Quarta-feira, 20 de junho de 2018 - 15h43
Reuters - O papa Francisco criticou a política de separação de famílias imigrantes na fronteira dos Estados Unidos com o México do governo Trump, dizendo que o populismo não é a resposta para os problemas de imigração do mundo.
Falando à Reuters, o papa disse apoiar as declarações recentes de bispos católicos dos EUA que qualificaram a separação de crianças de seus pais como "contrária aos nossos valores católicos" e "imoral".
"Não é fácil, mas o populismo não é a solução", disse Francisco na noite de domingo.
Em uma entrevista rara e abrangente, o papa disse estar otimista com as conversas que podem levar a um acordo histórico sobre a indicação de bispos na China e que pode aceitar mais renúncias de bispos devido a um escândalo de abuso sexual no Chile.
Refletindo sobre seus cinco anos de papado em sua residência no Vaticano, ele defendeu sua liderança na Igreja Católica das críticas de conservadores de dentro e de fora da Igreja segundo os quais sua interpretação dos ensinamentos da instituição é liberal demais.
Ele também disse que quer indicar mais mulheres para cargos de alto escalão do Vaticano.
Uma de suas mensagens mais contundentes disse respeito à política imigratória de tolerância zero do presidente norte-americano, Donald Trump, mediante a qual as autoridades dos EUA planejam processar criminalmente todos os imigrantes cruzando a fronteira EUA-México de maneira ilegal, detendo adultos em prisões e enviando seus filhos a abrigos do governo.
A diretriz causou revolta nos EUA e vem sendo criticada no exterior desde que surgiram vídeos de jovens detidos em recintos fechados com piso de concreto e um áudio de crianças chorando viralizou.
Bispos católicos dos EUA se uniram a outros líderes religiosos do país na rejeição da medida.
"Estou do lado da conferência dos bispos", disse o papa, referindo-se a dois comunicados divulgados por bispos norte-americanos neste mês.
"Que fique claro que, nestas coisas, respeito a (posição da) conferência dos bispos."
Os comentários de Francisco aumentaram a pressão sobre a política imigratória de Trump. O papa comanda uma igreja de 1,3 bilhão de fiéis em todo o mundo e que é a maior denominação cristã dos EUA.
O presidente vem defendendo enfaticamente as ações de seu governo e culpou os democratas pelas separações familiares.
"Os democratas são o problema", tuitou na terça-feira. "Eles não se importam com o crime e querem imigrantes ilegais."
A repressão norte-americana coincide com um novo clima político que se dissemina pela Europa Ocidental devido ao grande número de imigrantes e postulantes a asilo, a maioria fugindo de conflitos e da pobreza no Oriente Médio e na África.
O papa disse que os populistas estão "criando uma psicose" na questão da imigração, apesar de sociedades em processo de envelhecimento como a europeia enfrentarem "um grande inverno demográfico" e precisarem de mais imigrantes.
Sem a imigração, acrescentou, a Europa "ficará vazia".
FUTURO DA IGREJA ESTÁ "NAS RUAS"
Desde que tomou posse, em 2013, Francisco vem adotando uma interpretação liberal dos ensinamentos católicos em um momento no qual a política guinou para o nacionalismo econômico em muitas partes do Ocidente.
Ele vem enfrentando uma oposição interna do clero conservador, que se opõe às suas interpretações liberais, especialmente sua abordagem da sexualidade e sua compaixão por católicos divorciados. Mas o papa disse orar pelos conservadores, que às vezes dizem "coisas baixas" a seu respeito.
Defendendo sua liderança, o pontífice argentino de 81 anos disse que o futuro da Igreja Católica está "nas ruas".
Ele disse querer indicar mais mulheres para comandarem departamentos do Vaticano porque elas são melhores para resolver conflitos, mas que isso não deve levar ao que chamou de "machismo de saia".
O papa afirmou estar com boa saúde, com exceção de uma dor na perna relacionada a um problema nas costas, e reiterou comentários feitos pela primeira vez pouco depois de sua eleição ao dizer que um dia pode renunciar por motivos de saúde, como seu antecessor, o papa Bento 16, fez em 2013, mas ressalvou: "Neste momento não estou sequer pensando nisso."
Ele falou longamente sobre imigração, um tema polêmico tanto na Europa quanto nos EUA. O governo italiano populista recusou o acesso portuário a navios não-governamentais que vêm resgatando postulantes a asilo que tentam chegar a Itália vindas da África em embarcações frágeis.
Uma delas foi obrigada a desembarcar mais de 600 imigrantes na Espanha no final de semana.
O ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, que também é o líder do partido de extrema-direita Liga, já criticou o papa no passado, dizendo certa vez que o pontífice deveria receber os imigrantes no Vaticano se está tão preocupado com eles.
"Acredito que não se pode rejeitar quem chega. Você tem que recebê-los, ajudá-los, ampará-los, acompanhá-los e depois ver onde os coloca, mas por toda a Europa", opinou Francisco.
"Alguns governos estão trabalhando nisso, e as pessoas têm que ser assentadas da melhor maneira possível, mas criar uma psicose não é a cura", acrescentou. "O populismo não resolve as coisas. O que resolve as coisas é aceitação, estudo, prudência."
ALGUNS DILEMAS E DECISÕES DURAS
Francisco disse ter se entristecido com a decisão tomada por Trump no ano passado de implantar novas restrições às viagens e ao comércio dos EUA com Cuba. A medida reverteu a abertura de seu antecessor Barack Obama à nação insular, um acordo que o Vaticano ajudou a negociar e que "foi um bom passo adiante", segundo o papa.
Ele também disse que a decisão de Trump de retirar os EUA do acordo firmado em Paris para conter a mudança climática lhe causou "um pouco de sofrimento, porque o futuro da humanidade está em jogo". O líder católico disse esperar que Trump reveja sua posição.
Rejeitando as críticas segundo as quais corre o risco de trair católicos chineses leais ao Vaticano, Francisco disse que as conversas para resolver uma disputa a respeito dos bispos da China —um obstáculo para a retomada dos laços diplomáticos— estão "bem encaminhadas".
O papa aceitou as renúncias de três bispos do Chile devido a um escândalo de abuso sexual no país e de alegações de acobertamento. Ele disse que pode aceitar mais renúncias, mas não revelou que bispo ou bispos tem em mente.
O pontífice também comentou as críticas internas de conservadores ao seu papado, lideradas pelo cardeal norte-americano Raymond Leo Burke.
Em 2016, Burke e três outros cardeais emitiram um comunicado raro questionando publicamente Francisco por causa de alguns de seus ensinamentos em um documento importante sobre a família, acusando-o de semear desorientação e confusão a respeito de questões morais importantes.
Francisco contou que soube da carta dos cardeais "pelos jornais... uma maneira de fazer as coisas que não é, digamos, eclesiástica, mas todos nós cometemos erros".
Ele usou a analogia de um falecido cardeal italiano que comparou a igreja a um rio transbordante, com espaço para opiniões diferentes. "Temos que ser respeitosos e tolerantes, e se alguém está no rio, vamos seguir adiante."
Ele disse que a reforma da Cúria, a administração do Vaticano, corre bem, "mas temos que trabalhar mais".
Em certa ocasião o papa criticou carreiristas da Cúria de sofrem de "Alzheimer espiritual".
Francisco disse estar contente de forma geral com as reformas adotadas para tornar as finanças do Vaticano, antes escandalosas, mais transparentes. O banco do Vaticano, que fechou centenas de contas suspeitas ou inativas, "agora trabalha bem", afirmou.
"Houve alguns dilemas, e eu tive que tomar algumas decisões duras."
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