Sábado, 11 de fevereiro de 2017 - 05h10
Por Vinícius Miguel
” Você nunca a amarrou?
_ Não, nunca.
_ Nem a chicoteou?
_ Também não, mas justamente …
Era seu amante quem respondia.
_ Justamente _ disse a outra voz _ amarrá-la algumas vezes, chicoteá-la um pouco, e permitir que tome gosto nisso, não. É preciso ultrapassar o momento do prazer, para se obterem as lágrimas.”
O livro, um clássico da literatura erótica francesa, da lavra de Pauline Reage abalou o mundo em 1954.
A narrativa é um primor e merece ser lida. Na obra, a anti-heroína “O” é levada por René e, depois, pelo meio irmão deste, Sir Stephan, a conhecer o ambíguo submundo do prazer obtido pela dor: ela é seviciada e submetida a todas as tormentas possíveis.
Sua resignação (interpretada como uma das tantas formas do amar) impõe até mesmo a marcação a ferro quente com as iniciais de seu dono.
Assim, na lógica contraditória do prazer e da dor deve ser examinado o posicionamento externado dia (09/02/2017) pela representação da Ordem dos Advogados do Brasil no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
A História de O(AB), nesse caso, se apresenta com a posição defendida contra nota de repúdio à indicação de Alexandre de Moraes ao STF, nota proposta por inúmeras organizações.
A nota menciona(va) exclusivamente que Moraes não é um nome adequado por apresentar posições que afrontam os direitos fundamentais.
No caso da Advocacia (com A maiúsculo), a posição colidente de Moraes enquanto Ministro da (In)Justiça é ainda mais evidente.
Foi sob sua gestão que emergiu portaria (n. 04, de 28/06/2016) que 1) limitou o número de atendimentos do advogado a um por semana, 2) restringindo a um único causídico, 3) coartando o tempo de atendimento a uma única hora. A malfadada normativa também 4) impedia que advogados ingressassem com cópias dos processos.
Não menos polêmica, foi a proposta do próprio Ministro para que os atendimentos do advogado com o réu/cliente fossem gravados, sodomizando (tal qual “O” o fora) o Estatuto da Advocacia.
A posição da OAB no referido colegiado é em desacordo com a totalidade da leitura da sociedade civil (todas as outras onze organizações nacionais de direitos humanos foram favoráveis à nota). É um contrassenso com a defesa a de prerrogativas advocatícias.
Outrossim, tal qual “O”, a Advocacia parece deleitar-se com a sensação de ser aviltada e, disso, obter o gozo.
Só essa dinâmica masoquista que permite compreender a votação em questão.
Da obra de Pauline Reage, a conclusão: “como se ele próprio estivesse no seu corpo e tivesse experimentado a inquietação, a angústia, a vergonha, mas também o orgulho secreto e o prazer dilacerante (…)”.
Vinícius Miguel é advogado em Rondônia, membro do Comitê Nacional de Proteção e Combate à Tortura
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