Segunda-feira, 15 de janeiro de 2024 - 09h10
Desde
junho, no máximo julho de 2023, que ele tencionava fazer aquilo.
Era
algo bobo, trivial; mas que, para ele, teria um significado muito especial –
também pelo seu ineditismo.
À semelhança
de tantos, acostumara-se a querer agradar muito as pessoas, sobretudo as mais
queridas, as únicas que tinham acesso ao seu refúgio/fortaleza (rectius:
lar).
E,
desde que rompido o cordão umbilical com a mãe, ainda no milênio passado, e
também o que o ligara à ex-mulher, há quase cinco anos, ele passou a se
aventurar na cozinha.
O
objetivo era bem claro: tencionava aprender o básico para sobreviver no dia a
dia, além de fazer alguns poucos pratos especiais, que pudessem ser cozidos em
ocasiões mais especiais ainda.
Sonhava,
na verdade, em relação ao último propósito, com algo que considerava uma das
coisas mais românticas que, na sua compreensão, poderiam existir: um homem
cozinhar para a mulher que ama!
Começou,
então, a se aventurar na cozinha. O início foi naturalmente difícil. Numa vez
chegou a demorar quase três horas para fazer uma omelete para amigos, o que
rendeu e rende piadas, nem sempre justas, até hoje.
Em sua
trajetória contou com a inestimável ajuda/torcida/inspiração/aula da namorada
(e depois noiva/consorte). Aprendera um peixe com ela que, a despeito de sua
simplicidade de preparo, ninguém ousara reclamar. Ainda!
Claro
que sua maior e mais entusiasta “cliente” era a própria Amada
ajudante/torcedora/musa inspiradora/professora. Ela nunca criticava suas
realizações. Ao contrário, estava sempre estimulando-o e enaltecendo-o, fora o
fato de ofertar-se, sempre, como cobaia para os experimentos do seu homem.
No
entanto, em meia década nas andanças nem sempre doces pela cozinha, ele jamais
se dignara a cozinhar para si mesmo algo especial. Aliás, não raro, fazia as
coisas mais singelas possíveis.
Não
que não amasse (gostasse de agradar) a si mesmo. Muito pelo contrário.
Desenvolveu, ao longo da vida, um amor gigantesco por ele próprio – sentimento
que foi muito refinado nos cinco anos em que esteve/está com a Amada.
Ele
sofria, na verdade, de algo que acomete muitas pessoas: buscam agradar
terceiros, mas raramente se preocupam com elas mesmas. O uso de louça especial,
toalha mais bonita e nova ou mesmo a comida melhor, não raro, fica reservada
para as visitas.
Então,
no meado do ano findo ele resolvera mudar esse script.
Seria
algo simbólico, quiçá único; mas que, para si, teria um peso gigantesco.
Naquela
sexta-feira, a segunda do ano, que tanto prometia, ele resolvera realizar o seu
sonho (O QUE É A VIDA SENÃO UM ETERNO REALIZAR DE SONHOS?). Talvez fosse
uma “última” chance em que ele pudesse, naquele contexto, fazê-lo. Aprendera,
numa vida inteira de muitas bênçãos, a agarrar todas as oportunidades que o
universo lhe proporcionava.
Foi
por isso que, mesmo que uma leve dor de cabeça tenha dado o ar de sua graça no
final da tarde/início da noite, reflexo, de certo, de uma noite não muito bem
dormida e da ausência do sagrado soninho pós almoço, não o impediu de executar
o seu plano sonhado há mais de meio ano.
____________
Entre
a atividade física matinal, quando teve a ideia, até a noite, meditou muito. E
ali, na solidão nada solitária do recesso do seu apartamento, do seu
coração, do seu pensamento, ele se pôs a divagar, quase devanear.
O
primeiro pensamento foi o tanto que as pessoas não apreciam a sua própria
companhia. Tem gente que é incapaz de ficar sozinho. Em silêncio e na quietude
de seu coração (em silêncio, sem mexer em celular etc.) então, nem se fala!
