Sexta-feira, 16 de outubro de 2009 - 11h56
Por Hugo Penteado*
O problema climático está sendo tratado com uma questão isolada por quase todas as mentes pensantes, exceto os cientistas sérios da Terra. Os problemas ambientais planetários, que são vastos e ameaçadores, e que não se resumem apenas no aquecimento global, derivam das nossas ações diárias, do nosso comportamento em relação à natureza e da rota de colisão que decidimos traçar contra a Terra, guerra da qual não sairemos vencedores. Ecossistemas extremamente interligados estão em vias de passar por uma transformação brusca e não linear, caso essas ações diárias ligadas ao nosso modelo de produção e consumo não sejam abolidas.
Houve duas grandes extinções naturais da vida na Terra, causadas por mudanças climáticas bruscas. Nunca houve, desde os 4,6 bilhões de anos da Terra, mudança tão rápida, como o aumento em apenas 200 anos da concentração dos gases do efeito estufa na nossa finíssima atmosfera. Nunca houve também uma extinção antropomórfica como a atual ou que tivesse sido causado por apenas uma espécie. O fato aterrador é que a humanidade está produzindo a terceira maior extinção já registrada. Todos falam do problema climático, mas mal comentam que já está em curso o maior processo de extinção em massa de espécies animais e vegetais dos últimos 65 milhões de anos. A questão não é mais se vai acontecer, mas como podemos impedir o agravamento dessa tragédia. A Índia parou de produzir arroz e açúcar, a Austrália leite, os eventos climáticos extremos aqui no Brasil são noticiados quase que diariamente; o pólo norte tinha uma calota polar do tamanho dos Estados Unidos por milhões de anos, que durante o verão se reduz a 15% e em 2014 irá desaparecer por completo. A sorte é que essa calota já flutua nos oceanos e não aumenta o nível da água, mas cria feedbacks positivos ao substitiur a reflexão por absorção do calor dos raios solares com a menor superfície branca. Os feedbacks positivos começam a se alavancar em cascata, ameaçando as tundras, onde há uma quantidade colossal de gás metano que é 20 vezes mais poderoso que o gás carbônico para o aquecimento global. A situação piora e ameaça enormemente grande parte da população quando continentes gelados derreterem, elevando o nível dos oceanos em vários metros. Cientistas russos mostram que a inundação das cidades litorâneas é muito maior que o aumento do nível dos oceanos, por conta do efeito da maré. É na verdade um múltiplo. Essas mudanças ocorrerão quando a resiliência da Terra for vencida e além de ser irreversível a partir desse ponto, a mudança é brusca e tornará a vida inviável quase que inteiramente. Os cientistas, como Martin Rees, já declaram que a probabilidade do homem terminar o século XXI é bem pequena.
Como economista ecológico estou cada vez mais convencido que a minha ciência – a Economia – é totalmente cega e autista. Para ser um economista de verdade teríamos que entender as atuais ciências planetárias, a física, até porque a Economia é uma irmã siamesa da física. Nicholas Georgescu-Roegen foi lamentavelmente ignorado, embora sem ele grande parte da teoria tradicional não existiria. Não devemos mais, por falta de coragem, manter um discurso apenas orientado aos negócios e atender os interesses dos grupos líderes, porque daqui em diante, nesse ritmo de colisão com o planeta, não temos mais nada a perder. E nesse futuro, não haverão vencedores, os homens mais poderosos do mundo, mesmo eles, pertencem à nossa espécie animal ameaçada e a regra planetária ignorada por quase todos é que todos os seres vivos dependem de todos os seres vivos. Não existe poder humano ou econômico que mude essa interdependência. Se os líderes da economia e das nações não entenderem ou perceberem que estamos discutindo novas idéias de negócios desse novo mito chamado economia verde numa mesa que está dentro do Titanic, realmente iremos perecer. A filosofia do “não posso abrir mão do lucro, mas posso abrir mão do planeta” não irá resolver o problema climático - e planetário, pois aquecimento global não é "o" problema, mas um deles.
