Quarta-feira, 7 de agosto de 2024 - 18h34
Até hoje a Comissão
Nacional de Energia Nuclear (CNEN) não
divulgou o documento com a “descrição
completa” do episódio e “das
ações que foram adotadas, inclusive detalhes técnicos de interesse público”, relativos
ao furto de cinco
recipientes contendo colunas geradoras
de radioatividade, levados
há mais de um mês de
uma picape, na cidade de
São Paulo (30/07/24), como
prometeu oito dias depois, quando encerrou
o monitoramento
do caso.
O título acima é de artigo do Professor Associado
3 do Instituto de
Energia e Ambiente da USP, Célio Bermann, Doutor em
Engenharia Mecânica na área de Planejamento de Sistemas Energéticos que,
a partir de mais uma saga atômica no Brasil, denuncia a preocupante insegurança
no transporte de materiais radioativos e os riscos pessoais e
coletivos decorrentes da falta de controle dessa atividade.
O
caso revelou falhas graves no sistema de transporte e regulamentação desses
materiais perigosos e demonstrou a incompetência da CNEN, na demora na
divulgação dos fatos, na falta de clareza que gerou muitas dúvidas e
incertezas, mostrando incapacidade para desempenhar seu papel de garantir a
segurança das atividades atômicas no Brasil. Importante registrar que sumiços
de fontes radioativas não é raro em nosso país. Em 2023, duas
cápsulas, cada uma com 8
g de urânio enriquecido, usado no fabrico de
elementos combustíveis para as usinas atômicas de Angra, sumiram
na Fábrica de Combustível Nuclear, em Resende (RJ). Até inquérito policial foi
instaurado, mas,
passado um ano, não se sabe o resultado da
investigação. Na época, a CNEN
disse que a liberação do conteúdo “não acarretaria
danos radiológicos à saúde de um indivíduo", mas
havia
"possibilidade de risco químico, associado à natureza tóxica dos compostos
presentes", provocar danos físicos, como dermatite.
No ano passado,
outros eventos
funestos provaram falhas críticas
nos protocolos de segurança, relativos ao
deslocamento e guarda de material radioativo. Onde não existe
transparência vigoram as especulações. Como no Rio de
Janeiro antes, em São Paulo a notícia do
material à deriva causou
muita inquietação. Um temor
justificado, já que é habitual o setor nuclear
minimizar
o potencial do perigo que envolve seus
acidentes e extravios de produtos
radioativo. O artigo do
prof. Célio aponta várias contradições do episódio paulista, criticando a CNEN
por ter demorado 5 dias para comunicar o roubo, numa nota que indicava
“tratar-se de material representando risco radiológico muito baixo para a
população e o meio ambiente”. Mas ao mesmo
tempo alertava
que “a manipulação inadequada pode vir a causar danos à saúde”.
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A íntegra do
artigo do prof. Célio Bermann
está no blog da Tania Malheiros https://taniamalheiros-
Abaixo reproduzimos o artigo.
A
insegurança nuclear no Brasil – até quando?
Célio Bermann*
Enquanto
o roubo de uma picape Saveiro que transportava cinco unidades de blindagens de
geradores com as fontes radioativas, está se transformando numa angustiante
sucessão de notícias sobre os destinos do material radioativo, amplamente
noticiado neste BLOG pela jornalista Tania Malheiros, várias questões devem ser
levantadas.
A
começar pela quantidade de unidades que estavam sendo transportadas. A primeira
informação era que haviam quatro unidades. Mas depois a nova informação mais
detalhada indicava que se tratavam de cinco unidades, sendo quatro de
99Mo/99mTc já utilizadas (exauridas), e uma quinta contendo uma dose de 27,9
mCi de atividade do gerador de 68Ge/68Ga, ainda a ser utilizada,
A
primeira questão é sobre as condições de transporte de materiais radioativos.
Conforme o boletim de ocorrência do caso, lavrado no 49º Distrito Policial de
São Mateus, o motorista da picape alegou que estacionou o veículo na noite de
sábado (29) em frente a sua residência, na Rua Félix Bernadelli, no Jardim
Bandeirante, na Zona Leste de São Paulo. O roubo do veículo foi no domingo, dia
30 de junho. O motorista do veículo deu-se conta do roubo apenas ao acordar na
manhã do domingo, e foi responsabilizado por não ter deixado o veículo com o
material no IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), localizado
no campus da USP no Butantã.
