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Meio Ambiente

Mercado, governo e produtores não se entendem em relação a legislação florestal



ISA  (Emvolverde)
 

Falta de dados precisos sobre a exata localização das áreas embargadas dentro das propriedades rurais prejudica produtores, inviabiliza a venda da soja cultivada em áreas não embargadas e coloca em questão as condições objetivas que tem o governo para controlar o desmatamento.

No início de abril de 2008, o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) divulgou o total de 1220 fazendas, em 86 municípios do Mato Grosso, que apresentam algum tipo de atividade ilegal contra o meio ambiente, em especial o desmatamento sem autorização na Amazônia. Inconformada com a lista, a Famato (Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso) pediu explicações ao órgão federal, que foi acusado de embargar propriedades sem fazer qualquer vistoria. Alguns dias depois, a lista divulgada pelo Ibama já apresentava menos da metade do número de áreas embargadas. No entanto, esse ajuste não foi suficiente para que os produtores deixem de criticar as medidas do governo contra o desmatamento, e cheguem mesmo a colocar em dúvida a eficácia deste importante instrumento de controle de crimes ambientais na Amazônia.

A relação do Ibama abrange embargos ocorridos desde janeiro de 2007. Cumpre exigência do Decreto nº 6.321, de 21 de dezembro de 2007.O decreto determina o recadastramento das propriedades e a divulgação dos embargos pelo Ibama, reforça a necessidade do embargo das áreas que mantém atividades ilegais, e ainda estende à cadeia produtiva a responsabilidade sobre o crime ambiental. Dessa forma, áreas embargadas não podem ser utilizadas até sua recuperação, e quem comprar produtos florestais ou agropecuários nelas produzidos será co-responsabilizado pelo crime ambiental. Responsabilizando assim toda a cadeia produtiva, o decreto criou um eficaz instrumento de combate ao desmatamento – caso todos cumpram a sua parte, incluído aí o poder público.

A Instrução Normativa 001, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), publicada em 29 de fevereiro de 2008, regulamentou os embargos e a fiscalização dos compradores de produtos agropecuários conforme o Decreto nº 6.321. Naquela ocasião, o MMA se comprometeu a disponibilizar na internet mapas dos municípios com as imagens, coordenadas geográficas, termo de autuação, nome do proprietário, data da vistoria e situação da propriedade. Com isso, as empresas do setor agropecuário teriam condições de selecionar seus fornecedores, evitando comprar produtos de áreas embargadas.

Desde abril do ano passado, qualquer pessoa pode acessar o site do Ibama e buscar essas informações. Entretanto as que mais interessam para o monitoramento não estão disponíveis: as coordenadas geográficas que apontam a exata localização da área que está embargada dentro de cada propriedade, o nome e número de matrícula das fazendas. Não dispondo das informações detalhadas, as empresas compradoras (as assim chamadas traders) são obrigadas a rejeitar todos os produtos vendidos pelos produtores que figuram na lista do Ibama, e não apenas o que está plantado em área efetivamente embargada, conforme indica a legislação. Também não se leva em conta que muitos produtores possuem mais de uma escritura, e isso pode ser usado para burlar a fiscalização dos órgãos ambientais e o próprio controle das traders sobre a procedência da produção.

Lista oficial muda diariamente e dificulta acompanhamento

As maiores traders que atuam no Mato Grosso, como Bunge, Cargill, ADM, AWB e Draeyfus, declaram que estão seguindo as determinações da lei, mas não ignoram o fato de serem incompletas e confusas as informações oficiais divulgadas sobre os embargos, que na maioria dos casos não disponibiliza sequer o número da matrícula dos imóveis rurais. Algumas empresas apontam que a lista do Ibama muda diariamente, o que dificulta o controle sobre as informações de novas áreas embargadas. A Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) enviou pedido formal ao MMA para que a atualização da lista seja feita a cada 30 dias. "É preciso melhorar o sistema. Está difícil acompanhar a atualização das listas divulgadas pelo governo e as informações ainda estão incompletas", afirma Fábio Trigueirinho, secretário geral da Abiove.

Com tantas dificuldades em se determinar a procedência exata da produção, torna-se recorrente na região a suspeita de que há duas alternativas para o destino da soja cultivada em propriedades que contém áreas embargadas: ou perde-se a produção ou ela é "esquentada" mediante a apresentação de documentos de outras áreas regularizadas. Este procedimento irregular acaba sendo empregado tanto para a soja ilegalmente produzida em áreas embargadas, como para a soja que, embora corretamente produzida em áreas regularizadas, acaba sendo injustamente criminalizada. A velocidade com que o Ibama processa suas informações também é questionada. No site é possível encontrar áreas no Mato Grosso classificadas como "em processamento" desde o ano passado.