Ele, ao contrário, amava estar consigo mesmo. Ficaria assim por dias, semanas;
aproveitando os livros, filmes, escrevendo…
As
pessoas fogem muito de si mesmas. O trecho de uma música, ainda dos tempos de
menino, martelou muito na cabeça dele no abençoado ano de 2023: EU NÃO VOU
MAIS FUGIR DE MIM! E não fugia mais mesmo. Encarava seus medos, traumas,
dores.
Mas,
nem sempre fora assim.
Ele
foi um eterno fugitivo de seus sofrimentos, os quais, não raro, só existiam na
sua cabeça. Assim, para compensar supostos defeitos (de aparência, do que
fosse), ele elevou seu sarrafo nas alturas e, simplesmente, colocou como meta
ser o melhor em tudo que colocasse a mão por fazer.
Fosse
no futebol de rua com os amigos (sim, naquela época, crianças e adolescentes de
hoje, nós jogávamos bola na rua, em pleno asfalto!), fosse numa prova ou
concurso, ele queria estar entre as cabeças, preferencialmente no lugar mais
alto do pódio.
Nem
sempre conseguia e às vezes até se frustrava, numa arrogância e soberba sem
tamanho; mas, não é esse o ponto que se quer explorar, não. Ao menos, não
agora.
Refere-se
ao fato de que aquela característica de sua personalidade – dar o seu melhor em
tudo que colocasse a mão por fazer a fim de compensar seus traumas, medos,
inseguranças –, embora lhe tenha sido muito útil ao longo da vida (deve seus
sucessos todos à sua determinação), na verdade serviu foi para mascarar uma
vida inteira de sofrimento.
Ele
sofria demais. Sofria pelas coisas mais mínimas, mais ínfimas, coisas que, se
não em todas, em nove vezes em dez, só existiam na sua cabeça e coração. Ele
não tinha sequer maturidade/conhecimento/
E o
lixo emocional foi se avolumando.
Até que
sobreveio a época mais desafiadora de sua vida.
Fora
acometido de uma depressão que o afligiu por bem mais de meia década!
Posso
estar enganado (infelizmente, ainda não tenho conhecimento suficiente de
psicologia, psiquiatria, do que for) para afirmar isso, é apenas um feeling,
mas a impressão é que a depressão nunca existe só por si.
Vou
tentar ser mais claro. Como a luz do dia.
As
tragédias em nossas vidas nunca desencadeiam, só por si, um quadro depressivo
grave (como ele considerara que fora o seu). Até porque, no máximo na
adolescência, nós sabemos que enfrentaremos dores na vida. Sabemos que
perderemos pessoas queridas, para ficar em exemplo único.
O luto
faz parte. Mas, uma tragédia, seja ela qual for (a perda de um ente querido, um
relacionamento importante desfeito, uma traição), só nos colocará de joelhos
frente ao Mal do Séculos se outros fatores pesarem na balança.
E ele
tinha muitos outros fatores. Aliás, ele tinha todos os fatores que se pudesse
arrolar….
E
continuou devaneando….
E, quanto
mais ele pensava, mais o seu pensamento ia além. E pensou tanto, mais
tanto; pensou tanto na vida abençoada que levava, na VIDA ABENÇOADA QUE O
SENHOR LHE PERMITIA LEVAR….
E os
pensamentos iam e vinham…. Delirava…. E se deliciava com tudo aquilo! Até
que, volta e meia, pensava na namorada/noiva/esposa…. Pensava nela com tanto
amor! ensava como pessoa que sonhara e continuava sonhando, em muito, em ser a
mulher com a qual ele amaria envelhecer…
E,
nesses devaneios, não perguntem o porquê porque agora não há, nesse texto
confuso e estranho, a mais mínima hipótese de explicar, até porque ele ficaria
mais confuso ainda e muito mais gigantesco que já está, chegou a Fernando
Pessoa.
Então,
um verso imediato lhe veio à cabeça. Um verso que alguns dizem nem ser dele.