O
motorista da Saveiro é funcionário da empresa de transporte MEDICAL ALD
(Medical Armazenagem Logística e Distribuição Ltda), que utiliza um veículo
como a Saveiro, que não possuía nenhuma forma de segurança para evitar roubo,
nem tampouco num eventual acidente de tráfego. Apesar dessas fragilidades, e do
fato do transporte ser feito por apenas por um funcionário, a Medical ALD alega
ser regulamentada pela CNEN e ANVISA. De fato, a CNEN afirma que o cadastro da
empresa transportadora está regular junto ao órgão regulador, estando
autorizada a realizar operações de transporte de materiais radioativos.
Quais
são os critérios que a CNEN utiliza para regulamentar as atividades de
transporte, e que permitem tais fragilidades? Com certeza, não devem ser os
critérios definidos pelo Código de Conduta em Segurança de Fontes Radioativas
da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), que preconiza a utilização
de veículos dotados de proteção para suportar acidentes e define a necessidade
de mais de um funcionário no transporte para evitar exaustão de um só indivíduo
na condução do veículo.
E
com que base a CNEN responsabiliza o motorista por “imprudência”, quando a
empresa de transporte parece não oferecer treinamento para o transporte apesar
de contar com o aval da CNEN, e prefere ter apenas um motorista para o
transporte, o que reduz seus custos na prestação dos serviços de transporte de
material radioativo.
A
segunda questão é sobre a demora no tempo para que o fato fosse notificado
pela CNEN. Embora o roubo tenha acontecido no domingo (30/6) a Comissão
Nacional de Energia Nuclear (CNEN), só divulgou uma pequena nota sobre o caso
na última quinta-feira (4/7).
Porque
esta demora? Talvez com a finalidade de evitar um pânico na população que mora
na região do roubo? Demora que foi acompanhada por uma deliberada omissão da
grande imprensa que se eximiu de tornar público o ocorrido.
A
CNEN, órgão vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, veio a
público para informar que ““o material radioativo furtado com o veículo estava
acondicionado em embalagens de chumbo blindadas para evitar irradiação no meio
ambiente”, alertando que “a manipulação inadequada pode vir a causar danos à
saúde”, orientando que, uma vez encontrando as fontes radioativas, havia a
necessidade de manter distância segura e que fosse contatada imediatamente a
Comissão e também a Polícia.
Ao
mesmo tempo a CNEN não divulgou as características do veículo e indicava que
não havia riscos pois “essa fonte, por sua baixa atividade, se enquadra na
categoria 4, representando risco radiológico muito baixo para a população e o
meio ambiente”.
Vamos
aos fatos!
As
unidades de blindagens de geradores com as fontes radioativas são latas ou
baldes que contém o material radioativo acondicionado por embalagens de chumbo.
Se estas embalagens forem abertas, quem tiver contato tem risco de
desenvolvimento de câncer e, em alguns casos, esse contato pode ser letal.
Isso
porque as chamadas unidades de blindagem contendo 99Mo/99mTc já utilizadas
(exauridas) são resultantes do processo de conversão do Molibdênio (99Mo) que,
quando exposto em exames de diagnóstico de câncer utilizado como contraste, é
transformado em uma segunda substância: o Tecnécio (99mTC). Nos exames, o
material é manipulado antes e, só depois de ser transformado, é que o paciente
tem contato. Por isso, não há risco à saúde. O problema é que a substância de
origem, o Molibdênio (99Mo), é radioativa e perigosa para à saúde, e a reação
no processo de exposição para a obtenção do Tecnécio (99mTC) pode não ter
sido completa.
Isso
explica os cuidados necessários observados quando na última sexta-feira (5/7)
policiais do 49º Distrito Policial de São Mateus, em São Paulo, encontraram a
primeira unidade violada num desmanche de veículos roubados no Jardim Marilu,
Zona Leste, onde também foi encontrada depenada a própria picape de transporte,
a polícia isolou a área por treze horas enquanto uma equipe de Produtos
Perigosos do Corpo de Bombeiros, técnicos da CNEN e técnicos do IPEN analisavam
o material encontrado utilizando trajes de proteção à radiação (Tyvek) que
poderia alcançar altos níveis pela eventual presença da substancia Molibdênio
no material definido inicialmente como exaurido.
Entretanto,
uma questão grave é que a primeira unidade foi encontrada vazia, sem o
99Mo/99mTc, pois só o balde utilizado para transporte do material radioativo e
sua tampa foram encontrados.
Da
mesma forma, na tarde do sábado (6/7) foi encontrado em uma loja de baterias na
Avenida
Itaquera, 2753 - Jardim Maringá, na zona leste da cidade, mais um desses
baldes, também violado e sem a substância radioativa, junto a peças de chumbo
utilizadas para a blindagem.
Ou
seja, este material radioativo denominado como exaurido pela CNEN ainda não
foi encontrado!
