Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

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Gente de Opinião

História

QUANDO NASCEU PORTO VELHO?


        Antônio Cândido da Silva*
 
 
            Algumas pessoas entre aquelas que se dedicam ao estudo da história de Rondônia acredita, por exemplo, que a cidade de Porto Velho teve seu início no dia 4 de julho de 1907, apresentando como justificativa os escritos de Hugo Ferreira e Ernesto Matoso Maia Forte, ou a alegação de que os americanos tinham o hábito de promover as suas inaugurações na data da independência do seu país.
            Se analisarmos com cuidado, verificaremos que essas afirmações não têm consistência diante de uma pesquisa cuidadosa ou, até mesmo, da análise das provas apresentadas, como veremos adiante.
            A única inauguração comprovada, ocorrida na data em questão, foi a de um pequeno trecho feita em 1878 por George Earl Church:
 
                        "Um grupo de doentes, reunidos à sombra de uma palmeira, procuravam entoar a canção
 
                                    "I love thy rocks and rills,
                                    Thy woods and templed hills."
                       
                                    E constituía o único lembrete do nosso grande feriado nacional.     Contudo, diversas circunstâncias tornavam o dia 4 de julho de 1878 memorável         na história da expedição. No dia anterior os mecânicos haviam terminado a       montagem da primeira locomotiva até então vista em toda a bacia amazônica (,,,) No dia 4 de julho, acenderam a fornalha pela primeira vez e a locomotiva,             trafegando por todos os trechos de linha assentados nas vizinhanças de Santo Antônio, fazia, com o bimbalhar do sino e o apito contínuo, um alarido que se    ouvia por muitos quilômetros ao redor"... [1]
 
            Depois da P. T. Collins, sabe-se que a firma que efetivamente construiu a ferrovia, promoveu quatro inaugurações: a primeira, no dia 31 de maio de 1910, do trecho entre Santo Antônio e Jaciparaná; a segunda, no dia 30 de outubro de 1910, no trecho entre Jaciparaná e a cachoeira Três Irmãos; a terceira, no dia 7 de setembro de 1911, quando a linha atingiu o km 220, na foz do Abunã e a inauguração final que foi assim descrita:
 
                       No dia 30 de abril de 1912, assentava-se o último dormente da estrada de Ferro Madeira – Mamoré, no ponto final, em Guajará-Mirim. E no dia 1º de agosto desse mesmo ano, realizava-se a inauguração desse último trecho, dando a Companhia concessionária a estrada completamente construída com seus trens trafegando entre Porto Velho e Guajará-Mirim, na extensão total de 364 km.[2]
 
           
            Como se pode ver além da inauguração fracassada da P. T. Collins quando a locomotiva 12 tombou espetacularmente fora dos trilhos, nenhuma das inaugurações foi feita na data em questão e, mesmo a ferrovia tendo sido concluída em 30 de abril de 1912, a inauguração final se deu em 1º de agosto e não em 4 de julho daquele ano.
 
            Descartada essa linha de raciocínio, vejamos o que nos diz Hugo Ferreira em seu livro "Reminiscências da Madmarly e Outras Mais", páginas 23 e seguintes, sobre a "A Madeira-Mamoré e suas lendas" e como sabemos que a grande maioria dos leitores não terão acesso a essa raridade histórica, para comprovar o que dizemos, transcrevemos a seguir o texto no qual se baseiam aqueles que defendem a data de 4 de julho de 1907, como o dia da fundação da cidade de Porto Velho:
 
            "Há, precisamente 55, anos, que no dia de hoje foi cravado no último dormente da Madeira-Mamoré em comemoração à chegada da ponta dos trilhos em Guajará-Mirim, um prego de ouro.    
            Essa cerimônia, tal como o de prata que também foi pregado no início da construção, a 4 de julho de 1907, no local onde hoje se encontra o S.N.M., é tido por muitos como lenda. Portanto, para desmenti-los é que transcrevo a seguir uma nota que solicitei ao meu amigo e colega ferroviário aposentado, o sr. Antônio Borges, Artífice – Mestre - Carpinteiro, uma das raras testemunhas daquela significativa e emocionante solenidade. Eis a nota: —
           
