Terça-feira, 19 de março de 2019 - 12h06
O assassino da professora
Joselita Félix da Silva, Ueliton Aparecido da Silva, foi preso em flagrante na
manhã de sábado, dia 16, na Avenida Amazonas, por alunos policiais militares,
depois de tê-la ameaçado e agredido.
Na Central de
Flagrantes voltou a fazer ameaças de morte contra Joselita, o que consta no
Boletim de Ocorrência, assim como nas agressões ocorridas na sexta-feira, dia 15.
“Não bastasse, a vítima também relatou que as lesões que ela ainda ostenta
foram praticadas ontem, após outra discussão, tendo o conduzido a agredido com
socos e batido a cabeça dela contra o painel de um carro. Questionada a
respeito das lesões que o conduzido apresenta, ela afirmou que elas aconteceram
ontem, quando ele estava muito exaltado e ela tentava se defender”, registra a
ocorrência.
O delegado
Pedro Henrique Palharini Bastos explicou que a professora manifestou intenção de representar contra
o ex-marido. Mesmo assim ele só poderia realizar o flagrante pelos crimes
cometidos no sábado. E, segundo ele, como
manda a Lei, estipulou a fiança de R$ 4 mil, que foi paga pelo agressor, que,
em seguida, foi liberado. O delegado ainda determinou que o caso fosse enviado
à Delegacia da Mulher para apuração das outras agressões. Não deu tempo. Antes
que os documentos, com pedido de providências, saíssem da Central de Flagrantes,
Ueliton assassinou Joselita com pauladas na cabeça e ainda desferiu outras contra
o pai da professora que está em estado grave.
A fiança pode ser arbitrada
pelo delegado de polícia nos crimes que envolvam violência doméstica e familiar
contra a mulher?
por
João
Biffe Júnior (*)
Embora
a Lei Federal n. 11.340/2006[2] tenha ampliado a proteção da mulher contra a violência
de gênero, praticada no âmbito doméstico e familiar, tem-se que o cotidiano
forense nos apresenta situações inusitadas, onde vislumbramos claramente o
desrespeito aos direitos mais básicos das mulheres.
Recentemente
fui surpreendido nos corredores do fórum, quando encerrava o expediente
forense, por uma mulher que trazia em seus braços uma criança de tenra idade
(três meses) e em seu corpo as marcas da brutalidade que lhe foi imposta. Os
hematomas e eritemas no rosto, ombro, braços e nas costas, já permitiram um
ligeiro vislumbre do ocorrido.
Após
o atendimento realizado, constatei que aquela senhora fora vítima de reiteradas
agressões perpetradas por seu companheiro, com o qual possuía três filhos em
comum e em nome dos quais suportou por longos anos os suplícios que lhe eram
covardemente impingidos.
Num
breve resumo do ocorrido, tem-se que na noite anterior, novamente impelido pelo
álcool, seu companheiro a agrediu fisicamente, ocasionando diversas lesões.
Inconformada com a situação lamentável a que era subjugada, decidiu por um fim
ao ciclo de violência, acionando, pela primeira vez, a polícia militar.
Conduzidos
a Delegacia de Polícia foi lavrado o flagrante e arbitrada fiança para o
agressor, que se viu em liberdade imediatamente após o recolhimento do valor em
cartório. Agravando ainda mais a situação de vulnerabilidade dessa pobre
mulher, o autuado retornou a casa e, chegando antes da vítima, impediu sua
entrada, deixando-a em via pública, apenas com a roupa que trajava e na
companhia de seu novo rebento.
Chegando
o fato ao conhecimento do Ministério Público, foram tomadas as providências
legais pertinentes, sendo o agressor afastado do lar conjugal, assegurando
assim à vítima o mínimo respeito aos direitos previstos na lei federal
11.340/2016.
A
par dos infindáveis equívocos neste caso, cabe indagar se agiu bem a autoridade
policial ao arbitrar fiança ao autuado.
Com
a reforma empreendida pela Lei n. 12.403/2011 a autoridade policial passou a
ter a possibilidade de arbitrar fiança nos casos de infração cuja pena
privativa de liberdade não seja superior a quatro anos, nos termos do art. 322
do Código de Processo Penal. Nas infrações penais com pena superior a este
montante, caberá ao juiz decidir no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. Ocorre
que na grande maioria dos delitos perpetrados em desfavor das mulheres no
ambiente doméstico e familiar, a pena não ultrapassa o patamar de quatro anos.
