Quinta-feira, 1 de novembro de 2018 - 18h26
Por David Castiel
De toda a herança moral que herdamos, a de maior força é com certeza o sobrenome que ostentamos e que passamos aos nossos filhos: No meu caso refiro-me à família ‘Castiel’. Trata-se de família pioneira, que aportou no provinciano Território Federal do Guaporé na década de 1940. Família de origem judaica, obrigada a fugir da diáspora espanhola, saiu de Marrocos e refugiou-se na longínqua Amazônia brasileira. Castiel, mesmo sobrenome que, pelo matrimônio com meu tio, Raphael Jayme Castiel, foi assumido por um dos maiores personagens da história cultural e política – primeira mulher a eleger-se parlamentar em Porto Velho – e da educação em Rondônia, a professora Marise Magalhães Costa Castiel, que, se ainda entre nós estivesse, estaria completando cem anos de vida.
Honra-me ver que desse prestigiado ramo de nossa família, fundado por meu pai e tios Raphael e Marise, brotaram talentos em áreas diversas, bem representados e com maior expressão em minhas primas, Mariza, Enid e Sandra Castiel, que, a exemplo de sua mãe, abraçaram o sacerdócio da educação. Muitos outros personagens, não menos importantes, compõem o clã Castiel em diversas áreas de atuação profissional (precisaria de espaço para nominá-los). Meu tio Raphael e minha tia Marise, se vivos ainda fossem, com certeza contemplariam com orgulho e alegria a prole com que Deus os abençoou.
Nosso sobrenome é de origem judaica, disseminado especialmente no ramo sefaradita (ibérico na linguagem hebraica) dos israelitas. E remete aos judeus que emprestaram seu talento financeiro ao fortalecimento das coroas que viriam a se reunir séculos mais tarde no que hoje se conhece como Espanha. Castiel significa “escudo de Deus”. É o nome de um arcanjo, segundo a cabala judaica. Como escudo, o nome denota a intenção de proteção. Sendo de Deus, reflete a sua condição privilegiada de exercer uma função divina. Não sou versado em cabala, mas, olhando para a história de minha família, vejo que essa definição faz todo sentido.
Meu tio Raphael, juntamente com meu pai, Samuel Moisés Castiel, chegou a estas paragens do poente na década de 1940, trazendo na bagagem basicamente a esperança e um jeito já assumidamente amazônico de viver a fé judaica: sem sinagoga, sem sectarismos, mas com uma relação simples, direta e autêntica com Deus. Sua integração à comunidade que elegeu para nela viver lhe valeu, dentre outras expressões públicas, ser prefeito de Porto Velho em um momento crucial da história política brasileira, sendo deposto do cargo e preso pelo regime de exceção que se instalou em 1964.
Inegavelmente habilidosa politicamente, sua esposa Marise viria a dar “a volta por cima”, militando no partido de sustentação do governo que se instalara, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), pelo qual foi a primeira mulher a ser eleita para a Câmara Municipal de Porto Velho, em 1976. Conciliou a atuação política com sua dedicação à educação, dirigindo essa pasta nos governos do então Território Federal.
Emblema do respeito mútuo entre pessoas que um dia contraíram os laços do matrimônio, a harmônica convivência entre meu tio Raphael e tia Marise os manteve sempre próximos. Prova disso é que tia Marise jamais abdicou de permanecer com o sobrenome adquirido pelo casamento, antes o honrando e o fazendo desfrutar de uma figuração privilegiada na história desta nossa Rondônia.
O centenário da Professora e Educadora Marise Castiel é mais uma oportunidade para reverenciarmos o passado, homenagear aqueles que chegaram primeiro por esses inóspitos rincões e prepararam o caminho para os que hoje vivem segura e confortavelmente uma vida bem mais fácil que outrora!
Que o centenário de Marise Castiel, para nós rondonienses, seja o início do resgate de relevantes acontecimentos políticos, históricos e culturais de nossa gente, afinal "Um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado” (Professora e historiadora Emília Viotti da Costa).
Seu centenário é efeméride cuja comemoração há de irradiar-se nos diversos campos em que atuou. O Estado de Rondônia e, sobretudo, a capital Porto Velho muito devem a essa expoente figura, seja na área da educação, seja na política, seja mesmo no que de mais singular há em sua biografia e a revela uma mulher sempre à frente de seu tempo, pois foi ela fundadora de uma escola de samba, a Pobres do Caiari, pelo que será merecidamente homenageada no carnaval que se avizinha. E tenho certeza de que meu tio Raphael, se vivo ainda fosse, estaria na comissão de frente, saudando o povo e pedindo passagem para o enredo que ajudou a escrever e que teve como principal alegoria o amor, que se converteu em fraterno, e o respeito por tia Marise enquanto respirou.
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