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Meio Ambiente

OPINIÃO DO POVO: (MST-Cutrale) As laranjas e o show de escândalos invisíveis


 
Gilmar Mauro*

Na região de Capivari, interior de São Paulo, quando alguém exagera, tem uma expressão que diz: "Pare de Show!" 

É patético ver alguns senadores(as), deputados(as) e outros tantos "ilustres" se revezarem nos microfones em defesa das laranjas da Cutrale. Muitos destes, possivelmente, já foram beneficiados com os "sucos" da empresa para suas campanhas, ou estão de olho para obter "vitaminas" no próximo pleito. Mas nenhum deles levantou uma folha para denunciar o grande grilo do complexo Monções. As laranjas, e não poderia ser planta melhor, são a tentativa de justificar o grilo da Cutrale e de outras empresas daquela região. Passar por cima das laranjas é passar por cima do grilo e da corrupção que mantém esta situação há tanto tempo. 

Não é a primeira vez que ocupamos este latifúndio. Eu mesmo ajudei a fazer a primeira ocupação na região, em 1995, para denunciar o grilo e pedir ao Estado providências na arrecadação das terras para a Reforma Agrária. Passados quase 10 anos, algumas áreas foram arrecadadas e hoje são assentamentos, mas a maioria das terras continua sob o domínio de grandes grupos econômicos. E mais, a Cutrale instalou-se lá há 4 ou 5 anos, sabendo que as terras eram griladas e, portanto, com claro interesse na regularização das terras a seu favor. Para tanto, plantou laranjas! Aliás, parece ter plantado um laranjal em parte do Congresso Nacional e nos meios de comunicação. O que não é nenhuma novidade! 

Durante a nossa marcha Campinas-São Paulo, realizada em agosto, um acidente provocou a morte da companheira Maria Cícera, uma senhora que estava acampada há 9 anos lutando para ter o seu pedaço de terra e morreu sem tê-la. Esta senhora estava acampada na região do grilo, mas nenhum dos ilustres defensores das laranjas pediu a palavra para denunciar a situação. Nenhum dos ilustres fez críticas para denunciar a inoperância do Executivo ou Judiciário, em arrecadar as terras que são da União para resolver o problema da Dona Cícera e das centenas de famílias que lutam por um pedaço de terra naquela região, e das outras milhares de pessoas no país. 

Poucos no Congresso Nacional levantam a voz para garantir que sejam aplicadas as leis da Constituição que falam da Função Social da Terra: 

a) Produzir na terra;
b) Respeitar a legislação ambiental e
c) Respeitar a legislação trabalhista.

Não preciso delongas para dizer que a Constituição de 1988 não foi cumprida. E muitos falam de Estado Democrático de Direito! Para quem? Com certeza estes vêem o artigo que defende a propriedade a qualquer custo. Este Estado Democrático de Direito para alguns poucos é o Estado mantenedor da propriedade, da concentração de terras e riquezas, de repressão e criminalização para os movimentos sociais e para a maioria do povo. 

Para aqueles que se sustentam na/da "pequena política", com microfones disponíveis em rede nacional, e acreditam que a história terminou, de fato, encontram nestes episódios a matéria prima para o gozo pessoal e, com isso, só explicitam a sua pobreza subjetiva. E para eles, é certo, a história terminou. Mas para a grande maioria, que acredita que a história continua, que o melhor da história sequer começou, fazem da sua luta cotidiana espaço de debate e construção de uma sociedade mais justa. Acreditam ser possível dar função social à terra e a todos os recursos produzidos pela sociedade. Lutam para termos uma agricultura que 

*Integrante da coordenação nacional do MST




Escândalos invisíveis
Osvaldo Russo*

A destruição de 2 hectares de um laranjal, plantado em extensa área pública da União ocupada ilegalmente por uma grande empresa privada, orquestrada pela mídia e pelos interesses do agronegócio, escandaliza. 

Enquanto isso, milhares de famílias estão acampadas em beira de estradas, trabalhadores são escravizados em pleno século 21 e trabalhadores rurais, líderes sindicais, religiosos e advogados são assassinados no Brasil. Mas isso não escandaliza. 