É o que se constata, por exemplo, dos preceitos secundários dos crimes de
ameaça (art. 147 do CP: Pena – detenção de um a seis meses ou multa), injúria
(art. 140 do CP: Pena – detenção de um a seis meses ou multa) e lesão corporal
(art. 129, § 9º, do CP: Pena – detenção de três meses a três anos).
Nesse
contexto, indaga-se: Estaria o Delegado obrigado a conceder fiança nessas
hipóteses?
A
resposta negativa impõe-se.
Consoante
o disposto no art. 324 do CPP, não será concedida fiança quando estiverem
presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art.
312).
Como
é cediço, uma das hipóteses que autoriza a decretação da custódia cautelar é
justamente o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher,
criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a
execução das medidas protetivas de urgência.
Dessa
forma, poderá a autoridade policial denegar a fiança fundamentando seu
posicionamento, nos termos do art. 324, inciso IV, c.c. art. 313, inciso III,
c.c. art. 312, todos do CPP, devendo demonstrar a presença de um dos
fundamentos para decretação da custódia cautelar.
Quanto
a isso, não há maiores problemas. A situação inversa, no entanto, não é
pacífica.
Enfrentando
a situação acima exposta, poderia o delegado de polícia ter arbitrado fiança ao
autuado?
Parcela
da doutrina sustenta que não é possível a autoridade policial arbitrar fiança
nos casos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher, pois
essa hipótese permitiria a decretação da prisão preventiva (art. 313, inciso
III, do CPP), sendo vedada a concessão de fiança (art. 324, inciso IV, do CPP).
Neste
sentido, a Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher (COPEVID), criada pelo Grupo Nacional de Direitos Humanos
(GNDH) do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), visando contribuir
para a padronização dos entendimentos sobre a violência doméstica contra as
mulheres, editou o Enunciado n. 06 tratando justamente da impossibilidade de
fiança, nos seguintes termos:
Impossibilidade
de fiança
Enunciado
nº 06 (006/2011):
Nos
casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente,
idosa, enfermo ou pessoa com deficiência, é vedada a concessão de fiança pela
Autoridade Policial, considerando tratar-se de situação que autoriza a
decretação da prisão preventiva nos termos do artigo 313, III, CPP. (Aprovado
na Plenária da IV Reunião Ordinária do GNDH de 07/12/2011 e pelo Colegiado do
CNPG de 19/01/2012).
O
Promotor de Justiça Fausto Rodrigues De Lima, ao tratar do tema, reputou que a
concessão da fiança pela autoridade policial nos casos de violência doméstica
contra a mulher, representaria uma usurpação da função jurisdicional, conforme
transcrito abaixo:
“É
vedado ao delegado conceder fiança, de modo que a liberdade provisória voltou a
ser matéria privativa da alçada judicial, sem exceções, pelo menos no que se
refere à violência doméstica.
De
fato, a nova norma estabeleceu a possibilidade de prisão preventiva para todos
os crimes cometidos em violência doméstica, inclusive aos apenados com
detenção, ao acrescentar o seguinte dispositivo ao art. 313 do CPP: IV – se o
crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da
lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
E,
de forma redundante e eloquente, determinou que a prisão preventiva pode ser
decretada ou revogada, pelo juiz, quantas vezes forem necessárias, atentando-se
para as razões justificadores (art. 20).
(…)
Com
efeito, todos os crimes punidos com detenção agora estão sujeitos à prisão
preventiva, nos termos do aludido art. 313, inc. IV, CPP. Mesmo que os acusados
não sejam “vadios” ou já “condenados por crime doloso”, podem ser presos por
ordem judicial. Logo, não será concedida a fiança se presentes os requisitos da
prisão preventiva (art. 324, IV, CPP), apreciação que deve ser feita pelo juiz,
nos termos do aludido art. 311, do CPP. Na ausência desses requisitos, somente
o magistrado deve soltar o acusado, independentemente da fixação de fiança, nos
termos do art. 310, parágrafo único, do CPP.
Portanto,
o legislador devolveu ao juiz o poder exclusivo de decidir sobre a manutenção
da prisão na violência doméstica. A nova Lei repudiou tanto o sistema de 1977,
que permitia à polícia arbitrar fiança, quanto o de 1995 (JECrim), que garantia
a liberdade com o simples compromisso de comparecimento. Ambos não se
preocupavam com a integridade das vítimas, até porque alijavam o juiz do poder
cautelar de decidir se a soltura era conveniente ou temerária” (De Lima, 2014).
