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Artigo

Amor: o principal ingrediente das receitas da vida!


Reginaldo Trindade - Gente de Opinião
Reginaldo Trindade

Desde junho, no máximo julho de 2023, que ele tencionava fazer aquilo.

Era algo bobo, trivial; mas que, para ele, teria um significado muito especial – também pelo seu ineditismo.

À semelhança de tantos, acostumara-se a querer agradar muito as pessoas, sobretudo as mais queridas, as únicas que tinham acesso ao seu refúgio/fortaleza (rectius: lar).

E, desde que rompido o cordão umbilical com a mãe, ainda no milênio passado, e também o que o ligara à ex-mulher, há quase cinco anos, ele passou a se aventurar na cozinha.

O objetivo era bem claro: tencionava aprender o básico para sobreviver no dia a dia, além de fazer alguns poucos pratos especiais, que pudessem ser cozidos em ocasiões mais especiais ainda.

Sonhava, na verdade, em relação ao último propósito, com algo que considerava uma das coisas mais românticas que, na sua compreensão, poderiam existir: um homem cozinhar para a mulher que ama!

Começou, então, a se aventurar na cozinha. O início foi naturalmente difícil. Numa vez chegou a demorar quase três horas para fazer uma omelete para amigos, o que rendeu e rende piadas, nem sempre justas, até hoje.

Em sua trajetória contou com a inestimável ajuda/torcida/inspiração/aula da namorada (e depois noiva/consorte). Aprendera um peixe com ela que, a despeito de sua simplicidade de preparo, ninguém ousara reclamar. Ainda!

Claro que sua maior e mais entusiasta “cliente” era a própria Amada ajudante/torcedora/musa inspiradora/professora. Ela nunca criticava suas realizações. Ao contrário, estava sempre estimulando-o e enaltecendo-o, fora o fato de ofertar-se, sempre, como cobaia para os experimentos do seu homem.

No entanto, em meia década nas andanças nem sempre doces pela cozinha, ele jamais se dignara a cozinhar para si mesmo algo especial. Aliás, não raro, fazia as coisas mais singelas possíveis.

Não que não amasse (gostasse de agradar) a si mesmo. Muito pelo contrário. Desenvolveu, ao longo da vida, um amor gigantesco por ele próprio – sentimento que foi muito refinado nos cinco anos em que esteve/está com a Amada.

Ele sofria, na verdade, de algo que acomete muitas pessoas: buscam agradar terceiros, mas raramente se preocupam com elas mesmas. O uso de louça especial, toalha mais bonita e nova ou mesmo a comida melhor, não raro, fica reservada para as visitas.

Então, no meado do ano findo ele resolvera mudar esse script.

Seria algo simbólico, quiçá único; mas que, para si, teria um peso gigantesco.

Naquela sexta-feira, a segunda do ano, que tanto prometia, ele resolvera realizar o seu sonho (O QUE É A VIDA SENÃO UM ETERNO REALIZAR DE SONHOS?). Talvez fosse uma “última” chance em que ele pudesse, naquele contexto, fazê-lo. Aprendera, numa vida inteira de muitas bênçãos, a agarrar todas as oportunidades que o universo lhe proporcionava.

Foi por isso que, mesmo que uma leve dor de cabeça tenha dado o ar de sua graça no final da tarde/início da noite, reflexo, de certo, de uma noite não muito bem dormida e da ausência do sagrado soninho pós almoço, não o impediu de executar o seu plano sonhado há mais de meio ano.

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Entre a atividade física matinal, quando teve a ideia, até a noite, meditou muito. E ali, na solidão nada solitária do recesso do seu apartamento, do seu coração, do seu pensamento, ele se pôs a divagar, quase devanear.

O primeiro pensamento foi o tanto que as pessoas não apreciam a sua própria companhia. Tem gente que é incapaz de ficar sozinho. Em silêncio e na quietude de seu coração (em silêncio, sem mexer em celular etc.) então, nem se fala! Ele, ao contrário, amava estar consigo mesmo. Ficaria assim por dias, semanas; aproveitando os livros, filmes, escrevendo…

As pessoas fogem muito de si mesmas. O trecho de uma música, ainda dos tempos de menino, martelou muito na cabeça dele no abençoado ano de 2023: EU NÃO VOU MAIS FUGIR DE MIM! E não fugia mais mesmo. Encarava seus medos, traumas, dores.

Mas, nem sempre fora assim.

Ele foi um eterno fugitivo de seus sofrimentos, os quais, não raro, só existiam na sua cabeça. Assim, para compensar supostos defeitos (de aparência, do que fosse), ele elevou seu sarrafo nas alturas e, simplesmente, colocou como meta ser o melhor em tudo que colocasse a mão por fazer.

Fosse no futebol de rua com os amigos (sim, naquela época, crianças e adolescentes de hoje, nós jogávamos bola na rua, em pleno asfalto!), fosse numa prova ou concurso, ele queria estar entre as cabeças, preferencialmente no lugar mais alto do pódio.

Nem sempre conseguia e às vezes até se frustrava, numa arrogância e soberba sem tamanho; mas, não é esse o ponto que se quer explorar, não. Ao menos, não agora.

