Domingo, 7 de janeiro de 2024 - 10h05
Em 1953, eu queria ser historiador e entrar na faculdade
da USP, até porque um dos meus professores, Eduardo França, foi um dos
primeiros catedráticos da USP na matéria. Fui, porém, desaconselhado por três
de meus professores de história, mostrando que, quando eu voltasse da França,
onde fora estudar, poderia ter uma carreira como advogado, visto que o
historiador examina fatos, e quem gosta de história termina sabendo sempre
interpretá-los.
O meu amor pela história
levou-me a ser guindado à Academia Paulista de História, exatamente na cadeira
que fora do meu professor, Eduardo de Oliveira França, algo que me comoveu
muito na época. Por que conto tudo isso? Porque ao examinar o que ocorreu no
dia 8 de janeiro de 2023, fico espantado quando se fala numa tentativa de golpe
de Estado.
Foi um movimento de
manifestação política, absolutamente irracional por um grupo que terminou – não
se sabe se houve infiltrados, porque não se conhecem os vídeos – numa
quebradeira injustificável, como não se justificou a vandalismo na Câmara dos
Deputados quando era presidente Michel Temer, realizada pelo pessoal de
esquerda, porque não é assim que se faz política. Mas, de qualquer forma, a
única coisa que seria rigorosamente impossível no dia 08, seria um golpe de
Estado. Não tinham nenhuma arma. Encontraram uma faca com um deles, mas não
havia nenhuma movimentação milita r que pudesse justificar um movimento
golpista.
Tendo em vista que, muitas
vezes, civis estavam às portas dos quartéis exigindo uma atuação por parte dos
militares, todas as Forças Armadas, com tranquilidade, respeitaram a opinião,
mas não tomaram medida nenhuma contra a ordem pública.
Eu mesmo dizia, desde agosto
de 2022, que não haveria a menor possibilidade de golpe porque as Forças
Armadas não participariam nunca de um golpe de Estado.
Fazia tal afirmação com
conhecimento e certa autoridade, pois sou professor emérito da Escola de
Comando de Estado Maior do Exército e dava aulas para os coronéis dentre os
quais sairiam generais no fim do ano sobre direito constitucional. Por isso,
sabia perfeitamente a mentalidade deles e que jamais, jamais, jamais as Forças
Armadas tomariam qualquer medida contra a Constituição. Até porque, o curso no
qual eu comecei a dar aulas em 1990 até 2022, foi criado em 1989, logo depois
da promulgação da Constituição, para que os militares que iriam para o
generalato, nas três armas, discutissem problemas naciona is e internacionais.
Por isso, eu, um professor de Direito, fui convidado em 1990, recebi o título
de professor emérito em 1994 e lecionei até 2022, dizia com toda tranquilidade
que os militares jamais dariam um golpe.
Estou convencido que o
presidente Bolsonaro nunca pretendeu dar um golpe, mas se pretendesse não teria
conseguido apoio nenhum das Forças Armadas, cujos generais, 90%, pelo menos os
generais daquela época, de 1990 a 2022, tiveram que suportar as minhas aulas e
eu conhecia sua maneira de pensar. Por que eu digo isso? Porque não há golpe de
Estado sem armas. Não há golpe de Estado sem tanques.
Vou dar um exemplo. Nos
últimos cinco anos nós tivemos algo que impressiona. Em oito países da África,
houve golpes de Estado, a saber: Sudão, Burquina, Guiné, Níger, Gabão, Chad,
Zimbabue e Mali. Todos com forças armadas. Todos com tanques nas ruas e com
soldados.
Um grupo desarmado de civis,
cuja grande maioria não tinha nenhuma passagem pela polícia, fez uma baderna e
teria que ser punido por isso, afinal, contestou de forma irracional. Como um
amante da História, membro da Academia Paulista de História e ex
vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo fundado em
1894, tendo escrito livros e artigos sobre História, inclusive um deles
intitulado “O Estado, a Luz da História, do Direito e da Filosofia – Ed. Noeses”,
sei, perfeitamente, que não haveria a menor possibilidade de um golpe de
Estado. Mais do que isso, não seria possível um atentado viole nto ao Estado de
Direito por um grupo de civis que, desarmado, não teria força nenhuma, porque
não tinham apoio dos 330 mil homens que constituem as Forças Armadas do Brasil.
Por que trago esse assunto?
Porque no próximo dia 8 vai se comemorar o primeiro aniversário de algo que,
para mim, foi uma baderna que tinha que ser apurada. Algo que não enaltece a
democracia, pois as pessoas que pensam que na violência podem resolver uma
determinada situação merecem ser punidas, mas jamais como um golpe de Estado.
Porque nunca houve na história do mundo um golpe de Estado sem armas, nem
forças armadas. Digo isso porque como historiador sei que, daqui a 50 anos, o
que vai valer para aqueles que examinarem essa questão serão os fatos da época,
ou seja: gente desarmada não poderia dar um golpe de Estado e que as forças
armadas nunca o fariam. As pessoas foram consideradas como golpistas sem ter
força nenhuma. Golpe sem armas é rigorosamente impossível. Para mim, teriam que
ser punidas como baderneiras. Mas não com as penas violentas com que foram
condenadas; jamais com 17 anos de reclusão como participantes da tentativa de
um golpe de Estado, como se tivessem posto em risco a estabilidade da
democracia brasileira.
Quando um grupo de algumas
centenas de soldados conseguiu afastá- los da bagunça sem disparar tiros,
descobriu-se que um deles, segundo li nos jornais – e estou apenas reproduzindo
o que eu li -, tinha uma arma, ou seja,uma faca.
Como amante da História,
tenho a impressão de que, quando examinarem, daqui a 50 anos, as narrativas
oficiais de que houve um violento atentado à democracia, os historiadores que
analisarem os fatos, e não as narrativas, não serão muito generosos com aqueles
que interpretaram mal os fatos históricos à luz de narrativas sobre o que
ocorreu no dia 8 de janeiro de 2023.
Ives Gandra da Silva
Martins é Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO,UNIFMU,
do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do
Exército – ECEME, Superior de Guerra – ESG e da Magistratura do Tribunal
Regional Federal – 1ª Região; Professor Honorário das Universidades Austral
(Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor
Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs-Paraná e
RS, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do
Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO &ndas h; SP; ex-Presidente
da Academia Paulista de Letras-APL e do Instituto dos Advogados de São
Paulo-IASP.
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