No
mesma direção, posiciona-se o promotor Jorge Romcy Auad Filho, em artigo
anterior a reforma promovida pela Lei 12.403/2011, mas cuja fundamentação ainda
se mantém:
“Permitir
o arbitramento de fiança pela autoridade policial, no caso em que é possível a
decretação de prisão preventiva, além de causar desvirtuamento do ordenamento
jurídico, ainda acarretará perplexidade em posicionamentos contraditórios, bem
como usurpação da função jurisdicional do juiz”.
“Nos
casos previstos na Lei nº 11.340/2006, a concessão de liberdade provisória é
competência exclusiva da autoridade judiciária, não cabendo o arbitramento de
fiança pelo Delegado de Polícia, diante da necessidade do juiz averiguar
previamente a possibilidade ou não de manutenção da prisão provisória
Ao
eventualmente deferir a liberdade provisória aos infratores que praticam crimes
de violência doméstica, deverão os juízes, analisando o caso concreto,
condicionar a soltura daqueles ao cumprimento de medidas que efetivamente
protejam a vítima e os demais familiares” (AUAD, 2007).
Saliente-se
que embora o art. 313, inciso III, do CPP estabeleça dentre as hipóteses de
admissibilidade da prisão preventiva os casos que “o crime envolver violência
doméstica e familiar contra a mulher (…) para garantir a execução das medidas
protetivas de urgência”, sua interpretação deverá ser feita à luz dos
fundamentos estabelecidos pelo art. 312 do mesmo diploma, ou seja, a decretação
da custódia cautelar somente será possível se ficar demonstrada a presença da
garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e garantia de
aplicação da lei penal.
“A
nosso ver, o inciso III deve ser lido em conjunto com o teor do caput do art. 3
1 3 do CPP, que expressamente faz menção aos termos do art. 312 do Código. Ora,
se o caput do art. 313 faz menção aos termos do art. 3 1 2 do CPP, significa
dizer que, mesmo nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher,
criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, a decretação da
prisão preventiva também está condicionada à demonstração da necessidade da
imposição da custódia para garantia da ordem pública, por conveniência da
instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal” (LIMA, 2015, p.
951).
Diante
disso, não será o mero fato do crime ser praticado no âmbito doméstico e
familiar contra a mulher que representará óbice para concessão da fiança pela
autoridade policial, uma vez que o inciso IV do art. 324 do diploma processual
estabelece que não será concedida fiança quando presentes os motivos que
autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).
Neste
sentido, encontra-se o ensinamento lapidar de Renato Brasileiro de Lima que, ao
sustentar a possibilidade de concessão de fiança pela autoridade policial,
leciona:
“Se
o art. 322 do CPP dispõe que a autoridade policial poderá conceder fiança às infrações
penais cuja pena máxima não seja superior a 4 (quatro) anos, não se pode
estabelecer qualquer outro requisito para a concessão do referido benefício,
sob pena de indevida violação ao princípio da legalidade. De mais a mais, o
simples fato de um crime estar sujeito à decretação da prisão preventiva não é
óbice à concessão da fiança pela autoridade policial. O art. 324, IV, do CPP,
proíbe a concessão da fiança apenas quando presentes os motivos que autorizam a
preventiva, leia-se, garantia da ordem pública, da ordem econômica,
conveniência da instrução criminal ou garantia de aplicação da lei penal –
perceba-se que o próprio dispositivo faz referência ao art. 3 1 2 do CPP -, sem
estabelecer qualquer relação com as hipóteses de admissibilidade da prisão
preventiva previstas nos incisos do art. 313 do CPP. Logo, a autoridade
policial não poderá negar a concessão de fiança sob o simples argumento de que
o crime fora praticado no contexto de violência doméstica e familiar (CPP, art.
3 1 3 , III). Para além disso, também deverá demonstrar que teria havido o
descumprimento de anterior medida protetiva de urgência imposta pelo juiz e que
a permanência do agressor em liberdade poderia, por exemplo, colocar em risco a
garantia da ordem pública, haja vista a possibilidade de reiteração delitiva
(CPP, art. 312)” (LIMA, 2015, p. 951).
O
juiz Augusto Yuzo Jouti, em artigo específico sobre o tema, defende a
possibilidade da fiança ser arbitrada pela autoridade policial nos casos de
violência doméstica e familiar contra a mulher, sustentando que a aparente
inconveniência da concessão de fiança policial, com decretação posterior da
prisão preventiva pelo magistrado, não poderá ser suportada pelo investigado.
