Segunda-feira, 10 de dezembro de 2018 - 13h35
Em 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas
promulgava a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Era uma resposta
imediata às atrocidades cometidas nas duas guerras mundiais, mas não só isso.
Era o estabelecimento de um ideário arduamente construído durante pelo menos
2.500 anos visando a garantir para qualquer ser humano, em qualquer país e sob
quaisquer circunstâncias, condições mínimas de sobrevivência e crescimento em
ambiente de respeito e paz, igualdade e liberdade.
O caráter
universal constituiu-se numa das principais novidades do documento, além da
abrangência de sua temática, uma vez que países individualmente já haviam
emitido peças de princípios ou textos legais firmando direitos fundamentais
inerentes à condição humana. O caso mais célebre é o da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, firmada em outubro de 1789 pela França revolucionária.
Com um
preâmbulo e 30 artigos que tratam de questões como a liberdade, a igualdade, a
dignidade, a alimentação, a moradia, o ensino, a DUDH é hoje o documento mais
traduzido no mundo — já alcança 500 idiomas e dialetos. Tanto inspirou outros
documentos internacionais e sistemas com o mesmo fim quanto penetrou nas
constituições de novos e velhos países por meio do instituto dos princípios e
direitos fundamentais. Na Constituição brasileira de 1946, os direitos
fundamentais já eram consignados, mas é na Carta de 1988 que se assinala a
“prevalência dos direitos humanos”.
Adotada numa
perspectiva internacionalista, multilateral, a DUDH, conforme vários
observadores, celebra sete décadas sob a turbulência do ressurgimento de
tendências políticas e culturais que renegam os direitos humanos em várias
partes do globo.
Por ocasião do
Dia Mundial da Paz, em 21 de setembro, a diretora-geral da UNESCO, Audrey
Azoulay, alertou para “a proliferação do populismo e do extremismo, que
constituem um obstáculo aos ideais de paz e direitos universais”.
— A paz será
imperfeita e frágil, a menos que todos se beneficiem dela. Os direitos humanos
são universais ou não são — enfatizou a chefe da UNESCO.
Ecoou assim o
pressuposto estabelecido por aquele que é considerado o artífice da
universalidade da carta, o representante francês na comissão que redigiu a
declaração, Renê Cassin: a paz internacional só seria possível se os direitos
humanos fossem igualmente respeitados em toda parte.
O clamor por
esses direitos, portanto, não cessa. E cada vez mais se articula em ações de
governos, de organismos como a Anistia Internacional, de organizações não
governamentais e da sociedade civil. Contudo, o questionamento aos ditames
desse estatuto, que antes poucos ousavam contestar, cria uma atmosfera de
incerteza e, por vezes de pessimismo. Esse sentimento não é meramente uma
manifestação de subjetividade: informe da ONU Brasil dá conta de que 87 mil
mulheres no mundo foram vítimas de homicídio em 2017. Desse grupo,
aproximadamente 50 mil — ou 58% — foram mortas por parceiros íntimos ou
parentes. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) vê
estagnação de progressos para proteger as mulheres no ambiente doméstico.
— Embora a
vasta maioria das vítimas de homicídio seja de homens, as mulheres continuam a
pagar o preço mais alto como resultado da desigualdade e discriminação de
gênero e estereótipos negativos — declarou o chefe do organismo internacional,
Yury Fedotov.
A senadora
Regina Sousa (PT-PI), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação
Participativa (CDH) do Senado, considera lamentável que o mundo não tenha dado
passos importantes durante 70 anos.
— A confusão da
concepção de direitos humanos foi proposital. A elite mundial e a brasileira
colocaram na cabeça das pessoas que direitos humanos são direitos de bandidos.
E não é [assim]. São direitos das pessoas a moradia, a saúde, a educação, o
transporte, cidades feitas pensando nas pessoas, direito da população negra
contra o racismo, direito de não ser escravizado, direitos da população LGBT de
não ser morta. Mesmo o bandido tem lá os seus direitos, merece tratamento
decente — avaliou a senadora depois de anunciar para a tarde desta segunda-feira
(10) uma audiência pública com representantes de várias categorias que atuam
nessa seara.
Enquanto casos de escravidão são flagrados próximos à capital do Brasil, continua envolto em mistério o assassinato de uma vereadora do Rio de Janeiro e defensora dos direitos humanos que atuava o em áreas controladas pelo narcotráfico e as milícias. Os motivos e os autores do crime não foram até agora esclarecidos. A provável execução de Marielle Franco causou indignação em todo o mundo e motivou declarações do próprio Papa Francisco. Nove meses depois de sua ocorrência, a Anistia Internacional reclama a solução para o caso, assim como a presidente da CDH.
“Vamos agir juntos para promover e defender os direitos humanos para todos, em nome da paz duradoura para todos. A paz cria raízes quando as pessoas vivem livres da fome, da pobreza e da opressão. Eu encorajo vocês a se manifestarem: pela igualdade de gênero, por sociedades inclusivas, por ações climáticas. Façam a sua parte na escola, no trabalho, em casa. Cada passo conta. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um marco fundador e um guia que deve assegurar o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”.
António Guterres, secretário-geral da ONU
Leia a íntegra da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) ›
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