            Satisfazendo o seu pedido referente ao prego de ouro colocado no último dormente da Madeira-Mamoré, informo-lhe o seguinte:
            Na manhã do dia 30 de abril de 1912, pelas 10 horas, encontrava-me com outros companheiros em serviço de assentamento do desvio do rio, no pátio de Guajará-Mirim, quando chegaram vários auto-linhas que se dirigiram para a ponta dos trilhos, um pouco antes de onde hoje está a primeira agulha do triângulo de reversão.
            Deles desembarcaram vários senhores e duas senhoras, esposas de Mr. Jekey e do Dr. Geraldo Rocha, o primeiro contratista da Construção e o segundo Eng. Fiscal do Governo.
                       Fomos convidados para assistir naquele local à cerimônia que se ia realizar, que consistia no pregamento de um prego de ouro no último dormente de Madeira-Mamoré.
            Formamos em círculo e Mr.Jekey retirou de um estojo que trazia consigo, um prego de ouro idêntico aos de linha e enfiou-o num buraco vago que existia no dormente. Em seguida entregou à sua esposa um martelo, para que o pregasse e depois passou o martelo à senhora do Dr. Geraldo Rocha, que fez o mesmo. A seguir Mr. Jekey retirou o prego de ouro e colocou em seu lugar um prego comum de linha e, pedindo uma marreta ao Feitor, deu-lhe várias batidas, o mesmo fazendo o Dr. Geraldo Rocha e o Cônsul da Bolívia em Porto Velho, Dr. José Gutierrez e outras pessoas da Comitiva.
            Foi um delírio esse momento culminante e entusiasmados, prorropem em vivas e hurras ao Brasil, à Norte-América e à Bolívia, devidamente representadas ali pelas suas respectivas bandeiras.
            Após tomarem seus veículos e desembarcarem um pouco adiante, na barraca de um vigia e sob uma tosca mesa, num grande livro lavraram a ata do ocorrido, que foi depois de lida assinada pelas principais pessoas presentes.
            Em seguida dirigiram-se para o Acampamento 46, Guajará-Assú e aí almoçaram, retornando depois para Porto Velho.
            Lembro-me nitidamente desses fatos e ao relatá-los, faço-o com o pensamento saudoso dos meus vinte e três anos de idade que então os tinha e que não voltam mais. (a) Antonio Borges." (sic)
 
            Como se pode observar, embora Hugo Ferreira tenha prometido provar não ser lenda o fato da colocação dos pregos de "ouro" em 30 de abril de 1912 e o de "prata" em 4 de julho de 1907, e invocado o testemunho do senhor Antonio Borges, este, em nenhum momento, falou sobre o tal "prego de prata" ou em 4 de julho de 1907.
 
            Por outro lado, Hugo Ferreira não foi testemunha de tais cerimônias haja vista que declara em "Reminiscências " a sua chegada em Porto Velho da seguinte maneira:
 
                        "Em 1913, no dia de hoje, que por sinal era domingo, aportou a estas       plagas um jovem de 20 anos, cheio de vida, esperançoso e confiante." [3]
           
            Quanto ao senhor Antônio Borges, não há registro de sua chegada a "estas plagas", provavelmente ele não fez parte da turma pioneira que chegou a Santo Antônio em junho de 1907, os relatos médicos, inclusive os de Oswaldo Cruz, afirmam que:
           
                        "A procrastinação das medidas será um crime de lesa-humanidade          permitindo maiores sacrifícios que os de hoje: Uma vida e, talvez 10    inutilizadas por dia é de lesa-pátria porque transformará em zona inabitável um dos mais ricos e belos sítios do mundo." [4]
 
 
            O senhor Antônio Borges não presenciou o suposto acontecimento do lendário "prego de prata", por isso nada disse a respeito. Ninguém resistiria às doenças da região por tanto tempo, para assistir do começo ao término a construção. Oswaldo Cruz foi generoso na sua previsão de "uma vida por dia", ficou provado que, oficialmente, morreram aproximadamente quatro vezes mais.
           