Devendo o delegado, no caso de arbitramento de fiança, garantir proteção
policial à vítima (art. 11 da Lei 11.340/2006).
“Uma
vez concedida a fiança pelo delegado de polícia, incumbe a ele garantir
proteção policial, conforme art. 11 da Lei Maria da Penha. E nada impede que o
Juiz de Direito – única autoridade competente decrete a prisão preventiva,
desde que a autoridade policial ou o Ministério Público apresentem elementos
concretos que indiquem seu cabimento e necessidade, nos termos dos artigos 312
e 313 do Código de Processo Penal. A aparente inconveniência de liberar o preso
por fiança e posteriormente prendê-lo preventivamente não é expressão da lei
nem pode ser suportada exclusivamente pelo investigado.
O
Código de Processo Penal não veda expressamente a concessão de fiança pela
autoridade policial, tanto que há o Projeto de Lei n. 6.008/2013, para
alteração da Lei n. 11.340/2006, a fim de atribuir somente ao Juiz esse exame.
Enquanto não houver alteração legislativa, o artigo 322 do Código de Processo
Penal continua autorizando a fiança policial para crimes com pena máxima até
quatro anos, inclusive para os crimes envolvendo violência doméstica contra a
mulher” (JOUTI, 2015).
Com
a devida vênia, a solução apresentada para conciliar a fiança policial com a
necessária proteção à vítima, não convence. Em primeiro lugar, é despiciendo
expor a insuficiência de efetivo policial para garantir a proteção da vítima.
Em segundo lugar, não havendo nenhum provimento judicial que impeça o agressor
de retornar ao lar conjugal ou de se aproximar da vítima, como seria essa proteção
policial? Deverá um policial permanecer no interior da residência, juntamente
com agressor e vítima a fim de preservar sua integridade física? Ou deverá a
mulher ser novamente vitimada, desta vez sendo tirada do lar enquanto aguarda o
deferimento das medidas protetivas de urgência?
Inverte-se
a ordem lógica das coisas ao conferir liberdade ao agressor de forma prematura,
atribuindo ao Estado o dever de proteger a vítima contra qualquer ação deste,
antes do deferimento das medidas protetivas de urgência.
Diante
da gravidade do arbitramento da fiança no caso de violência de gênero, a
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), constituída para investigar
situações de violência contra a mulher no Brasil, apresentou o Projeto de Lei
n. 6.008/2013, em trâmite no Congresso Nacional, para alterar a Lei 11.340/2006
vedando, expressamente, a concessão de fiança pela autoridade policial nos
casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, visando o
aprimoramento do marco legal que permitirá ao Brasil manter-se na vanguarda do
arcabouço legislativo.
Saliente-se
ainda que a justificação apresentada pela Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito, sustenta que o “art. 324, IV, que proíbe a fixação de fiança quando
presentes os requisitos da prisão preventiva, já impede que a autoridade
policial arbitre fiança nos crimes e situações do art. 313 do CPP”, embora “o
sistema de Justiça tem desprezado esse comando para tolerar a liberdade
imediata dos agressores na própria delegacia, fato que tem causado a continuidade
da violência e até assassinatos de mulheres após o pagamento de fiança
arbitrada pela polícia”.
“Além
disso, acresce dispositivo ao CPP para proibir o arbitramento de fiança pela
autoridade policial nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher,
para garantir maior proteção para as vítimas no momento e logo após o conflito
delituoso.
É
fato que o art. 324, IV, que proíbe a fixação de fiança quando presentes os
requisitos da prisão preventiva, já impede que a autoridade policial arbitre
fiança nos crimes e situações do art. 313 do CPP (inclui violência doméstica no
inciso III), pois a análise dos requisitos da prisão preventiva é matéria de
alçada judicial. Nesses casos, é o juiz que deve avaliar o caso previamente,
como determina o art. 310 do CPP, podendo inclusive aplicar medidas protetivas
substitutivas da prisão previstas na Lei Maria da Penha. No entanto, o sistema
de Justiça tem desprezado esse comando para tolerar a liberdade imediata dos
agressores na própria delegacia, fato que tem causado a continuidade da
violência e até assassinatos de mulheres após o pagamento de fiança arbitrada
pela polícia. Assim, a CPMI sugere esta alteração para evitar interpretações
que retiram a segurança das vítimas e superprotegem os agressores”[3].