E
ainda, contrariamente ao que supõe a polícia, em suas manifestações à imprensa,
o furto pode não ter sido feito por ladrões que desconheciam a natureza do
material que estavam furtando. Pelo contrário, trata-se de um material que
ainda pode ser processado e convertido em radioisótopos para variadas
finalidades, incluindo objetivos criminosos que podem pôr em risco a segurança
e saúde da população.
Todavia,
a questão é ainda mais grave é na unidade de blindagem que contém o 68Ge/68Ga.
O Germânio (68Ge) é um elemento químico radioativo que se transforma em Gálio
68 (68Ga). Nessa transição, feita em laboratório, são dispersadas várias
partículas radioativas. Ele é usado como contraste em exames de diagnóstico por
imagem para câncer de próstata, metástase do câncer de próstata e linfomas.
Segundo
as informações da Medical LDA, este material estava sendo transportado para ser
utilizado como fonte geradora de radiofármacos nas cidades de Curitiba/PR e
Blumenau/SC para uso médico. Também aqui, a preocupação com o destino final do
furto deve ser destacada por se tratar de material radioativo não utilizado.
Na
segunda-feira, 8 dias depois do furto ter ocorrido, a CNEN comunicou que
localizou a coluna de Ge-68 (fonte) e que a coluna foi encontrada integra no
mesmo ferro-velho que vendeu das peças de chumbo para uma loja de baterias em
Itaquera. No comunicado a CNEN indicou que não houve rompimento do material,
dispersão ou contaminação.
Quais
foram as provas, as comprovações desse achado? Fotos do ferro-velho com a
coluna dentro de um baldem envolvida com a blindagem de chumbo?
Podemos
sim, colocar em descrédito a CNEN, por toda sua demonstração de
incompetência na divulgação dos fatos - demora, insuficiência nas informações
(características do veículo furtado cuja aproximação ofereceria riscos), falta
de clareza ao procurar ilustrar os fatos e suas consequências.
Vale
relembrar o sumiço de duas ampolas, cada uma com oito gramas de urânio
enriquecido, nas instalações das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em
Resende (RJ), em setembro de 2023, fato que foi “esquecido” pois até hoje não
se tem ideia do destino do urânio altamente radioativo, dada a omissão da CNEN.
Apesar
do que temos levantado neste artigo, acerca das incertezas e dúvidas que cercam
o roubo em questão, o comunicado do “achado” da CNEN desta segunda-feira
termina afirmando: “Com isso, a CNEN encerra essa ocorrência no âmbito de sua
competência”.
Como
assim? Encerra a ocorrência? Considerar o caso encerrado, apesar de ainda haver
material radioativo não encontrado – as quatro unidades contendo o Molibdênio
(99Mo), que é radioativo e perigoso para à saúde – consideradas pela CNEN como
“"sem apresentar riscos".
Por
fim, a terceira questão diz respeito à ausência de uma agência de regulação
das atividades nucleares no nosso país. A CNEN, criada em 1956, ainda
exerce as funções de estabelecer normas e regulamentos em proteção radiológica
e de ser responsável por regular, licenciar e fiscalizar a produção e a
utilização da energia nuclear no Brasil.
No
entanto, a CNEN também atua na operação de instalações nucleares e radiativas.
Ou seja, na estrutura atual a CNEN desempenha o papel da “raposa que toma conta
do galinheiro”, para utilizar uma prosaica citação popular.
Quanto
tempo ainda o país tem de esperar para que a Autoridade Nacional de Segurança
Nuclear (ANSN), criada em 15 de outubro de 2021 pela Lei nº 14.222, e
regulamentada em 21 de julho de 2022 por intermédio de Decreto nº 11.142, seja
efetivada para possibilitar que assuma concretamente sua atribuição de cuidar
dos aspectos regulatórios relacionados ao uso seguro das radiações ionizantes?
Para
tanto, é preciso ainda a aprovação dos nomes de seus dirigentes pelo Senado
Federal, por meio de sabatina na Comissão de Constituição e Justiça.
Quanto
tempo a população brasileira deverá ainda esperar para que o Senado Federal
inclua na sua pauta um assunto cuja importância parece não sensibilizar os
parlamentares?
A
existência de uma ANSN vai proporcionar que normas sejam criadas para que
furtos de material radioativo não ocorram mais por transporte em condições
inadequadas.
É
o que se espera! Fontes radioativas podem matar!
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CÉLIO
BERMANN - Doutor em Engenharia Mecânica na área de Planejamento de Sistemas
Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre em
Engenharia de Produção na área de Planejamento Urbano e Regional pela
COPPE/UFRJ e Professor Associado
3 do Instituto de
Energia e Ambiente da USP.
Em recente pronunciamento, na véspera da reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em 10/12/2024, onde se decidiria pela conclusão,
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