Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

História

AS CANASTRINHAS


 
 
                                                                  Por Humberto Pinho da Silva
 
 

Em final dos anos cinquenta, passei aprazível estadia, na Vilariça, na amena e tranquila: “ Quinta do Bem”.

Tive a felicidade, na ocasião, de travar conhecimento com simpática velhinha, de rosto encarquilhado pelo sol, e cabelo alvo, como a neve, amiga da mulher do feitor.

Ainda havia, nesse recuado tempo, nas nossas pitorescas aldeias transmontanas, amorosas  avozinhas, eximias narradoras de curiosas histórias, que entretiam  longas horas de serão, e educavam os sentimentos dos ouvintes.AS CANASTRINHAS - Gente de Opinião

Uma, que escutei, entre muitas, no meu tempo de menino, recheada de encantadores e saborosos termos vernáculos, paralelamente com preciosos provincianismos, é a que vos vou contar:

Havia, há muitos e muitos anos, na comarca de Vila Flor  - "A flor das Vilas", como o grande vilaflorense, Raul de Sá Correia, gostava de dizer, - pastorzinha, que não conhecia letras, por mais rodondinhas que fossem, nem povoado, além da humilde aldeia, onde nascera e se criara.

Numa luminosa e fresca manhã de Primavera, batida de sol doirado e resplandecente,  quando as amendoeiras se toucavam de vistosas florzinhas brancas, assentou ir à Vila.

Sobre a cabeça, colocou o sedoso lenço de seda escarlate, que a madrinha lhe dera pelo aniversário;  calçou delicadas chinelinhas de corda; ataviou-se com o melhor xaile que tinha; e abalou, alegremente, entoando loas à Senhora da Assunção - a que está no Cabeço, - em demanda de semente, para amanhar a coirela.

Pasmou-se, uma vez na Vila, com as casas branqueadas a cal - na sua aldeia, todas eram escuras, de pedra xistosas; - e com os artísticos umbrais, bem lavrados, que embelezavam portas e janelas, de igrejas e velhíssimas casas senhoriais.

Extasiada com tudo que via, deambulava, num encantamento, pelas tortuosas ruas, da antiquíssima Vila.

Porém, ao perpassar pela Matriz - cuja a riqueza dos ornatos do pórtico, a encantou, - verifica, atónita, que do interior do velho templo, saiam harmoniosos cânticos, que mais assemelhavam, hinos angélicos, do que simples coplas, entoadas  por vozes humanas. 

Tocada pela curiosidade, quedou-se a escutar.

No adro, jovem aperaltado, desenhava com a ponteira da bengala de ébano, caprichosos arabescos, na terra mole, enquanto  esperava a namorada, que assistia ao culto.

Com esforço, vencendo o natural enleio, que sempre a dominava, quando falava com estranhos, perguntou-lhe: o que fazia esse mar de gente, em fato domingueiro, dentro do templo.

Para sua desdita, aconteceu ser maganão, o janota, e para se divertir da inocente pastorzinha, disse-lhe que oravam desse jeito:

-”Rezam, assim: Uma canastrinha, mais duas canastrinhas, são: três canastrinhas…”

Terminado o culto, a ovelheira, entrou sorrateiramente, no templo. Ajoelhou-se. Pôs as mãos na posição de rezar, conforme o jovem lhe ensinara, e repetiu, fervorosamente, a “oração” que lhe indicara.

Nesse preciso momento, passa o padre. Olhou. E o que viu?! Volitarem ao seu redor, três formosos e translúcidos Serafins.

Intrigado,  acercou-se, pasmado com o que vira, e interroga meigamente a pastora:

- “O que rezas, minha filha?!…”

Encolhida, a pastorita, muito enleada, respondeu, baixando os olhos:

- “ O que me ensinaram: Três canastrinhas, mais duas canastrinhas. são: três canastrinhas…”

Ao escutar a grotesca “oração”, o cura, lembrou-se do bom Frei Bartolomeu dos Mártires, ao visitar terras de Barroso, e aconselhou-a a voltar, para lhe ensinar a doutrina.

Alegre, como um cuco, a pastorzinha, no domingo seguinte, foi à Vila…; e tornou a voltar….; mas nunca mais viu, o piedoso abade: anjos, luzes, resplendores…Nada!…

Inquerida a razão de estar triste, a pegureira, de mãos erguidas, suplicou: que a deixassem rezar a sua “oração”, porque, ao dize-la, sentia que Deus estava presente.

Contristado e relutante, o padre condescendeu, compreendendo que os designos do Senhor são bem diferentes do pensar dos homens…

Estava o abade a pregar as promessas divinas, quando enxerga, estupefacto, que lá no fundo do templo, ao redor da pastorzinha, havia um imenso halo, tão brilhante como o Sol; e translúcidos Serafins, rezavam de joelhos, ao seu lado.

Volvendo os olhos lacrimosos para o Céu, o padre lembrou-se das Bem -  Aventuranças:

“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino do Céu!...”

Velhinha, no humilde catre  da sua humilde casa, a pastora,entrega a alma ao Criador; e amparada por formosos anjos entra no Céu, rezando:

"Uma canastrinha, mais duas canastrinhas, são três canastrinhas!..."

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Na comemoração do 6º aniversário da Energisa, Rondônia ganha livro de fotos antigas

Na comemoração do 6º aniversário da Energisa, Rondônia ganha livro de fotos antigas

Três anos atrás, o repórter fotográfico goiano Kim-Ir-Sen Pires Leal se inquietava diante de suas milhares de imagens de Rondônia, antes de lançar a s

Lançamento de livro retrata os 40 anos da história do Parlamento de Rondônia

Lançamento de livro retrata os 40 anos da história do Parlamento de Rondônia

Já está disponível para compra o livro "Percorrendo os 40 anos de história do Parlamento Rondoniense", escrito pelo servidor da Assembleia Legislati

Montezuma Cruz lança "Território dourado", sexta-feira, na Casa da   Cultura

Montezuma Cruz lança "Território dourado", sexta-feira, na Casa da Cultura

Na noite de sexta-feira, 23, a partir das 19h, o jornalista Montezuma Cruz lançará seu livro “Território dourado”, contendo relatos a respeito dos g

Trajetória de Silvio Santos

Trajetória de Silvio Santos

Senor Abravanel, um abnegado em levar alegria ao povo brasileiro, um visionário das comunicações no Brasil, cuja marca registrada em mais de 75 anos d

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)