Sábado, 1 de setembro de 2018 - 15h15
DO TEMPO DO GUAPORÉ
Viva as nossas referências!
Apogeu,
ápice, luxo monumental. A todos encantava aquela ópera a céu aberto na
Avenida Presidente Dutra, e não no palco do Teatro Amazonas.
Esquentando
a avenida cheia de gente, desfilavam a platinada e deslumbrante Bebeth
Leite, acompanhada de Kicó e Graciete Maia, esfuziantes como vedetes da
Praça 11.
Ah! Marlene
Capeta, espécie de Elza Soares, e no mesmo ritmo, Zeca Melo, Chiquilito,
Flávio Daniel, grandes maestros, os irmãos Sadeck – destaques e mestre
salas – e a elegante porta-bandeira Neguinha. Nada importado. O público
aplaudia em pé.
Entre o Arco do Triunfo e a Torre Eiffel, em Paris, aconteciam e ainda ocorrem grandes recitais, do clássico, música erudita e popular francesa. Lá acontece até o nosso clássico chorinho e a bossa nova. São palcos e passarelas mostrados mundialmente.
Ô la, la, céus de Paris. É a França com seu lugar símbolo, eterno orgulho do seu povo. Em volta de seus monumentos ronda a música universal. Ninguém se cansa de La vie en rose, de Édith Piaf, de Charles Aznavour, Ne me quitte pás, de Jacques Brel.
E Porto Velho? Aqui, muita gente derrama lágrimas no espaço onde estão os três símbolos da cidade. Nele soaria maravilhoso Céus da Amazônia, música original de Almerindo Ribeiro (nascido em Guajará Mirim), adaptado para Céus de Rondônia.
É o mais belo hino de um Estado brasileiro, embora apresentado de maneira cafona, soando por vozes falsas, até destratando e desprezando aquilo que é do povo.
Assim acontece na Câmara Municipal de Porto Velho, em auditórios de tribunais ou mesmo na Assembleia Legislativa, palco dos “Nóis mói, nós debulha”. Dá náusea.
Mais elevado, o Palácio Getúlio Vargas, o Rosado, depois, o marco de tijolinho dos anos de 1920, o primeiro construído, e por último, as suaves conchas (ou uma bateia). Delas brotava uma fonte luminosa, uma super produção de águas iluminadas de azuis, vermelhas ou lilás...Tudo era encantador.
Em seu entorno se desenvolvia a vida cultural de Porto Velho desde a época do Território Federal do Guaporé, até os anos 1970.
As grandes manifestações culturais tinham endereço certo. Todas aconteciam ali, naquele entorno...
Verdadeiras passarelas, as calçadas, os monumentais prédios ofereciam o trajeto entre os cinemas (Resky e Brasil) até o Porto Velho Hotel separada pela Avenida Presidente Dutra. Do outro lado, destacava-se o Palácio Presidente Vargas, clássico, monumental.
Alguns diziam: “De tão belo, belíssimo, talvez fosse comparado à Casa Branca, em Washington”. Um exagero, mas todos concordávamos: eram sim, incomparável. A obra iniciada no Governo do Guaporé de Araújo Lima, no final dos anos de 1940, demorou pouco mais de quatro anos para ser concluída.
A BANDA DO MAESTRO NEVES
Quando inaugurado, seus ambientes, o interior e as escadarias atraíam as pessoas. E o governador mantinha diretores administrativos de obras, educação e cultura, agricultura e da Guarda Territorial. Eram altos funcionários, em geral chamados de categas (categoria), moravam no então sofisticado Caiari, um dos primeiros bairros urbanizados do Brasil, de lindas casas, verdadeiras mansões...
Em determinado momento, o maestro Neves regia a Banda de Música com mais de 80 integrantes. Verdadeira orquestra, aos domingos, ela executava dobrados e até o erudito. Dessa banda originavam-se pequenas orquestras que se desdobravam nos finais de semanas em bailes memoráveis.
Não é demais dizer que Porto Velho inspirava momentos semelhantes aos do calçadão de Ipanema, ou de Champs-Élysées, em Paris. Personificávamos uma cultura própria oriunda dos condomínios Madeira-Mamoré e dos categas. A cidade se sentia bem naquele ambiente arquitetônico belíssimo, do qual nós todos nos orgulhávamos.
