinda
abriram as portas no início do século passado, Glória trilhou brilhantemente
pelo telejornalismo e foi uma influência determinante para a minha geração”.
Professora titular da Faculdade de Comunicação da Universidade de
Brasília (FAC-UnB), Dione Moura pesquisa a atuação de jornalistas negras
brasileiras. Relatora do projeto de cotas e ingresso de indígenas da UnB, Dione
destaca que Glória Maria abriu caminhos para a visibilidade de negras na
profissão.
“Ter Glória Maria, uma mulher negra, como referência no
telejornalismo e no jornalismo brasileiro, deve ser tomado como inspiração para
atuais e futuras gerações de jornalistas e mulheres negras no Brasil. A imprensa
comercial, aos poucos, tem aberto espaço para dar visibilidade às jornalistas
negras e Glória Maria, um nome para não ser esquecido, teve papel fundador e
histórico”.
A apresentadora do telejornal Repórter Brasil Tarde, da TV Brasil,
Eliane Benício, lembra com orgulho de ter entrevistado sua grande referência na
faculdade, quando ela falou do racismo e machismo estrutural que enfrentava.
“Glória Maria para mim sempre foi referência de mulher negra
competente, exercendo o bom jornalismo. Eu tive a oportunidade de entrevistá-la
na reta final do meu curso de comunicação social e a ouvi dizer que, por ser
mulher e negra precisava matar não um, mas dois leões por dia para manter o seu
espaço. A fala potente fez diferença pra mim e faz até hoje, já que infelizmente
ainda não está ultrapassada. Glória Maria, porém, abriu o caminho. Eu e outras
colegas seguimos”.
Fundadora da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do
Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro (Cojira-Rio/SJPMRJ), Angélica
Basthi afirma que Glória Maria foi uma “gigante” no jornalismo, como ser
humano, como uma mulher e, principalmente, como mulher negra.
“Ela brilhou na televisão brasileira, ela ajudou a construir a
história do jornalismo na televisão brasileira e, por décadas, ela foi a única
referência como pessoa negra dentro do nosso jornalismo e sempre brilhando.
Como ela mesmo dizia, ela não tinha medo do medo. Então ela conquistou o
público, a nossa admiração e a nossa estima porque ela sempre se dedicou a
trazer para as telas da televisão brasileira a essência do jornalismo, que é a
busca da verdade.”
Coordenadora das edições 2011 e 2012 do Prêmio Nacional Jornalista
Abdias Nascimento, que reconhece produções com ênfase na questão racial,
Angélica Basthi se emociona ao falar da participação de Glória Maria no evento.
“Eu cresci vendo as reportagens da Glória Maria, tornei-me jornalista
por conta da Glória Maria sim e falo isso com muito orgulho. Tive a felicidade
de conhecê-la e convidá-la para fazer a entrega na premiação e a Glória aceitou
o nosso convite com toda alegria e sempre mantendo o compromisso que ela tinha
com a questão racial. A Glória Maria não precisava dizer muita coisa, né? A
nossa pele fala e a Glória Maria falou durante décadas, dando voz a milhares de
vozes de mulheres negras e homens negros nesse país. Ela deixa um legado
inestimável e vai fazer muita falta”.
Homenagens
Pelas redes sociais, diversas jornalistas negras também renderam
homenagens à Glória Maria. Veja algumas delas:
Luciana Barreto, da CNN e ex-apresentadora da TV Brasil: “Glória
Maria, nossa referência, partiu hoje, dia de Iemanjá. Arrasada! Tive a sorte de
pedir conselhos em momentos privados. Glória era uma mulher de grande
sabedoria. Ela foi além de qualquer uma de nós e deixou um recado: não
estacione! Iremos além também por você, Glória!”
Flávia Oliveira, da Globo News: “É a Glória. Glória Maria, a
jornalista, partiu nesta manhã de 2 de Fevereiro, dia de Iemanjá. Referência no
telejornalismo brasileiro. Referência para mulheres jornalistas. Referência
para negras jornalistas. Referência. Que o Orun a receba em festa neste dia de
celebração e fé. Minha mãe Iemanjá te receba na Glória que você já é. Meu
carinho às filhas, aos familiares, aos amigos, aos colegas, aos fãs.
Lembraremos de nossa querida para sempre”.
Basília Rodrigues, da CNN: “Então, só o que agradecer. Obrigada
Glória Maria pelo exemplo de profissional e ser humano. Você sempre foi força.
Meus sentimentos à família”.
Maju Coutinho, da TV Globo: “A presença negra, intensa e assertiva
de Glória na maior emissora do país sinalizava para mim que era possível, era
preciso, era também meu direito e de outros parecidos comigo ocupar lugares de
destaque. Celebro aqui a existência dessa mulher que me ajudou a existir e a
resistir.”
Thais Bernardes, fundadora do portal Notícia Preta: “Se eu existo
hoje é porque Glória Maria abriu caminhos para mulheres como eu! Sempre digo
nas minhas palestras que quando jovem eu sonhava em ser a próxima Glória Maria.
Eu só tinha ela como referência na minha profissão. Glória foi pioneira no
jornalismo. Glória enfrentou machismo, racismo, encarou a ditadura. Sempre com
muita altivez e profissionalismo. Sigo sonhando em um dia ser 10% do que é
Gloria. Sem ela, talvez hoje eu não existiria. Vê-la na TV é saber que eu
também poderia estar ali. Sigamos honrando o legado da maior jornalista do
Brasil!”
Marcelly Setúbal, da Globo News: “Pioneira não porque quis. E, sim,
porque teve coragem e forças para enfrenar tantas dificuldades impostas pelo
racismo e pelo preconceito. Se eu e tantos colegas negros estamos onde estamos
foi porque ela, um dia, abriu as portas. Vá em paz e obrigada.”
Luto oficial
O governo do Rio de Janeiro decretou luto oficial no estado pela morte da jornalista. Em nota, o governador Cláudio Castro declarou que “Glória Maria era um nome forte do jornalismo brasileiro”.
“Uma profissional que foi sinônimo de competência, talento e
dedicação em tudo o que fez. Mas também não podemos deixar de exaltar a mulher
Glória! Todos precisam saber da história da menina humilde, nascida no RJ, que
com muita garra e determinação lutou contra o preconceito, as dificuldades, e
alcançou lugares altos”.
Glória Maria era filha do alfaiate Cosme Braga da Silva e da dona
de casa Edna Alves Matta. Deixou duas filhas, Maria (15) e Laura (14), que
adotou em 2009.
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