            Com relação ao senhor Ernesto Matoso, vale esclarecer que foi um dos participantes da Comissão Morsing – Pinkas, na condição de secretário e, portanto, o responsável pelo relatório da comissão, publicado no Rio de Janeiro, em 1885, com o título de "Impressões de Viagem – Itinerários e Trabalhos da Comissão de Estudos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré".
            Podíamos parar aqui as nossas considerações por não ter a comissão Morsing ou Pinkas que aqui esteve entre 19 de março e 19 de agosto de 1883, qualquer relação direta com 4 de julho de 1907, 24 anos depois.
            No entanto, um fato importante merece ser lembrado para esclarecimento da escolha do local para início da ferrovia a partir Porto Velho, lendo o que nos diz Matoso no citado relatório:
 
            "Para completar os estudos que a comissão fizera em 7 kilometros, de Santo Antônio ao Ponto Velho, no sentido de verificar se era esse o melhor para a estação principal, foi designado pelo Dr. Morsing, o chefe de secção  Bacelar (Vicente de Bacelar Pinto Guedes) para proceder as sondagens precisas, seguindo em lancha a vapor para esse lugar, onde chegou em fins de outubro, dando logo execução às ordens recebidas".
            O resultado d'essas sondagens evidenciou a navegabilidade do rio Madeira até Santo Antônio, para embarcações de 2m,20 de calado, nas vazantes, dando livre navegação aos maiores navios nas enchentes, porquanto sobem as águas a enorme cifra de 14,m acima do nível das águas na máxima baixa." [5]
 
            "Nesse intuito, verificou a comissão de estudos o traçado da linha, corrido pela empresa Collins, desde Santo Antônio até a cachoeira do Caldeirão do Inferno, na extensão de cerca de 106 kilometros, e correu uma linha entre Santo Antônio, de rio abaixo, e Ponto Velho, cerca de 6 kilometros, sendo este ultimo ponto julgado preferível para a estação inicial por apresentar melhores condições de porto".[6]

            Na verdade, quem primeiro teve a idéia de iniciar a ferrovia no antigo Ponto Militar, foi o engenheiro Carlos Morsing, mandando inclusive proceder ao levantamento topográfico do trecho e a medição de calado do rio, em frente ao Ponto Velho.  
            A comissão Morsing / Pinkas, na realidade fez um estudo técnico para que o governo tivesse uma idéia dos custos do possível empreendimento.
 
            "Os trabalhos feitos por essa comissão não são definitivos, e nem como tal foram apresentados; mas apenas estudos preliminares oferecendo elementos para o cálculo aproximado do custo da estrada e base suficiente para a deliberação que o governo tivesse de tomar sobre a execução da obra". [7]
 
            Essas são as únicas referências do relatório de Matoso com relação ao Ponto Velho e, Joaquim Catramby decidiu iniciar a ferrovia nesse local pelo fato de o edital de licitação no seu artigo 3º, determinar que:
 
            "A diretriz geral da estrada de ferro será indicada nos trabalhos das comissões dos engenheiros Morsing e Pinkas, constantes dos relatórios apresentados por este último em data de 20 de junho de 1885." [8]
 
            A razão pela qual o edital de licitação não levou em conta o tratado de Petrópolis com relação ao início da ferrovia, é assunto para mais pesquisas.
            Como está claro, Ernesto Matoso, em nenhum momento fala em "prego de prata" ou "4 de julho de 1907," como afirmam alguns defensores dessa teoria sem nenhum respaldo histórico.
 
            Vale citar, ainda, Emanuel Pontes Pinto em " Rondônia Evolução Histórica", página 91, quando cita que::
 
            "Os engenheiros da empresa construtora americana constatam, ao chegar a Santo Antônio do rio Madeira, a inviabilidade de começar ali a ferrovia devido às precárias condições de acesso fluvial ao porto improvisado para embarque de equipamentos pesados. Resolveram, então, alterar o projeto e descer sete quilômetros, para iniciar a construção a partir de um porto velho mais acessível, situado em terras pertencentes ao estado do Amazonas.(88)  Em 4 de julho de 1907 houve a cerimônia oficial do começo da construção, com todos os engenheiros, auxiliares e trabalhadores reunidos, sendo, na ocasião, simbolicamente batido um prego de prata para firmar um trilho no primeiro dormente ali colocado (89)
 
            Registramos apenas que os números 88 e 89 que aparecem na transcrição, referem-se a informações colhidas nos livros de Marijesco de Alencar Benevides (Os novos Territórios Federais – Amapá, Rio Branco, Guaporé, Ponta-Porã e Iguaçu) e Hugo Ferreira em obra já citada e discutida e, segundo Emanuel, informação registrada na página 12.
            Resta-nos esclarecer que na página 12 da obra de Hugo Ferreira não há nenhum registro sobre "prego de prata" fala, isso sim, em 4 de julho referindo-se à locomotiva 12 da seguinte maneira:
 
            "Ali permaneceu ela até 1911, isto é, apenas 33 anos, em completo abandono, no campo, exposta às intempéries quando a Companhia, também Norte-Americana, construtora da atual Estrada e seus contratistas May, Jack & Randolph, resolveram trazer a sua carcassa às oficinas aqui em Porto Velho, onde foi completamente reconstruída e entregue ao Tráfego no dia 4 de julho de 1912, havendo custado êsse serviço a importância de 55.753,60 cruzeiros. Tem ela portanto, cerca de 80 anos de existência". Sic.  
 