Há dois anos, um produtor de soja de Canarana (MT), que prefere manter o anonimato, teve 60 hectares de área embargados em sua propriedade. Embora não plante soja nessa área, ele está impossibilitado de vender a produção de toda a propriedade. Para não perder a safra, arrenda áreas de outras fazendas e planta soja sem o risco de perder dinheiro. Conta que desde que sua fazenda foi embargada, ele nunca mais conseguiu regularizá-la, foi multado e está sem acesso a créditos bancários. "O Ibama desce de helicóptero aqui, multa e vai embora, deixando a gente com um baita problemão", desabafa.

"A efetivação do mecanismo de responsabilização compartilhada das cadeias produtivas estabelecida pela IN 001 de 2008 foi um marco na legislação. Porém, o governo federal, ao não cumprir com suas atribuições em relação à transparência e clareza sobre as áreas embargadas ao mesmo tempo em que penaliza produtores muitas vezes com critérios pouco claros e difíceis de serem compreendidos pelos produtores locais, gera o que é chamado de seleção adversa ambiental", afirma Rodrigo Junqueira, coordenador adjunto do Programa Xingu do ISA. "Estão perdendo uma rara oportunidade de sinalizar para toda a cadeia que todos os participantes devem partilhar os custos pela adequação socioambiental. A ineficiência de algum elo dessa cadeia desestimula os demais a cumprir com sua parte", avalia.

O representante do Ibama em Barra do Garças (MT), José Roberto Gondim, admite que no sistema de consulta on line não consta o polígono que determina os limites da área que foi desmatada irregularmente. "Sabemos que a falta dessa informação está provocando problemas para produtores e empresários, mas o Ibama está trabalhando para resolver isso", afirma Gondim. Esses dados deixarão mais claras as regras do jogo durante a comercialização dos produtos, mas não resolverão o problema, já que é difícil distinguir os produtos oriundos de áreas regularizadas daqueles com origem em áreas embargadas. Somente um trabalho de fiscalização intensivo e minucioso pode resolver a questão.


Fiscalização precária

Atualmente, para que se tenha certeza de que as empresas não estão comprando a soja e outros produtos agropecuários de áreas embargadas, o Ibama dispõe de um sistema precário de fiscalização. A vistoria é feita no campo – quando há denúncia - para verificar se os produtores estão respeitando o embargo. "Nosso efetivo de pessoal é pequeno e atuamos basicamente reagindo a denúncias. Contamos com a seriedade das empresas e as denúncias que recebemos", confirma o gerente do Ibama.

Embora apresente falhas que podem ser corrigidas, o sistema de consultas lançado pelo Ibama significa um avanço na tentativa de controlar o desmatamento. "É importante lembrar que esta é a primeira medida para punir quem está desmatando na Amazônia e ampliar ações de responsabilização por crimes ambientais", diz Mauro Pires, diretor do Departamento de Políticas para o Combate ao Desmatamento do Ibama. De acordo com ele, o órgão está fazendo o possível para melhorar o sistema de consultas on line, e as empresas que compram soja podem solicitar os dados georreferenciados das áreas embargadas caso a caso e que ainda não constam da listagem na internet.

George Porto Ferreira, coordenador geral de Zoneamento e Monitoramento Ambiental do Ibama, afirma que os dados completos das áreas embargadas estarão disponíveis no site no prazo máximo de um ano e meio. "Enquanto não automatizarmos todo o sistema, as empresas podem pedir as informações completas contidas no laudo de infração que é lavrado no momento do embargo", explica.

As novas medidas contra crimes ambientais também se estendem à cadeia produtiva da pecuária. Os frigoríficos estão impedidos de comprar gado criado em áreas embargadas. Daniel Bertin, proprietário do Frigorífico Bertin, que tem uma unidade no município de Água Boa, conta que desde o ano passado a empresa respeita as considerações do Decreto nº6.321, mas que ainda não é possível sentir os efeitos das restrições legais. "Houve até agora apenas um caso, quando duas mil cabeças de gado não puderam ser compradas no Pará", lembra.


Obstáculos à regularização

Para que o produtor esteja livre do embargo e regularize a situação da sua propriedade, ele precisa apresentar uma certidão de regularização ambiental, a aprovação de plano de recuperação de área degradada e a averbação de reserva legal emitidas pelo órgão ambiental competente. Entretanto produtores matogrossenses cujas propriedades estão localizadas na franja do Bioma Amazônico (área de transição entre Amazônia e Cerrado)enfrentam a mesma questão.

É que em 2004, com a definição do mapa oficial de biomas do Brasil pelo IBGE, suas terras foram enquadradas na Amazônia, aumentando de 50% para 80% do total da propriedade, a área de Reserva Legal que precisa ser averbada. Assim, teriam recebido a autorização para desmatar quando a exigência era de 50% de Reserva Legal, e agora têm que destinar 80%. Para regularizar a situação da suas propriedades eles precisariam de novas licenças ambientais, e arcar com as despesas para reflorestar a área que foi anteriormente desmatada com o consentimento do governo. E por isso, muitos reivindicam indenizações para que tenham condições de investir em reflorestamento.

Fonte: Envolverde/Instituto SocioAmbiental

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