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Alemanha endurece lei sobre violência sexual


Aline Moraes – Correspondente da Agência Brasil

O Parlamento alemão aprovou hoje (7), por unanimidade, uma nova definição do crime de estupro no país. Agora, o princípio do “Não é Não” está garantido na lei. Isso quer dizer que basta não haver consentimento da vítima para que o ato sexual seja criminalizado. Até então, a legislação só considerava, de fato, estupro quando havia sinais claros de uso da força e de que a mulher tentou resistir fisicamente à agressão.

“É um marco. Um passo importante para a sociedade e para todas as alemãs”, informou Dagmar Freudenberg, presidente da comissão de Direito Penal da Associação de Advogadas da Alemanha. A entidade foi uma das que participaram ativamente da campanha “Não quer dizer Não”, para pressionar os parlamentares a votar a reforma.

Em entrevista à Agência Brasil, a advogada disse que a nova lei traz também uma outra visão da liberdade individual e uma outra imagem da mulher. “Está mais claro do que nunca que, se alguém não escutar o que a mulher deseja ou não deseja, será punido”, disse Freudenberg.

Com a mudança, a Alemanha adequa uma lei considerada ultrapassada – a última reforma foi há 20 anos – e passa a ratificar a Convenção de Istambul, tratado europeu que estabelece padrões mínimos para prevenir a violência contra a mulher, proteger as vítimas, levar os crimes à Justiça e desenvolver políticas públicas.

“Passar a mão” é crime

A campanha pela reforma na lei vinha desde que a Convenção de Istambul entrou em vigor, em 2014. Mas o debate sobre torná-la mais severa se intensificou após os ataques de cunho sexual na noite de Ano Novo na cidade de Colônia, no fim do ano passado.

Foram cerca de mil denúncias de mulheres que se viram cercadas por grupos de homens e tiveram partes do corpo apalpadas ou foram beijadas à força. Como resposta, a nova legislação também classifica como crime de assédio sexual atos como "passar a mão" sem consentimento. Nesses casos, a pena pode chegar a dois anos de prisão.

Outra consequência do que ocorreu no Ano Novo é a criminalização de atos cometidos por grupos, com punição de todos os integrantes e não só de quem ativamente cometeu a ofensa. Uma terceira mudança remete ao fato de que, nos casos de Colônia, as vítimas e testemunhas disseram que os agressores aparentavam ser do Oriente Médio ou do Norte da África.

Segundo o texto da nova lei, migrantes condenados sob as novas regras de crimes sexuais poderão ser expulsos do país. Até então, a deportação era possível se relacionada a crimes considerados mais graves, com uso de violência e ameaças.

No que diz respeito a essas duas últimas mudanças, o texto da nova lei não foi aprovado pela oposição no Parlamento. Os críticos consideram que é contra a Constituição punir alguém apenas por fazer parte de um grupo e que o endurecimento das regras para deportação poderá tirar a atenção do direito da mulher e direcioná-la para questão migratória e dar à questão uma conotação racista.

Próximos passos

A nova legislação ainda precisa passar pelo Bundesrat (câmara onde estão representados os 16 estados alemães), o que deve acontecer no fim de setembro. A expectativa é que o princípio do “Não é Não” também seja aprovado nessa instância do governo. Para isso, será necessária a assinatura do presidente da Alemanha. A nova lei de crimes sexuais entrará em vigor um dia após a publicação.

Apesar de considerada um passo essencial para garantir o respeito aos direitos das mulheres, a reforma precisará ser acompanhada por um processo de mudança de mentalidade, inclusive na Justiça, onde ainda poderá ser difícil provar o “não”.

“Ainda temos o problema de que é a palavra da vítima contra a do agressor”, ponderou a socióloga Conny Schulte, que coordena o Centro de Orientação a Vítimas de Violência Sexual da cidade de Bonn, no Oeste do país.

“É necessário que juízes e promotores passem por qualificação para que entendam melhor o tema do estupro e como as vítimas se sentem”, sugeriu Schulte. Conscientização que, segundo ela, precisa atingir toda a sociedade.

Pela experiência do atendimento a mulheres vítimas de violência sexual, a socióloga percebeu que, ainda hoje, há ainda muito preconceito, muitos mitos em torno do tema, e que as mulheres têm receio ou vergonha de falar sobre o que sofreram, de prestar queixa e de levar o caso à Justiça. Por ano, são registrados  8 mil estupros no país, mas estima-se que de 85% a 95% dos casos não vêm à tona. E apenas 8% dos julgamentos resultam em condenações.

Se a reforma na lei de crimes sexuais fará com que mais mulheres denunciem e mais agressores sejam punidos é algo que Dagmar Freudenberg espera, mas que levará tempo para saber. “Acho que teremos de esperar uns 10 ou 15 anos para avaliar. Até lá, é preciso trabalhar no apoio às vítimas e na conscientização, para que a sociedade e a Justiça sejam mais sensíveis à questão do estupro”, concluiu.

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