Segunda-feira, 22 de novembro de 2021 - 14h31
Dona Maria
Auxiliadora Lobo de Souza, de Porto Velho (RO), é protagonista de uma saga que
parece roteiro de cinema.
Ela ficou órfã de mãe
no dia em que nasceu, em 19/08/1935, e
seu pai, Antônio, a caminho do hospital para ver esposa e filha — sem saber que
estava viúvo — acabou sofrendo um
naufrágio e morrendo afogado no Rio Madeira.
Na época, era comum
as crianças nascerem pelas mãos de parteira. Mas Deolinda estava com malária e
internada no Hospital São José onde deu à luz. A jovem mãe morreu durante o
parto.
A recém-nascida ficou
no hospital administrado por freiras católicas durante três meses, sem que
ninguém a reclamasse. Até que um carroceiro que atendia com seus préstimos o
hospital foi ao quarto onde ela estava. Vendo-o, a criança abriu os braços,
como se pedisse para ser levada dali. E foi, com autorização do bispo.
“Eu nunca vi meus
pais nem por retrato. Meu sobrenome Lobo vem daqueles que me adotaram e
cuidaram de mim”.
A menina estudou no
colégio de freiras — o Instituto Maria Auxiliadora, de onde vem seu nome de
batismo — até os 15 anos, teve ótima educação. Mas
começou a trabalhar cedo: “Com oito anos eu já vinha aqui na Estrada de Ferro
buscar óleo queimado para botar nas lamparinas" do colégio e de casa.
Depois, foi
contratada pela própria EFMM, onde exerceu
várias funções (de 1953 a 1983), até aposentar-se. Na condição de
ferroviária, começou como datilógrafa,
tornou-se escriturária e agente administrativa na tesouraria e na área de RH.
A FERROVIA DO DIABO
A Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré simboliza a união de 50 países representados pelos 20 mil
trabalhadores que atuaram na sua construção, encerrada em 1912, precedendo o
município de Porto Velho, criado, oficialmente, dois anos depois.
A ferrovia com seus
366 km ligando Porto Velho a Guajará-Mirim foi inaugurada em 30 de abril de
1912, 15 dias após o Titanic naufragar no Atlântico Norte. Jornais do mundo
todo noticiaram a odisseia humana na maior floresta tropical do Planeta que
resultou em seis mil mortos durante os cinco anos de construção — o quádruplo
do número de vítimas do Titanic.
Quando Dona Maria
Auxiliadora nasceu, em 1935, a atual capital de Rondônia ainda era uma
cidadezinha fincada ao sul do estado do Amazonas, na divisa com Santo Antônio
do Rio Madeira — cidade mato-grossense oficialmente extinta em 1945. Vivia
Porto Velho, basicamente, em torno da EFMM e da extração do látex, sendo esta
segunda atividade que justificou a implantação da conhecida Ferrovia do Diabo —
apelido dado em função do grande número de mortos que determinaram a instalação de um campo-santo na
cidade-empresa: o Cemitério da Candelária, em cujo solo repousa gente de todos
os continentes.
Dona Maria
Auxiliadora é também guardiã desta história. Foi presidente da Associação de
Amigos da EFMM cujo mister é manter vivo no imaginário e documentalmente um dos
capítulos mais interessantes da história do Brasil e do mundo.
(*) Júlio Olivar,
turismólogo, historiador, membro da Academia Rondoniense de Letras
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