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            No dia 24 de outubro de 1907 foi publicado nos Estados Unidos, no periódico "Engieneering News" um artigo escrito por Ernest H. Liebel que acompanhou o primeiro grupo de trabalhadores da construtora, traduzido do inglês por Manoel Rodrigues Ferreira.
            Liebel começa descrevendo a viagem iniciada na tarde de 6 de maio de 1907, quando deixaram o porto de Nova York, no navio Granjense, com destino a Santo Antônio do Madeira.
            Fala das dificuldades surgidas na alfândega de Belém para conseguir isenção de impostos das mercadorias e materiais que traziam, da contratação de trabalhadores e capatazes e da partida ocorrida pós 19 dias de atraso, no motor Javari, fretado para transportar os 140 integrantes da primeira turma de engenheiros e trabalhadores com destino a Santo Antônio do Madeira.
  
            "... e as coisas caminhavam muito vagarosamente, quando ele (o superintendente), descobriu que 40 trabalhadores tinham dado o fora em Manaus. (...) Imediatamente após a chegada a Santo Antônio, pouco mais de 20 homens deixaram o grupo da companhia e encontraram emprego mais remunerado em transportar e carregar canoas no rio, enquanto os 40 trabalhadores restantes foram apressadamente divididos por diversas clareiras e acampamentos..."
            "...Até o dia 1º de julho de 1907 havia somente 28 homens — não suficientes para levantar a linha preliminar da planta dos 10 primeiros km, que a companhia estava na obrigação de locar, e submeter os projetos ao fiscal do governo brasileiro dentro de um mês a partir daquela data." [9]
 
            A certa altura Liebel nos passa uma informação importante que deve ser observada para melhor entendimento dessa discussão, confirmando a chegada do grupo em Santo Antônio no dia 21 de junho de 1907.
                       
                        "Os trabalhos de engenharia tinham sido iniciados e a primeira estaca     batida três dias após a chegada, no dia 23 de junho". [10]
 
            Liebel prossegue relatando a escassez de alimentos, as dificuldades com a falta de acomodação adequada, o calor insuportável, os insetos, as noites frias e úmidas, o mau cheiro das latrinas improvisadas e as barracas de lonas, sem paredes, que não impediam a entrada da água da chuva, molhando o chão onde o pessoal dormia sem cama e sem conforto, levando os engenheiros e técnicos americanos à seguinte situação:
 
                        "Finalmente, no dia 28 de junho, um protesto geral foi feito contra as         intoleráveis condições e as perigosas negligências quanto à situação sanitária,           juntamente com uma exigência de que o trabalho na floresta seria suspenso de          uma vez até que os necessários arranjos para que, no mínimo, os aposentos pudessem ser secos e limpos, sendo o protesto e as exigências submetidos ao       engenheiro-chefe no seu escritório da vila de Santo Antônio. A petição     enumerando um total de onze requisitos diferentes, foi verbalmente aceita, e os          trabalhos de engenharia foram parcialmente continuados sob urgente exigência         do chefe." [11]
 
            Não há dúvidas de que o pessoal da construtora desembarcou e se estabeleceu em Santo Antônio em 21 de junho de 1907, fez o levantamento dos materiais deixados pela P. T. Collins, inclusive agendaram a recuperação da locomotiva 12 (Cel. Church). Daí a afirmação acima de que foram "as exigências submetidas ao engenheiro-chefe no seu escritório na vila de Santo Antônio".
           
