Sexta-feira, 24 de março de 2023 - 10h15
A desaceleração dos negócios
nucleares nas últimas duas décadas tem relação direta com a diminuição da competitividade
econômica do setor, do perigo incomensurável que representa para a vida no
planeta a liberação de material radioativo das usinas nucleares, e o problema
ainda não resolvido de armazenamento dos resíduos produzidos (lixo atômico),
altamente tóxicos, e cuja radioatividade perdura por milhares de anos.
Estas são algumas das
desvantagens de se adotar uma tecnologia no mínimo polêmica, e desnecessária ao
país para produzir energia elétrica.
O pós-Fukushima levou países
pertencentes à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), como a Itália, Bélgica, Suíça e Alemanha, a paralisar e mesmo
descomissionar dezenas de usinas nucleares que funcionavam em seus territórios.
Contrariamente a esta rejeição, governantes de países nada democráticos como
China, Rússia e Índia ainda insistem em apoiar a geração nucleoelétrica.
Quando uma tragédia nuclear acontece, as consequências vão
para muito além das pessoas. Toda a biodiversidade local é prejudicada
diretamente. Pessoas que nem mesmo moram perto do local do desastre podem ser
afetadas. Alguns trágicos eventos aconteceram
nas últimas 3 décadas. O de Three Mile Island-USA, Chernobyl-
Ucrânia e Fukushima-Japão. Este último provocou o deslocamento de mais
de 120.000 pessoas que tiveram que abandonar suas casas e deixar suas cidades.
Tais tragédias tiveram ampla
repercussão mundial. Todavia, acidentes menores, mas não menos graves,
acontecem com certa frequência, e não são divulgados. O mais recente evento foi
o vazamento de 1,5 milhão de litros de água radioativa de uma usina nuclear na
cidade de Monticello, estado de Minnesota-USA. Mesmo ocorrido em 22 de
novembro de 2022, somente 5 meses depois foi comunicado à opinião pública. Sem
contar o alerta dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica-AIEA
em 15 de março de 2023, sobre o desaparecimento na Líbia, de 2,5 toneladas de
urânio natural concentrado, também conhecido como yellow cake.
Para reagir e contrapor as
preocupações da sociedade quanto à guarda de material radioativo, sua
proliferação, e aspectos relacionados à segurança da geração nuclear; uma nova
estratégia foi montada pelos defensores da tecnologia, e de seus negócios
bilionários.
Um novo modelo de reator mais
compacto e com potência inferior (<300 MW) aos tradicionais, estão sendo
oferecidos pela indústria nuclear, podendo serem totalmente construídos em uma
fábrica e levado ao local de funcionamento. Vários modelos estão em
desenvolvimento utilizando distintas rotas tecnológicas. Contudo os problemas
que ocorrem nos grandes reatores persistem.
Os Small Modular Reactors (SMRs) ou Pequenos Reatores
Modulares em inglês, é a nova tática adotada pelos negócios nucleares, que
assim esperam disseminar tais unidades por todo o planeta. Nota-se que o termo
nuclear foi omitido, no que deveria ser chamado de Small Modular Nuclear
Reactors (SMNRs), ou Pequenos Reatores Nucleares Modulares. A omissão da
palavra nuclear é uma tentativa de evitar a rejeição, a repulsa da grande
maioria da população mundial, que associa o nuclear com morte, guerra,
destruição, desgraça, bomba atômica.
No Brasil um lobby poderoso reunido
na Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares- ABDAN, agrega os apoiadores das usinas
nucleares, propondo promover o desenvolvimento e a aplicação da
tecnologia nuclear
no Brasil. Em sintonia, e representando interesses das grandes
multinacionais do ramo, com interesses em fazer negócios, esta Associação tem
obtido “avanços(?)” junto aos poucos que decidem a política energética
brasileira. Por exemplo, conseguiram no governo do ex-ministro de Minas e
Energia, o almirante Bento Albuquerque (o mesmo investigado por entrar
ilegalmente no país com joias milionárias não declaradas, destinadas ao
ex-presidente), a inclusão no Plano Nacional de Energia-2050 a instalação de 8
GW a 10 GW a partir da nucleoeletricidade.
Decisões sobre um tema tão polêmico e com grande
repercussão para as gerações presentes e futuras mereceriam discussões, debates
mais amplos e aprofundados com a sociedade. Esta discussão passa
necessariamente em decidir que tipo de sociedade queremos. Se desejamos uma
sociedade democrática, com justiça ambiental, defensora da paz; ou um país
nuclearizado, inclusive possuindo artefatos nucleares, como a bomba tupiniquim,
que certamente poderá ser viabilizada com novas instalações nucleares.
O que se espera em sociedades democráticas é que as
divergências devam ser tratadas pelo debate, discussões, disponibilização de
informações, participação popular. Todavia o terreno desta disputa é muito
desigual, pois o poder econômico dos lobistas é muito grande, o que acaba
contribuindo para uma assimetria no processo da disputa, na divulgação das
propostas, e das discussões sobre as consequências sociais, econômicas,
ambientais e tecnológicas, do uso da tecnologia nuclear para produção de
energia elétrica.
Todavia decisões monocráticas de um colegiado, o Conselho
Nacional de Política Energética – CNPE, tem instituído uma política energética
contrária aos interesses da maioria da população. A principal característica
deste colegiado, é a falta de representatividade da sociedade organizada, além
de um grande déficit de transparência. A sociedade civil não participa das
decisões tomadas.
O Ministério de Minas e Energia- MME, também responsável
pela política energética sofre há anos, um processo de captura pelo mercado.
Utilizado como “moeda de troca” pelos vários governos, não passa de um
ministério de 2º escalão, subserviente a grupos que defendem somente seus
interesses particulares, e/ou de grandes empresas. Do ponto de vista técnico
foi completamente esvaziado.
Outra instituição, com grandes poderes decisórios, é a
Agência Nacional de Energia Elétrica-ANEEL. É comum que membros desta agência
reguladora tenham seus diretores envolvidos em polêmicas, denúncias gerando
grande desconfiança junto à sociedade. O escândalo mais recente, é de um
ex-diretor escolhido pelo novo governo secretário executivo do MME, o número
dois do ministério, envolvido em vários casos obscuros e ainda não explicados,
enquanto era diretor da ANEEL (https://piaui.folha.uol.com.br/cheiro-de-enxofre/).
Existe um clamor da sociedade brasileira de participação
social, de uma maior transparência nas políticas públicas. E porque não na área
energética? Neste caso é fundamental a criação de espaços democráticos
igualitários, de interlocução, de participação cidadã, na formulação e tomada
de decisão. Ações no sentido de promover o engajamento da sociedade, para
defender seus interesses junto ao Estado brasileiro, fortalecem e garantem
nossa democracia.
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