Outro dia, alguém disse que sou fantasioso. Qual nada! É que a expressividade daquela época unia o povo à classe política dominante e assim se reconhecia o valor do porto-velhense. Infelizmente, diferente de hoje.
Mas o Palácio rosado, ah! O palácio e a estrada de ferro, marcos de nossa identidade e de nosso orgulho, nunca mais foram os mesmos. Todos sabem que do pátio ferroviário até um vagão inteiro “voou”, sendo encontrado no Lago Paranoá, em Brasília.
IRMÃOS FRACASSO
Havia grandes carnavais, frevo com blocos do Danúbio Azul, do Guaporé, Vila Operária, Bancrevea (de vermelho) e do Ypiranga Azul, entre outros. Por último as Escolas de Samba do seu Café, a Diplomatas do Samba ou a Pobre do Caiari. Todas entre os anos 1950 e 1960.
Os conhecidos Irmãos Cunha, pejorativamente conhecidos por Irmãos Fracasso – por causa da música de Núbia Lafayete e Dalva de Oliveira – decoravam a Avenida Presidente Dutra, onde desfilavam blocos e escolas de samba.
Avenida dos recitais, dos carnavais e dos grandes desfiles, o principal deles, em 13 de setembro, dia do Território do Guaporé.
Esses três símbolos, visivelmente expressivos, foram ou vêm sendo destruídos pelos os poderes constituídos. A mais sacana é a Prefeitura de Porto Velho, campeã da descaracterização, da destruição e cúmplice maior do desaparecimento desses símbolos, caso das praças e de outras referências que um dia nos deram personalidade.
Pronto. A Prefeitura faz parte de um plano armado para nos reduzir a tal insignificância, nos tornando cidadãos de segunda categoria na nossa terra ou aqueles que chegaram a muito aqui.
É o resultado dado pelos poderes pecadores é o desprezo. Na verdade, políticos que representam o povo rondoniense servem despudoradamente a grupos, e não se comprometem a prestar conta àqueles que os elegeram.
Perguntariam: e os “nossos” vereadores? Silêncio! Não se pronunciam, não se mexem, passam ao lago dos favelões que ajudaram a criar nas praças. Pequena, mas significativa, a Praça Jônathas Pedrosa há muito tempo é um péssimo cartão de visitas. A Praça General Rondon, por sua vez, virou “Praça do Baú”. Em tempo algum, a Prefeitura pagou mídia para evitar a desfaçatez.
Alguns, nem aí para o debate do Plano Diretor, se candidatam a deputados. Óleo de peroba já! Quietos ficaram com a desvairada lavagem de dinheiro no caso das sucessivas maquiagens de praças. Deixam à vontade prefeito, secretários e demais assessores. Omitiram-se.
Seriam políticos-robôs? No meu ponto de vista, levá-los à Assembleia Legislativa sem que tenham demonstrado compromisso maior com o Patrimônio Histórico é um ato de leseira. Voto irresponsável, perdido.
É cômodo sair pela tangente no momento em que se descumprem determinações da Justiça Federal, a exemplo das exigências feitas pelo desembargador Souza Prudente (TRF1) ao exigir ética e respeito às leis, ao Município e ao consórcio usineiro.
Rasgaram a Constituição Estadual em seu artigo 264, que diz:
“Olhar para o futuro” – apregoa um dos candidatos que aposta na cegueira do eleitorado. Que futuro, cara-pálida?
O que houve na Capital de Rondônia, insisto em dizer, foi a construção de um plano diabólico, bem engendrado, para nos transformarem em cidadãos de segunda categoria, como se fôssemos panacas desprovidos de pensamento.
Pouco sobrou das “obras do milagre”, por exemplo. Agora, o desemprego bate à porta. Nossos filhos pagam Faculdade particular e os que agora se formam, chocam fortemente com a bruta realidade. A isso se chama “olhar para o futuro”?
Uma dessas faculdades particulares colocou novamente uma candidata robô a deputada federal. Espantoso, porque ela faz coro aos demais deputados federais e estaduais, todos calados quando se trata de investigar e denunciar a dilapidação do Patrimônio Histórico.