            A nossa pesquisa esclareceu, portanto, que até "o dia 1º de julho de 1907 havia somente 28 homens — não suficientes para levantar a linha preliminar da planta dos 10 primeiros km..." (entre Santo Antônio e Guajará-Mirim),que o pessoal enfrentava dificuldades na frente de trabalho, que a "primeira estaca", gesto que caracterizou o início das obras, foi cravada no dia 23 de junho, após o desembarque do pessoal e, portanto, em Santo Antônio.
            Não existe até então nenhum relato sobre Porto Velho ou o dia 4 de julho, pois, por tudo que foi apresentado, chega-se à conclusão lógica de que era impossível em 14 dias (entre 21 de junho e 4 de julho) ou 11 dias após o assentamento da primeira estaca, com apenas 28 homens trabalhando, retirar dormentes na mata, fazer o levantamento e a medição do trecho entre Santo Antônio e Porto Velho para estabelecer o local exato onde a ferrovia teria o seu início e fosse pregado o lendário prego de prata.
            Havia pressa na alocação dos 10 primeiros km a partir de Santo Antônio e, para que a ferrovia começasse 7 km antes do local contratado, foi preciso superar vários entraves contratuais, burocráticos e cláusulas de um tratado internacional, como veremos a seguir.
            Resta lembrar que essas explicações estão estribadas em publicações feitas por pessoas que vieram para Santo Antônio e viveram esse momento histórico, com a responsabilidade de relatar e publicar os acontecimentos em jornais americanos.
 
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            Com relação às dificuldades encontradas tomemos por base o dia 12 de maio de 1905, quando o Ministério da Viação e Obras Públicas fez publicar o edital de concorrência para construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e dois engenheiros empreiteiros do Rio de Janeiro participaram da concorrência: Joaquim Catramby e Raimundo Pereira da Silva.
            A concorrência foi vencida por Joaquim Catramby e a assinatura do contrato para iniciar a construção da ferrovia foi autorizado pelo Decreto nº 6103 de 7 de agosto de 1906.
            A partir daí já tomamos conhecimento das dificuldades enfrentadas pelos construtores para chegarmos à conclusão lógica e documental de que não foi possível a ferrovia ter o seu início em Porto Velho, a partir de 4 de julho de 1907.
           
            E quando isso aconteceu é o que veremos a seguir.
 
            No ano de 1941, através do nº 71 da revista do Clube de Engenharia, edição janeiro/fevereiro daquele ano, publicou um longo artigo assinado por Joaquim Catramby intitulado "A E. F. Madeira-Mamoré", com o seguinte subtítulo: "Mudança do ponto inicial para Porto Velho — os trabalhos da empresa — A isenção de direitos para o material importado — o arrendamento, a despesa e a renda da estrada."
            Catramby inicia o seu artigo da seguinte maneira:
 
                        "Ao principiar os trabalhos de construção da Estrada de Ferro Madeira-    Mamoré, o meu primeiro cuidado, foi como bem se compreende, proceder a um     estudo detalhado do trecho das cachoeiras do rio Madeira, ao longo do qual a             estrada devia ter o seu percurso." [12]
 
            A partir daí, Catramby faz um longo comentário da necessidade que tinha de possuir uma planta do rio Madeira, e da sua procura infrutífera nas repartições civis e departamentos do Ministério da Marinha. O problema só foi resolvido com a ajuda do Dr. Joaquim Nabuco, Embaixador do Brasil em Washington que lhe mandou uma cópia detalhada de todo o percurso do rio Madeira, feita em 1878, propriedade do "Departement of the Navy-Bureau of Equipment.
           
            Somente então continua Catramby:
 
                        "De posse desse documento valioso, dei início em 1907, aos estudos que          necessitava fazer e, tanto pelo conhecimento que tinha da região, como pelas indicações contidas na carta do Madeira, verifiquei que o barranco de Porto      Velho, a algumas milhas abaixo de Santo Antônio, prestava-se melhor, pelas             suas condições naturais e hidrográficas, a ser o ponto inicial da ferrovia" [13]
           
            Essa declaração, por si só, se consideramos a dificuldade de transporte da época (via marítima), dá uma idéia do tempo perdido na espera desse documento e reforça a convicção de que 4 de julho de 1907 não é a data do início da cidade Porto Velho.
            Assim, mesmo de posse desse documento, os problemas de Joaquim Catrambi não haviam terminados, após decidir-se por começar a ferrovia em Porto Velho, segundo ele, surgiu um outro problema que parecia intransponível relacionado com o Tratado de Petrópolis que determinava o ponto inicial da ferrovia em Santo Antônio.
            Catramby após entrar em entendimento com o Dr. Miguel Calmon, ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, expondo as vantagens de mudar o ponto de partida da ferrovia, assim ele descreve o resultado:
 