Refere-se ao fato de que aquela característica de sua personalidade – dar o seu melhor em tudo que colocasse a mão por fazer a fim de compensar seus traumas, medos, inseguranças –, embora lhe tenha sido muito útil ao longo da vida (deve seus sucessos todos à sua determinação), na verdade serviu foi para mascarar uma vida inteira de sofrimento.

Ele sofria demais. Sofria pelas coisas mais mínimas, mais ínfimas, coisas que, se não em todas, em nove vezes em dez, só existiam na sua cabeça e coração. Ele não tinha sequer maturidade/conhecimento/coragem para tratar disso.

E o lixo emocional foi se avolumando.

Até que sobreveio a época mais desafiadora de sua vida.

Fora acometido de uma depressão que o afligiu por bem mais de meia década!

Posso estar enganado (infelizmente, ainda não tenho conhecimento suficiente de psicologia, psiquiatria, do que for) para afirmar isso, é apenas um feeling, mas a impressão é que a depressão nunca existe só por si.

Vou tentar ser mais claro. Como a luz do dia.

As tragédias em nossas vidas nunca desencadeiam, só por si, um quadro depressivo grave (como ele considerara que fora o seu). Até porque, no máximo na adolescência, nós sabemos que enfrentaremos dores na vida. Sabemos que perderemos pessoas queridas, para ficar em exemplo único.

O luto faz parte. Mas, uma tragédia, seja ela qual for (a perda de um ente querido, um relacionamento importante desfeito, uma traição), só nos colocará de joelhos frente ao Mal do Séculos se outros fatores pesarem na balança.

E ele tinha muitos outros fatores. Aliás, ele tinha todos os fatores que se pudesse arrolar….

E continuou devaneando….

E, quanto mais ele pensava, mais o seu pensamento ia além. E pensou tanto, mais tanto; pensou tanto na vida abençoada que levava, na VIDA ABENÇOADA QUE O SENHOR LHE PERMITIA LEVAR….

E os pensamentos iam e vinham…. Delirava…. E se deliciava com tudo aquilo! Até que, volta e meia, pensava na namorada/noiva/esposa…. Pensava nela com tanto amor! ensava como pessoa que sonhara e continuava sonhando, em muito, em ser a mulher com a qual ele amaria envelhecer…

E, nesses devaneios, não perguntem o porquê porque agora não há, nesse texto confuso e estranho, a mais mínima hipótese de explicar, até porque ele ficaria mais confuso ainda e muito mais gigantesco que já está, chegou a Fernando Pessoa.

Então, um verso imediato lhe veio à cabeça. Um verso que alguns dizem nem ser dele. Não importa. O verso fala por si. Era um verso ainda do início do romance, que segue na íntegra:

Enquanto não superarmos a ânsia do amor sem limites, não podemos crescer emocionalmente.Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um.”

Ele foi pesquisar um mínimo sobre Fernando Pessoa para saber se ele era mesmo um poeta (digo, se poderia anunciá-lo assim; se a primeira qualificação dele poderia ser assim nominada), daí soube que ele escrevera, não só usando o próprio nome, mas sob pseudônimos diversos, um dos quais, inclusive, já lhe era até conhecido.

Mas, sob outro apelido (Alberto Caeiro), ele escrevera algo muito interessante: um epitáfio!, que segue, também….

Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,

Não há nada mais simples

Tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte.

Entre uma e outra todos os dias são meus.”

Todos nós deveríamos pensar e, sobretudo, agir assim. Ao mundo só importa/pertence quando nascemos e morremos. O resto de nossas vidas incumbe a nós. Incumbe-nos a tarefa mais relevante que norteia nossa existência neste plano: buscar sermos pessoas melhores.

E a melhor notícia que se poderia dar é que a cada manhã renasce a esperança, fruto tão doce de nova oportunidade, de colocar mais um tijolinho, por menor que seja, nessa gigantesca e maravilhosa trajetória que se chama viver.

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Findos os devaneios, ao menos neste escrito, saíra do mercado entre 18 e 19 horas e voltara para casa. A preguiça e tudo o mais rondava a sua cabeça. A tentação de meramente requentar o que havia do almoço ou mesmo comer qualquer besteira era imensa. Talvez tudo isso tenha sido disfarçado de dor de cabeça.

Um livro mágico que estava lendo (Nunca é hora de parar), de um negro extraordinário que, dentre os tantos feitos, é o recordista mundial do Guinness por ter feito 4.030 repetições na barra fixa em 17 horas, acabou servindo de combustível para não se deixar abater definitivamente.

Um banho e estava pronto para fazer o tal prato especial.

Preparou com esmero como se fosse receber a rainha (agora rei) da Grã-Bretanha.

Aprendera com a Amada uma lição que seguia à risca: não basta que o prato fique saboroso; é igualmente necessário que ele esteja bonito. A estética conta muito, “quase tanto” quanto o sabor.

Então, pegara as louças mais bonitas que possuía, que nem eram tão bonitas/finas assim. Aliás, depois que visitara dois ou três amigos, caíra na real acerca do tanto que era brega e o tanto que carecia de louças melhores.