Recentemente, apoiados pela SPU, CPRM (Serviço Geológico do Brasil) e Ibama, esses parlamentares descompromissados e insensíveis permitiram o aumento das cotas das barragens de hidrelétricas. Significa que as águas represadas, ao subir ainda mais, farão desaparecer antigos distritos.
Com a terceira hidrelétrica, então, até Guajará-Mirim sofreria esse risco. E a Capital do Estado pode até ser transferida para o interior, cumprindo o (mal) desígnio daquele antigo político lançou a ideia.
AÇÃO GRUPAL
A deputada robô reviveria os piores momentos da ex-senadora Fátima Cleide e do ex-governador Oswaldo Piana Filho? – filhos da terra, ou minhocas?
Se analisarmos a atual corrida ao Governo, nos deparamos com incógnitas: de um lado, o deputado Maurão de Carvalho está comprometido com o machado, mas não com a árvore, pois eliminou quatro reservas ambientais e está às voltas com o STJ.
De outro, o ex-senador Expedito Júnior aliou-se a exploradores de madeira em terra indígena no Estado. Amedronta, arrastando atrás de si um grupo pouco simpático à causa da Madeira-Mamoré. São pessoas que só utilizam a ferrovia como laranja para levantar grana em seu nome.
IMITAÇÃO
A situação de usurpação do Patrimônio começou com Roberto Sobrinho, e continua com o atual. De lá para cá projetaram transformar o nosso símbolo maior numa réplica das Docas de Belém do Pará, contando, para nosso espanto, com a omissão da Procuradoria do Meio Ambiente.
O que digo de outro grande concorrente Sr. Acyr Gurgacz, embora seja simpático à causa? Não sei se será ele o candidato, ou o atual governador, Daniel Pereira. Por isso, considero que temos incógnitas à nossa frente.
Já o esperto deputado Lindomar Garçom respaldou indicações ao SPU e ao Iphan. Desrespeitando a cultura, mesmo sabendo que elas não apresentam capacidade técnica para o exercício dos respectivos cargos, indica-os.
Em maio passado, a Associação de Preservação do Patrimônio Histórico e Amigos da Madeira-Mamoré (Amma) reclamou ao ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, durante sua visita a Porto Velho. Quanto a Superintendência do Iphan, sugerimos a ele cuidados no acatamento, pelo governo federal, de critérios de competência nem sempre respeitados. Disso nos queixamos da política de terra arrasada pendente nesse setor.
SPU e Iphan atendem a interesses de quem? Dos donos da energia elétrica, cuja geração muito prejudicou o Patrimônio Histórico, índios e ribeirinhos, mesmo pagando algumas compensações sociais pelo estrago ocorrido em seus territórios.
No cômputo geral, o que nos sobrou, além de problemas e do desmantelamento e roubo de peças históricas? A terra e o rio arrasados. Só perdemos.
Superficialmente, argumenta o Sr. Expedito em seu slogan que o objetivo é “olhar para frente”. Contudo, parece deletar erros cometidos durante a destruição do Patrimônio e não demonstra o propósito do resgate maior. Conversa mole para adormecer bovinos, candidato!
E não culpem militares, porque a reativação que imaginam fazer nunca teria o aval das Forças Armadas, até então capazes de respeitar o passado para, de fato, poder enxergar bem futuro.
A vagabundagem política quer o voto de Porto Velho e se esforça para pedi-lo com humildade, sem conseguir disfarçar o característico jeito de raposa cuidando de galinheiro.
Tripudiam, aniquilam. E o plano segue, tentando tirar o legítimo direito de reger nosso destino.
Criem jeito! Ainda não será desta vez que irão abalar a nossa memória. Respeitem Porto Velho e sua História!
(*) Arquiteto, urbanista e cineasta. Nasci na região, sou caboclo. “Eu estudei lá na Samaritana” — faço coro aos que lá estiveram. E em escolas também. Cursei arquitetura na Universidade de Brasília (UnB). Produzi recentemente O Delírio – Dreams and tracks, em parceria com amigos que criam o Museu Internacional Trilhos e Sonhos. Entre outros, sou autor do Projeto de Restauração e Elementos de Integração do Complexo Ferroviário da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, Orla e Beira rio – plagiado e desfigurado pela Prefeitura de Porto Velho com o nome de “Revitalização”.
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