Realizando
uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico e considerando as
alterações normativas, que denotam a evolução da legislação processual, visando
sentido conferir maior proteção à mulher em situação de vulnerabilidade,
conclui-se que tornar o arbitramento da fiança pela autoridade policial uma
prática rotineira, contrapõe-se ao espírito que norteou a Lei n. 11.340/2006,
interpretando as alterações promovidas pelo referido diploma normativo em
detrimento de seu destinatário. Essa inversão hermenêutica afronta os
princípios da proibição da proteção estatal insuficiente e do não retrocesso,
relegando ao esquecimento a situação de vulnerabilidade da mulher vítima de
violência doméstica e familiar.
Dessarte,
caberá ao magistrado promover a análise do caso concreto para decidir se as
medidas protetivas previstas no art. 22 da Lei 11.340/2006, bem como eventuais
medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP, revelam-se
adequadas e suficientes para a proteção da vítima ou se a decretação da prisão
preventiva é a única medida que se revela apta a proteção da integridade física
e psicológica da mulher, impedindo a reiteração do ciclo da violência.
Caso
essas se revelarem inadequadas ou insuficientes, deverá o magistrado converter
a prisão em flagrante em preventiva, nos termos do art. 310, inciso II, do
diploma processual. Do contrário, concederá ao autuado a liberdade provisória
condicionada ao cumprimento dessas medidas diversas da prisão.
Ocorre
que até que o magistrado promova a análise das medidas protetivas de urgência
pleiteadas, estará presente, ao menos, em tese, um dos fundamentos da custódia
cautelar (garantia da ordem pública[4]), sendo indispensável a manutenção da
prisão para garantir a integridade física e psíquica da ofendida, até o
deferimento das medidas de urgência em seu benefício, intimando-se o agressor
de seu teor, em virtude do periculum libertatis.
Dessa
forma, havendo requerimento para deferimento de medidas protetivas de urgência,
a autoridade policial encontra-se impossibilitada de conceder ao autuado a
liberdade provisória mediante fiança, pois não poderá substituir-se a
autoridade judiciária e entender, por exemplo, que bastará impor ao agressor o
afastamento do lar conjugal e proibir-lhe de se aproximar da ofendida e de seus
familiares, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor,
sendo desnecessária a custódia cautelar.
Tal
atividade compete, única e exclusivamente, a autoridade judiciária.
Entendimento
contrário deixará a vítima em estado de absoluta vulnerabilidade, pois conceder
a liberdade ao agressor antes da apreciação do requerimento de medida protetiva
de urgência, permitirá que ele retorne ao lar conjugal, aproximando-se da
vítima e de seus familiares, situação que acentuará ainda mais o trauma sofrido
em virtude das agressões perpetradas, além de comprometer a eficácia de
eventuais medidas cautelares impostas pelo magistrado.
Neste
contexto, não se pode vedar de forma peremptória a possibilidade de concessão
de fiança pela autoridade policial, mas, essa deve se reservar a casos
excepcionais, onde as peculiaridades do caso concreto demonstrem a absoluta
desnecessidade da manutenção da segregação cautelar e a ausência de fundamentos
para decretação da prisão preventiva.
Os
casos mais rotineiros são as desavenças no âmbito doméstico, muitas vezes
regada ao álcool, onde a mulher imputa ao seu convivente a prática do crime de
ameaça, fato corroborado por testemunhas. Na delegacia de polícia presta
declarações e oferece representação quanto ao crime descrito no art. 147 do
Código Penal. Horas depois, afastada a exaltação momentânea que se seguiu a
discussão, retorna a unidade policial, conversa com seu companheiro reatando o
relacionamento e decide retratar-se da representação.
Imaginemos
que o flagrante ainda esteja sendo lavrado, sabemos que não poderá o Delegado
de Polícia acolher a retratação da vítima, uma vez que “nas ações penais
públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só
será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência
especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e
ouvido o Ministério Público”, nos termos do art. 16 da Lei 11.340/2006”.
Nesta
situação hipotética, não havendo requerimento de medida protetiva de urgência e
sendo apresentada retratação da representação, não haveria qualquer óbice para
a concessão da fiança ao autuado pela própria autoridade policial, pois a
liberdade daquele não representará nenhum risco, haja vista que não haverá nenhuma
medida protetiva de urgência para ser assegurada através da segregação
cautelar.
