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História

Civilização complexa na Amazônia pré-colombiana




Formas geométricas esculpidas na terra da floresta amazônica a partir do início da era Cristã indicam que a região abrigava sociedades numerosas e desenvolvidas antes da chegada dos colonizadores.

Por: Raquel Oliveira - Ciência Hoje

Gigantescas trincheiras cavadas na terra na região do Acre reforçam a hipótese de que a Amazônia abrigava sociedades desenvolvidas antes da chegada dos colonizadores. As estruturas, feitas entre o início da era Cristã e o ano de 1300, formavam espaços geométricos precisos conectados por estradas retas e perpendiculares a eles. 
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Vista aérea do geoglifo JK, parcialmente encoberto pela mata, no município de Acrelândia, no Acre (foto: Diego Gurgel).

O estudo das figuras encontradas, chamadas geoglifos, foi publicado na última edição da revista Antiquity por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal do Acre e Instituto Iberoamericnao da Finlândia.
As esculturas geométricas têm, em média, entre 90 e 350 metros de diâmetro e são formadas por sulcos com 11 metros de largura e um a três metros de profundidade. Por terem dimensões tão grandes, os geoglifos são vistos melhor do alto, por meio de sobrevoo, por exemplo. Para o estudo, além da pesquisa em campo, foram usadas imagens do Google Earth, programa que disponibiliza fotos de satélite de vários pontos da Terra e do universo.

“Hoje, já são conhecidos 260 geoglifos

A análise em laboratório de uma amostra de carbono coletada em um dos geoglifos indica a provável data em que ele foi construído: 1283 depois de Cristo. Os pesquisadores acreditam que outros podem ter sido feitos na mesma data. Mas há também estruturas  que remontam a 2 mil anos atrás. Segundo eles, as áreas delimitadas pelos geoglifos podem ter sido fortalezas ou centros cerimoniais.

“Esses geoglifos começaram a ser descobertos na década de 1970, por causa da intensificação do desmatamento”, conta uma das autoras do artigo, a arqueóloga brasileira Denise Schaan, da UFPA. “E a tendência é encontrar cada vez mais”, afirma. Hoje, já são conhecidos 260 geoglifos.

Se, por um lado, o desmatamento evidenciou a existência desses desenhos, por outro, a agricultura e a pecuária extensiva na Amazônia ameaçam a conservação desses tesouros arqueológicos. “Quando encontramos os geoglifos, eles já estão em processo de deterioração”, lamenta Schaan. “Acredito que eles já tenham perdido 50 centímetros de seus depósitos superiores”, diz.


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          População numerosa

Os pesquisadores estimam que seriam necessárias 80 pessoas para construir um único geoglifo. Levando em conta que nessas sociedades também deveria haver indivíduos responsáveis pelo preparo de alimentos e pela execução de trabalhos domésticos, entre outras atividades, a população seria de, no mínimo, 300 pessoas. Em uma escala regional, a equipe acredita que poderia até existir uma sociedade com 60 mil habitantes nativos, já que os geoglifos estão próximos uns dos outros.
 

A equipe acredita que poderia até existir uma sociedade com 60 mil habitantes nativos
Vestígios de complexos semelhantes já foram descobertos em outras partes da Amazônia pré-colombiana. Nas terras do alto Xingu, ao norte do estado do Mato Grosso, outros pesquisadores, entre eles o antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também encontraram estruturas de terra, como fortificações e caminhos, mas essas obras não são tão geométricas como as do Acre. Além disso, a equipe de outro antropólogo, Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida (EUA), registrou na região vilas com construções como praças centrais, estradas e até pontes.

Até então, acreditava-se que os nativos que habitavam a região amazônica nos séculos 13 e 14 compunham tribos primitivas, pequenas e igualitárias, já que a floresta tropical favorece pouco a formação de sistemas sociopolíticos elaborados.

Segundo Schaan, ao que tudo indica, o desenvolvimento das sociedades pré-colombianas amazônicas aconteceu separadamente do das andinas (que têm na civilização Inca seu exemplo mais famoso). Os materiais usados nas construções, por exemplo, são diferentes: as amazônicas usavam terra, madeira e palha; as andinas, pedra. Além disso, ainda não há evidências que indiquem claramente que houve contato entre essas sociedades. “Mas essa possibilidade não deve ser descartada”, diz a pesquisadora. “Podem ter acontecido trocas culturais entre esses povos”, completa.
 
Raquel Oliveira
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