Em bem menos tempo que o gasto na omelete para os amigos e a boia estava servida. Mais um banho, desta feita só para tirar o suor/cheiro, e ele já poderia jantar. Ainda pensou em se produzir todo para a ocasião, colocando uma roupa melhor, mas aí rapidamente constatou que seria frescura demais, até mesmo para os seus padrões.

A comida, tirante o fato de a picanha ter ficado crua (os apreciadores da carne em sangue amariam!) e a circunstância de quase ter destruído a cozinha, até que não ficou muito ruim, não. Fosse como se fosse, ele, como chef, talvez desse para um bom contador de histórias.

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A experiência foi válida. E como foi! Sentira-se prestigiado, poderoso, amado!!!! Amado pela pessoa mais importante e especial da vida, por quem ele mais deveria ser amado. A única pessoa com a qual ele, acontecesse o que acontecesse, fosse onde e aonde fosse, deveria conviver para sempre: ele mesmo!!!!!!

Aprendera, nas bonanças e tempestades da vida, a tentar extrair o melhor possível de todos acontecimentos. Tudo que lhe acontecesse, por mais doloroso que fosse, teria, ao menos, o condão de ensiná-lo alguma coisa.

Desde quando aprendeu essa lição, pouco tempo antes, a vida começara a ficar bem mais leve ou, para usar um vocabulário mais adequado ao cardápio do dia, bem menos amarga.

O fato é que temos que saborear a vida exatamente como ela é, com seus encantos e desencantos.

Em praticamente meio século de existência ele tinha o luxo/prazer/graça/dádiva/bênção de poder fazer tudo na vida com AMOR.

E fazia mesmo!

Do visitar um amigo severamente enfermo no hospital a mandar uma singela mensagem via celular, ele fazia TUDO com e por AMOR.

Instintivamente, então, ele estava seguindo a receita que constava de uma placa bem bonitinha em sua cozinha e que estava gravada, mais luminosamente ainda, em seu coração: AMOR, O PRINCIPAL INGREDIENTE DAS RECEITAS DA VIDA!

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Ficara tão feliz com o seu feito que resolvera dar a notícia de sua realização nas redes sociais, expediente do qual, embora comum, ele sempre fora um crítico severo.

Não que fosse contra fotografias bonitas de pessoas felizes viajando, comendo e bebendo bem; mas, porque o expediente servia para alimentar, ainda mais, a competição selvagem entre seres humanos; confundir a felicidade com alegrias passageiras e prazeres voláteis; além de, o que é mais grave, mascarar nossas dores.

O mundo “perfeito” das redes sociais é um lugar onde não cabe falar de depressão e suicídio. Pessoas como ele – e são muitas pessoas como ele mundo afora; milhões (bilhões?) em todo o globo – não são bem-vindas.

No entanto, por mais doloroso que seja, nós temos que falar de depressão, de sofrimento e até de suicídio e isso por uma singelíssima razão: tem muita gente padecendo disso.

Seja como for, reconheça-se que este é um assunto muito mais denso e, de certo, importante; a demandar, por isso mesmo, uma reflexão mais acurada, que deverá ser feita no tempo certo. No Tempo de Deus…

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E assim foi aquela segunda sexta-feira do mágico 2024.

Foi uma noite absoluta e absurdamente especial. Tirante a noite da virada, talvez a mais especial que pudera desfrutar. Até então.

Poderia ter convidado alguns amigos que, de tão próximos, tão íntimos, tão amigos, ele chamava, generosamente, de AMIGOS/IRMÃOS; poderia ter chamado parentes, especialmente seus amados irmãos, os quais não via há tanto tempo e que tanto amava desde sempre; poderia, ainda, ter chamado o seu amado caçula, companhia sempre agradabilíssima e um ser humano único; finalmente, ainda poderia e talvez até devesse ter convidado Sua Amada, a qual, com certeza, teria tornado a noite, em si mesma mágica, ainda mais especial, absolutamente inesquecível….

Não chamou ninguém. Desfrutou de tudo sozinho, na quietude do seu coração e dos seus melhores pensamentos e sonhos. Sem celular, nem quaisquer outras distrações. Só ele. E Deus, que esteve/está sempre consigo…

 

REGINALDO TRINDADE

Procurador da República. Pós-Graduado em Direito Constitucional. Membro da Academia Rondoniense de Letras. Idealizador da Caravana da Esperança, do Bazar da Solidariedade, do Movimento Farol da Esperança – Resgatando Vidas! e do Movimento dos Depressivos Conhecidos – O Amor curando a Alma! Doador do Médico sem Fronteiras, do Greenpeace e do UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. Membro do Grupo de Voluntários Ajudar. Colaborador da Associação Pestalozzi, da Casa Família Rosetta, da Associação Acolhedora Vencendo Gigantes (outrora Confrontando Gigantes) e Associação Luz do Alvorecer. Atleta convocado para a Seleção Brasileira de Handebol Master 49+ que disputou a Copa América em novembro/23. Ser humano abençoado e em construção. Servo de Deus.

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