Após
essas considerações, apresentamos a seguinte solução quanto à concessão da
fiança pela autoridade policial nos crimes que envolvam violência doméstica e
familiar contra a mulher:
Em
regra, não deverá a autoridade policial conceder fiança nos casos de violência
doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idosa, enfermo ou
pessoa com deficiência, vez que caberá a autoridade judiciária promover a
análise do caso concreto para decidir se as medidas protetivas previstas no
art. 22 da Lei 11.340/2006, bem como eventuais medidas cautelares diversas da
prisão previstas no art. 319 do CPP, revelam-se adequadas e suficientes para a
proteção da vítima ou se a custódia cautelar é a única medida hábil a proteção
da ofendida, não podendo o delegado substituir o Juiz nessa avaliação.
Em
casos excepcionais, onde as peculiaridades do caso concreto demonstrem a
absoluta desnecessidade da manutenção da segregação cautelar (ausência de
fundamentos para decretação da prisão preventiva) e desde que não haja
requerimento da vítima visando à concessão de medidas protetivas de urgência,
poderá a autoridade policial arbitrar a fiança.
Por
fim, conclui-se que, no caso narrado no introito desse artículo, a autoridade
policial equivocou-se ao conceder a fiança ao autuado, vitimando ainda mais
àquela mulher já flagelada, física e moralmente, em virtude das lesões
sofridas, bem como a expondo a risco de vida ao conceder a liberdade provisória
mediante fiança, antes da apreciação pelo juiz das medidas protetivas de
urgência[5].
Referências
bibliográficas:
AUAD
FILHO, Jorge Romcy. A liberdade provisória na Lei Maria da Penha. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/10584/a-liberdade-provisoria-na-lei-maria-da-penha.
Acesso em 06/09/2016.
DE
LIMA, Fausto Rodrigues. Fiança policial e violência doméstica:
incompatibilidade após a lei. Disponível em:
http://www.conamp.org.br/pt/biblioteca/artigos/item/507-fianca-policial-e-violencia-domestica-incompatibilidade-apos-a-lei.html.
Acesso em 06/09/2016.
JOUTI,
Augusto Yuzo. Fiança policial na Lei Maria da Penha: possibilidade. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/39606.
LIMA,
Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: Juspodivm,
2015.
LIMA,
Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 3ª ed. Salvador :
Juspodivm, 2015.
NUCCI,
Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 11ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2014.
[2]
Em 22/09/2006 entrou em vigor a Lei n° 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da
Penha” em virtude da grave violência de que foi vítima Maria da Penha Maia
Fernandes. O caso subjacente ao advento da norma ocorreu em 29 de maio de 1983,
na cidade de Fortaleza, data em que a farmacêutica Maria da Penha, enquanto
dormia, foi atingida por disparo de espingarda desferido por seu marido. Por
força desse disparo, que a atingiu na coluna, a vítima ficou paraplégica.
Porém, o agressor prosseguiu com as agressões, tendo, uma semana depois, efetuado
uma descarga elétrica enquanto se banhava. O agressor foi denunciado em
28/09/1984, sendo preso apenas em setembro de 2002.Em virtude da lentidão do
processo o caso foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que
publicou o Relatório n° 54/2001, reconhecendo a ineficácia judicial do Brasil
de reagir de forma adequada ante a violência doméstica. Em reação, cinco anos
após a publicação do relatório, entrou em vigor a Lei n° 11.340/06.
[3]
Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C88E2ABA666AA8C47569978C209475B7.proposicoesWeb1?codteor=1111273&filename=PL+6008/2013
[4]
Como preconiza a melhor doutrina “entende-se garantia da ordem pública como
risco considerável de reiteração de ações delituosas por parte do acusado, caso
permaneça em liberdade, seja porque se trata de pessoa propensa à prática
delituosa, seja porque, se solto, teria os mesmos estímulos relacionados com o
delito cometido, inclusive pela possibilidade de voltar ao convívio com os parceiros
do crime” (LIMA, 2015, p.938).
[5]
Registre-se que no caso a mulher sequer foi cientificada das medidas protetivas
de urgência previstas no Lei 11.340/2006, descumprindo a autoridade policial o
disposto no art. 11 que preconiza: “No atendimento à mulher em situação de
violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras
providências: (…) V – informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta
Lei e os serviços disponíveis”.
(*)
É Promotor de Justiça no Estado de Goiás. Possui graduação em Direito pelo
Centro Universitário Eurípides de Marília e especialização em Direito Civil e
Processual Civil pela mesma Instituição de Ensino. Com experiência na docência
atuou como professor em cursos preparatórios para concursos públicos, professor
universitário e Coordenador Adjunto da Faculdade de Ciências Jurídicas e
Gerenciais (FAEG) de Garça/SP.
Fonte:
genjuridico.com.br.
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