                        "Manifestando-se de acordo com essa idéia, o ministro aprovou, pelo       aviso nº 2, de 16 de janeiro de 1908, a preferência dada a essa localidade para        início das obras da ferrovia".  [14]
 
            Adiante Catramby declara que:
 
            "...Tendo o ministro expedido o aviso nº 6597, de 9 de agosto de 1907, pelo qual concedeu livre entrada no país do material necessário para a construção da estrada e profilaxia do respectivo pessoal." [15]
 
            Acreditamos que não resta dúvidas, de que somente a partir de 16 de janeiro de 1908, efetivamente, o ponto inicial da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré passou a existir com a transferência do canteiro de obras para Porto Velho.
           
            Resta provar que somente a partir de 1908, teve início a cidade de Porto Velho. É o que faremos analisando as publicações a seguir:
 
                        "Entretanto, de comum acordo entre o Governo brasileiro e a Madeira-     Mamoré Railway, ficou estabelecido que o ponto inicial da ferrovia seria o local          denominado Porto Velho, conforme sugerira em 1883 o engenheiro Carlos Morsing (...) E ali, começou a Companhia a derrubar a mata, a fim de construir a     estação inicial, um cais, as oficinas da ferrovia, casas do pessoal graduado etc.             Começava, pois, a surgir uma cidade, no ponto inicial da estrada de ferro." [16]
 
            No caso, "o de comum acordo" só aconteceu após a autorização do Ministério através do aviso citado de 1908.
  
            H. F. Dose, um dos engenheiros-chefes, em relatório publicado no Diário Oficial da União de 14 de março de 1912, suplemento pág. 11, fala sobre os primeiros trabalhadores estrangeiros contratados para a construção da Madeira-Mamoré, declara a certa altura:
 
                        "Em janeiro de 1908, logo que ficaram terminados os primeiros trabalhos           de locação e roçada, foram embarcados no vapor Amanda em Santiago de     Cuba, com destino a Porto Velho, 350 homens entre contramestres, ferreiros,             cozinheiros e capatazes." [17]
 
            Em "Del Amazonas al Infinito", Benigno Cortizo Bouzas confirma, também, o início das atividades da ferrovia em Porto Velho, no ano de 1908.
 
                                    "Em abril de 1908, com 14 anos, embarquei no porto de Vigo com            rumo ao alto amazonas". [18]
 
            E em páginas seguintes depois de descrever as paisagens que vislumbrou nos rios amazônicos, fala da sua chegada a Santo Antônio.
 
                        "Ali o rio Madeira apresenta a sua primeira cachoeira intransponível à      navegação. A Bolívia tinha ali um escritório aduaneiro e os trabalhos da ferrovia Madeira-Mamoré se estavam iniciando com base em Porto Velho, pouco mais abaixo, uns 12 km. O local onde hoje se ergue a cidade de Porto Velho, capital           do Território Federal do Guaporé, estava à época sofrendo os primeiros  trabalhos de derrubada da mata virgem." [19]
 
            Finalizando, chegamos à conclusão, de que tanto a afirmação de Hugo Ferreira como a carta de Antônio Borges, não têm fundamentação histórica e não comprovam a "lenda do prego de prata".
 
            Que a única inauguração ocorrida em 4 de julho foi a de 3 km de linha, feita pela P. T. Collins em 1878.
           
            A cidade de Porto Velho não teria sido iniciada em 4 de julho de 1907, pelas seguintes razões:
            Porque 14 dias (entre a chegada dos americanos em 21 de junho e 4 de julho) foram insuficientes, para com somente 28 trabalhadores fazer o levantamento dos 10 primeiros quilômetros. Lembrando que a primeira estaca foi batida em Santo Antônio em 21 de junho, onde, efetivamente a ferrovia começou.
            Porque a isenção de impostos atrasou a chegada do material e ferramentas para iniciar a ferrovia, inclusive medicamentos, liberado somente em 9 de agosto de 1907, através do aviso 6597.
            Porque houve demora na aquisição do mapa do rio Madeira, imprescindível para o estudo das cachoeiras e corredeiras do rio Madeira, no trajeto da ferrovia;
            Porque somente depois desse levantamento, Catramby chegou à conclusão de que o porto de Porto Velho era o melhor local para começar a ferrovia;
           
            Quando teve início a ferrovia?
            Em 21 de junho de 1907, m Santo Antônio do Madeira.
 