Milhares de processos estão travados na justiça emperrando as desapropriações para fins de reforma agrária e deixando sem solução os crimes do latifúndio e de sua pistolagem. Mas isso não escandaliza. 

As denúncias sobre casos de trabalho escravo contemporâneo atingem um recorde histórico no Brasil, de acordo com o relatório "Conflitos no Campo Brasil 2008", elaborado pela Comissão Pastoral da Terra, que registra 280 ocorrências no ano passado. Ao todo, os casos relatados pela CPT envolveram sete mil trabalhadores, 86 deles crianças e adolescentes, tendo havido 5,2 mil libertações. Mas isso não escandaliza. 

Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, de 1995 a 2002, a Fiscalização do Trabalho do ministério realizou 177 operações em 816 fazendas, lavrando-se 6.085 autos de infração. Já no período de 2003 a 2008, foram realizadas 607 operações, envolvendo 1.369 fazendas fiscalizadas, onde foram lavrados 16.981 autos de infração, o que significa um incremento anual de 272,1% em relação ao período anterior. Mas isso não escandaliza. 

O recorde nas denúncias foi acompanhado da intensificação da ação fiscalizadora do governo federal, que declarou a erradicação e a repressão ao trabalho escravo contemporâneo como prioridades do Estado brasileiro. O Plano prevê a aprovação da PEC que altera o art. 243 da Constituição Federal, dispondo sobre a expropriação de terras – sem indenização - onde forem encontrados trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão e que, em muitas situações, tentam fugir da fazenda e são impedidos pelo fazendeiro. Mas os ruralistas escravocratas reagem e impedem a sua aprovação pelo Congresso Nacional. Mas isso não escandaliza. 

Ideólogos do agronegócio escravocrata tentam explicar o injustificável, chegando a afirmar que "o principal objetivo desse trabalhador em eventual fuga da fazenda e posterior retorno trazendo a fiscalização trabalhista não seria apenas evitar o pagamento da dívida contraída com o empreiteiro, mas, talvez muito mais importante, receber a ‘multa’ de vários milhares de reais, comumente imposta pelo fiscal ao agricultor e em favor do trabalhador, sob a  acusação de prática de ‘trabalho escravo’ por parte do fazendeiro. Além disso, os trabalhadores ‘libertados’ passam a receber seguro desemprego, sendo possível que, depois, passem a receber também Bolsa Família". Mas isso não escandaliza. 

Após mais de século da assinatura da Lei Áurea, o Brasil ainda convive com as marcas deixadas pelo regime colonial-escravista e por disparates escritos por seus neoideólogos. Conforme apresentação do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, de 2003, assinada pelos então ministros Nilmário Miranda (Direitos Humanos) e Jacques Wagner (Trabalho e Emprego), "a escravidão contemporânea manifesta-se na clandestinidade e é marcada pelo autoritarismo, corrupção, segregação social, racismo, clientelismo e desrespeito aos direitos humanos". Mas isso não escandaliza.
Apesar do grande aumento da produção agrícola de 1975 pra cá, os ruralistas tentam impedir a atualização dos índices de produtividade da terra para fins de reforma agrária e ameaçam o governo e os sem terra com retaliações. Mas isso não escandaliza. 

Os ruralistas querem reinventar uma CPI para criminalizar o MST e intimidar o governo. Eles não querem a democracia e a justiça social. Eles querem continuar escravizando os trabalhadores rurais e impedir a reforma agrária no Brasil. Mas isso não escandaliza. 

Joaquim Nabuco, O Abolicionista, dizia que a Abolição da Escravatura era indissociável da democratização do solo pátrio. Monarquistas e republicanos não lhe deram ouvidos e a concentração das terras em poucas mãos continua escandalosa. Mas isso não escandaliza. 

Antes da Abolição, a rebeldia dos escravos escandalizava, mas o açoite neles não. 

* Ex-presidente do INCRA, é coordenador do Núcleo Agrário Nacional do PT Artigo publicado no Correio da Cidadania e no Portal do PT - http://orusso.blog.uol.com.br

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