Segunda-feira, 29 de julho de 2013 - 06h07
A Constituição de 1988, que está completando 25 anos em 2013, e a legislação ordinária brasileira, a despeito da necessidade de modernização de alguns preceitos estruturais, como as reformas tributária, previdenciária e trabalhista, têm conteúdo bastante adequado à inserção do País nos mais contemporâneos conceitos do capitalismo democrático. Não nos faltam leis bem fundamentadas para as garantias dos direitos individuais e coletivos, equilíbrio entre prerrogativas e deveres, bom funcionamento das empresas, sanções criminais e normalização dos processos de interação entre as pessoas e os sistemas sociais.
No entanto, o Brasil peca em demasia no cumprimento de seu marco legal. Não apenas pela propalada lentidão da Justiça, mas, sobretudo, por algo pouco comentado toda vez que se reclama da impunidade, da insegurança jurídica ou do excesso de burocracia e/ou normas exageradas para o desembaraço de papéis, certidões, guias de importação ou exportação, financiamentos, abertura e fechamento de empresas e outros constrangimentos a que estão rotineiramente sujeitas as pessoas físicas e jurídicas todas as vezes que necessitam de um procedimento dessa natureza. Refiro-me ao processo de regulamentação de leis, portarias, resoluções e até mesmo de alguns princípios constitucionais.
Criam-se leis voltadas à solução de questões importantes da vida nacional, mas, na prática, o problema persiste, pois a regulamentação demora a ser feita. Por que, então, não se fazem leis autoconclusivas e já aplicáveis a partir de sua aprovação? O imbróglio, aliás, começa no tocante à própria Constituição de 1988. Um quarto de século após sua promulgação, metade de seus dispositivos, ou seja, cerca de 180 itens, ainda não foi regulamentada. Por isso, instituiu-se uma comissão específica no Congresso Nacional para cuidar desse absurdo atraso. Aliás, criar grupos de trabalho e comissões é outro costume nacional para postergar decisões. Uma espécie de eufemismo para a prática de empurrar tudo com a barriga.
Por todas essas razões, a famigerada regulamentação é a versão mais desabonadora do jeitinho brasileiro, a serviço do não cumprimento de leis e normas. Enquanto isso, setores de atividades ficam à espera das decisões e ao léu dos humores dos burocratas, do capricho dos políticos e da agenda dos parlamentares.
O mais recente exemplo dessas desventuras dos segmentos produtivos nacionais que dependem de uma legislação para solucionar entraves e/ou ser mais competitivos diz respeito à Resolução 13 do Senado Federal, que estabeleceu alíquota única de 4% para o ICMS, em todo o território nacional, para os produtos constituídos por mais de 40% de conteúdo importado. A aprovação da medida, reivindicada e apoiada por numerosos setores de atividade e suas entidades de classe, dentre elas o Sinditêxtil-SP, colocaria fim à Guerra dos Portos, que consiste na isenção ou redução da cobrança daquele tributo estadual no ingresso de mercadorias estrangeiras em determinadas unidades da Federação.
Essa vantagem reduz ainda mais a competitividade da indústria nacional. Afinal, trata-se de prática que estimula muito a importação e contribui para que mercadorias estrangeiras entrem no nosso mercado com preços ainda mais competitivos. Na verdade, é uma visão muito local, sem se pensar nas consequências em médio prazo, pois os próprios governos estaduais acabam sofrendo as consequências do desemprego e queda de arrecadação das empresas brasileiras.
Pois bem, na prática, depois de todo o esforço pela aprovação da Resolução 13, há o risco de tudo continuar como antes. O motivo, é claro, encontra-se na regulamentação, absolutamente inviável. O trâmite do processo está em análise no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), constituído pelos secretários de Fazenda de todos os Estados, inclusive os protagonistas da Guerra dos Portos. Acreditem se quiser, mas parte desse colegiado, no qual as decisões têm de ser unânimes para entrar em vigor, quer que as empresas calculem o conteúdo importado presente nos produtos em cada etapa do processo produtivo. Na cadeia automobilística, por exemplo, que tem mais de cinco mil peças, a indústria teria de incluir no cálculo final do produto cada um desses componentes e seu percentual de importação, para somente depois declarar se o objeto é estrangeiro. Ora, não há seriedade nisso. É algo inviável técnica e economicamente. Uma exigência pensada exclusivamente com o intuito de inviabilizar a tal regulamentação.
Os efeitos danosos disso podem ser constatados nos números da indústria têxtil e do vestuário, divulgados pela ABIT: no primeiro trimestre deste ano, o déficit da balança comercial setorial foi de US$ 1,5 milhão. No acumulado do ano, as importações de produtos têxteis e de vestuário somaram US$ 1,8 bilhão, um aumento de 4,7% em relação a igual período do ano passado. As exportações, evidenciando a paulatina perda de competitividade, tiveram alta de apenas 0,33%. No tocante à produção física, os números também são negativos: houve diminuição de 7,05% no vestuário e de 7,11% de têxteis.
Enquanto a indústria nacional vai perdendo mercado, segue-se postergando uma solução legal para reverter parte expressiva do problema. É uma contradição! O mais grave é que não se trata de algo complicado. Para o cumprimento da Resolução 13 bastaria adotar o Regime de Regras de Origem, mecanismo eficazmente utilizado no controle da nacionalidade dos produtos. Corremos o risco de, mais uma vez, assistir à anulação dos efeitos práticos de uma ótima medida, devido a deliberadas manobras para tornar impossível a sua execução prática. É por desatinos como esse que, muitas vezes, os brasileiros sentem-se vivendo num país sem leis.
*Alfredo Bonduki, engenheiro formado pela Escola Politécnica da USP, é empresário e presidente do Sinditêxtil-SP.
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