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A cidade que pariu um demônio


A cidade que pariu um demônio - Gente de Opinião 

Professor Nazareno*

           

São quase três horas da tarde e além do mormaço cotidiano, chove uma chuva miúda quando estou com o meu carro velho quebrado e atolado em plena área urbana de Porto Velho, a enlameada capital de Rondônia. Uma lama avermelhada, pegajosa e fedida teima em me desafiar ali na Rua da Beira próximo às carcaças de um dos inúmeros viadutos inacabados. Azar: já estressado e a “minha lata velha” resolve me abandonar. Talvez copiando o que as autoridades estão fazendo com este arremedo de cidade. “Um dia, a conclusão desta rua será realidade para os contribuintes que diariamente por ali passam”, comentam desolados alguns transeuntes. “Os viadutos também serão terminados, só que iniciarão a sua penosa reconstrução no dia 15 de novembro, um sábado e feriado nacional”, afirmam outros, rindo em tom de deboche.

Como se vivêssemos em um inferno premeditado, os moradores de Porto Velho só têm agonia feito sapo. Enquanto não chega um mecânico para me tirar do “prego”, fico me perguntando, por exemplo, quando vão terminar o Espaço Alternativo da cidade e se vão replantar as quase duas mil mudas de árvores, algumas frutíferas, que retiraram de lá? Ainda convalescendo dos problemas respiratórios e da rinite alérgica que me fizeram piorar no último verão da cidade quando respirei fumaça e poeira de esgotos, não vejo a hora de ter um lugar para poder caminhar e fazer exercícios ao ar livre sem o calor sufocante do cimento e do asfalto refletidos. E se não fosse a escuridão demoníaca da ponte sobre o Madeira, à noite podia-se passear sobre ela para contemplar o que ainda resta do abandonado lugar escolhido para ser a capital de um Estado.

Se as instalações da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e os seus arredores não estivessem ainda abandonados, cheios de fezes humanas, ratos e urubus após mais de oito meses da enchente histórica do rio Madeira, aquele inóspito lugar poderia servir de refúgio para os mais depressivos. Lá, podíamos pensar por que o Dr. Mauro Nazif, que é aclamado como o atual prefeito da cidade, será reeleito em 2016 para mais um mandato de quatro anos à frente do município. “Esse prefeito é um dos melhores que a cidade já teve”, dirão algumas pessoas. “Vocês ainda não viram os que virão pela frente”, profetizarão outros. Realmente, basta no último ano de mandato começar a trabalhar de verdade que muitos eleitores otários ficarão encantados e o reelegerão na certa. Só está faltando ele “usar um blog” para administrar os portovelhenses.

Porém, a nossa Câmara de Vereadores acha que ele está administrando muito bem a cidade e jamais vai lhe apear do cargo. Porto Velho está na iminência de sofrer uma mega epidemia de Dengue e de Febre Chikungunya e muitos de nós sofreremos sem poder sair daqui. Eu, por exemplo, estou com o carro quebrado, não aguento viajar de ônibus e as passagens aéreas, quando aparecem, estão muito caras. Além do mais, nenhum dos meus leitores que prometerem outra vez pagar a minha saída daqui cumpriu com a promessa. Parece que nem Papai Noel, o velho maldito, vai aparecer. Conclusão: O diabo estuprou Porto Velho e a abandonou à própria sorte, sangrando e com dores. Nesta época do ano, quem pode procura a civilização e evita ver as horrorosas decorações natalinas da “capital da podridão e da carniça”. Enquanto o mecânico não chega, imagino que esta cidade só pode ter parido um demônio. Ou foi parida por ele?

*É Professor em Porto Velho.

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