No fundo não temos um problema climático, mas um problema moral. Se vamos mudar nossos valores e nossa consciência a ponto de motivar as lideranças a promover mudanças reais e não meramente paliativas é uma pergunta sem resposta. No entanto, para alguns é muito grave viver essa dúvida, porque tudo aquilo que consideramos grátis pela natureza – água, energia, clima e comida – está ameaçado, terrivelmente ameaçado e não pode mais ser considerado uma bênção. Se todos os animais e plantas desaparecessem da Terra, a água sumiria junto. Não há uma só variável no modelo dos economistas que contabilize a contribuição inigualável e irreproduzível da água, dos 20 serviços ecológicos que mantém toda a vida e nem dos recursos naturais tangíveis, como ferro e petróleo, onde nos modelos por uma série de mágicas estatísticas são considerados nos livros consagrados de macroeconomia totalmente irrelevantes para explicar o processo econômico. Os recursos naturais tangíveis (os únicos analisados pela teoria tradicional) são vistos como irrelevantes porque representam pouco do custo da produção. Desde quando a importância de algum item pode ser diretamente proporcional a seu custo? Temos que nos conformar que para alguns itens não é possível atribuir valor algum - e nem necessário. Essa idéia estapafúrdia deveria ser testada na prática e pedir que os Estados Unidos parem imediatamente de importar 75% do petróleo que consomem. Se afinal é irrelevante para o processo, porque correr tão esganiçadamente atrás desse recurso, que ainda por cima, causa o efeito estufa da Terra?
Os economistas continuam acreditando que a Terra é um subsistema da economia e que não há limites para o crescimento. Com isso não temos ainda uma mudança de paradigma e de discurso e o blablablá de sustentabilidade só faz lembrar um velho ditado francês: quanto mais as coisas mudam, mais elas continuam as mesmas. O Banco Mundial declara que a causa do problema ambiental é a pobreza e que é possível sim manter o crescimento econômico e ao mesmo tempo eliminar a pobreza e salvar o planeta. Não é o planeta que está ameaçado e sim nós. Essa ideologia nega, portanto, todas as descobertas científicas do maior e único consenso científico internacional atual. Essa comunidade já assinou vários alertas para a humanidade, mais de 1700 cientistas, mais de 100 prêmios Nobel. Ninguém fala do desperdício de tudo, da energia por exemplo, a busca de mais fontes de energia é desnecessária, já que desperdiçamos metade. E por aí vai.
Não dá mais para continuar assim. O renomado paleontólogo norte-americano Stephen Jay Gould teve uma pequena disputa com economistas norte-americanos, que sem sua autorização dispararam a seguinte convicção: “De acordo com Gould, toda vida na Terra está fadada à extinção, por isso se o sistema econômico causar alguma extinção, estamos prestando um favor à natureza.” Gould entrou no debate avisando que nunca tinha participado de algo tão estúpido, dizendo: “É verdade, toda vida na Terra está fadada à extinção, só 1% de toda vida que surgiu nesse planeta existe hoje. Mas isso ocorre em eras geológicas, de milhões de anos, e não em décadas e nem causada por uma única espécie. Milhões ou bilhões de anos é uma régua temporal que nosso cérebro que só vive décadas não é capaz de entender. É muita ingenuidade achar que essa extinção jamais irá voltar contra os causadores.” Ingenuidade brutal, porque comemos, vivemos e respiramos graças aos ecossistemas e aos seres vivos e não graças à nossa tecnologia, que é um mero adereço. Einstein escreveu que se as abelhas sumissem, os animais sumiriam e os homens tambem, em quatro anos.
As abelhas estão sumindo. No longo prazo todos estaremos mortos, mas como espécie animal seríamos praticamente imortais. Ao que tudo indica, não mais.
* Hugo Penteado é economista, autor do livro Ecoeconomia Uma nova Abordagem, Lazuli, 2008, 2ª.edição.
Fonte: Envolverde
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