            Quando teve início a cidade de Porto Velho?
            A partir do aviso nº 2 de 16 de janeiro de 1908, porque:
 
            Somente em janeiro de 1908, foram feitos os primeiros serviços de locação e roçada.
            Somente em janeiro foram contratados em Cuba os primeiros 350 trabalhadores especializados, como: contramestres, ferreiros, cozinheiros e capatazes.
            Porque os depoimentos de escritores da época confirmam o início dos primeiros trabalhos a partir de janeiro de 1908.
 
            Vale lembrar que esses absurdos com relação a nossa história, não são cometidos, somente, por uma safra atual de "historiadores"; em 1963, Octaviano Cabral em "História de uma Região" nos deixou como legado a seguinte preciosidade:
 
            "De acordo com os conselhos de Osvaldo Cruz, na verdade por deferência ao Brasil contratado para ir ao Madeira opinar sobre saneamento, a empreiteira devia instalar-se no chamado Porto Velho, a poucos quilômetros abaixo de Santo Antônio." [20]
 
            Se consultarmos a bibliografia do livro em questão, verificaremos que o autor não teve acesso ao relatório de Oswaldo Cruz, caso contrário saberia que quando o ilustre sanitarista esteve na região, Porto Velho já existia como um povoado que apresentava um progresso que deixava boquiaberto os visitantes.
            A sabedoria popular nos diz que quando encerramos com êxito uma empreitada, seja ela qual for, "fechamos com chave de ouro". No entanto, ninguém começa nada com "chave de prata", exatamente, por causa da incerteza do sucesso.
 
 
 
BIBLIOGRAFIA:
 
Benigno Cortizo Bouzas-Del Amazonas al Infinito.
Ernesto Matoso Maia Forte. Impressões de Viagem - Itinerários e Trabalhos da Comissão de Estudos da Estrada de Ferro Madeira – Mamoré.
Hugo Ferreira. Reminiscências da Madmarly e outras mais.
Manoel Rodrigues Ferreira. A Ferrovia do Diabo.
Neville B. Craig – Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Octaviano Cabral – História de uma Região – Mato Grosso, Fronteira Brasil-Bolívia e Rondônia.
Oswaldo Gonçalves Cruz. Considerações Geraes sobre as Condições Sanitárias do Rio Madeira.
 
 
(Antônio Cândido da Silva) Escritor, pesquisador e professor em Letras pela UNIR
 
OBS. Matéria extraída do livro "Enganos da Nossa História – Vol 2"


[1] Neville B. Craig – Estrada de Ferro Madeira-Mamoré pgs. 283/284
[2] Manoel Rodrigues Ferreira. A Ferrovia do Diabo. pg.292
[3] Hugo Ferreira. Reminiscências da Madmarly e outras mais. Pg. 9
[4] Dr.Oswaldo Gonçalves Cruz. Considerações Geraes sobre as Condições Sanitárias do Rio Madeira. Pág.58
[5] Ernesto Matoso Maia Forte. Impressões de Viagem - Itinerários e Trabalhos da Comissão de Estudos da Estrada de Ferro Madeira – Mamoré. Pág.177
[6] Ernesto Matoso Maia Forte, idem, idem. Pág; 192
[7] Idem, idem, pág. 192
[8] Manoel Rodrigues Ferreira. Idem, idem. Pág. 191
[9] Manoel Rodrigues Ferreira, idem, idem, pg. 198
[10] Idem,idem, pág.199
[11] Manoel Rodrigues Ferreira. Idem, idem. Pág. 199
[12] Vide anexo. Pág. 30 (Refere-se a publicação assinada por Joaquim Catramby)
[13] Vide anexo. (idem)
[14] Vide anexo. (idem, idem)
[15] Vide anexo. (idem, idem)
[16] Manoel Rodrigues Ferreira. Oc. Pág.202
[17] Manoel Rodrigues Ferreira. Oc. Pág.210
[18] Benigno Cortizo Bouzas-Del Amazonas al Infinito. Pág.24
[19] Idem, idem, Oc. Pág.31
[20] Octaviano Cabral – História de uma Região - Mato Grosso, Fronteira Brasil-Bolívia e Rondônia. Pág. 216.

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