Não importa. O verso fala por si. Era um verso ainda do início do romance, que
segue na íntegra:
“Enquanto não superarmos a ânsia do amor sem limites, não
podemos crescer emocionalmente.Enquanto não atravessarmos a dor de nossa
própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a
dois, antes, é necessário ser um.”
Ele
foi pesquisar um mínimo sobre Fernando Pessoa para saber se ele era mesmo um
poeta (digo, se poderia anunciá-lo assim; se a primeira qualificação dele
poderia ser assim nominada), daí soube que ele escrevera, não só usando o
próprio nome, mas sob pseudônimos diversos, um dos quais, inclusive, já lhe era
até conhecido.
Mas, sob
outro apelido (Alberto Caeiro), ele escrevera algo muito interessante: um
epitáfio!, que segue, também….
“Se depois
de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há
nada mais simples
Tem só
duas datas – a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma
e outra todos os dias são meus.”
Todos
nós deveríamos pensar e, sobretudo, agir assim. Ao mundo só importa/pertence
quando nascemos e morremos. O resto de nossas vidas incumbe a nós. Incumbe-nos
a tarefa mais relevante que norteia nossa existência neste plano: buscar sermos
pessoas melhores.
E a
melhor notícia que se poderia dar é que a cada manhã renasce a esperança, fruto
tão doce de nova oportunidade, de colocar mais um tijolinho, por menor que
seja, nessa gigantesca e maravilhosa trajetória que se chama viver.
_______________
Findos
os devaneios, ao menos neste escrito, saíra do mercado entre 18 e 19 horas e
voltara para casa. A preguiça e tudo o mais rondava a sua cabeça. A tentação de
meramente requentar o que havia do almoço ou mesmo comer qualquer besteira era
imensa. Talvez tudo isso tenha sido disfarçado de dor de cabeça.
Um
livro mágico que estava lendo (Nunca é hora de parar), de um negro
extraordinário que, dentre os tantos feitos, é o recordista mundial do Guinness
por ter feito 4.030 repetições na barra fixa em 17 horas, acabou servindo de
combustível para não se deixar abater definitivamente.
Um
banho e estava pronto para fazer o tal prato especial.
Preparou
com esmero como se fosse receber a rainha (agora rei) da Grã-Bretanha.
Aprendera
com a Amada uma lição que seguia à risca: não basta que o prato fique saboroso;
é igualmente necessário que ele esteja bonito. A estética conta muito, “quase
tanto” quanto o sabor.
Então,
pegara as louças mais bonitas que possuía, que nem eram tão bonitas/finas
assim. Aliás, depois que visitara dois ou três amigos, caíra na real acerca do
tanto que era brega e o tanto que carecia de louças melhores.
Em bem
menos tempo que o gasto na omelete para os amigos e a boia estava servida. Mais
um banho, desta feita só para tirar o suor/cheiro, e ele já poderia jantar.
Ainda pensou em se produzir todo para a ocasião, colocando uma roupa melhor,
mas aí rapidamente constatou que seria frescura demais, até mesmo para os seus
padrões.
A comida,
tirante o fato de a picanha ter ficado crua (os apreciadores da carne em sangue
amariam!) e a circunstância de quase ter destruído a cozinha, até que não ficou
muito ruim, não. Fosse como se fosse, ele, como chef, talvez desse para
um bom contador de histórias.
_________________________
A
experiência foi válida. E como foi! Sentira-se prestigiado, poderoso, amado!!!!
Amado pela pessoa mais importante e especial da vida, por quem ele mais deveria
ser amado. A única pessoa com a qual ele, acontecesse o que acontecesse, fosse
onde e aonde fosse, deveria conviver para sempre: ele mesmo!!!!!!
Aprendera,
nas bonanças e tempestades da vida, a tentar extrair o melhor possível de todos
acontecimentos. Tudo que lhe acontecesse, por mais doloroso que fosse, teria,
ao menos, o condão de ensiná-lo alguma coisa.
Desde
quando aprendeu essa lição, pouco tempo antes, a vida começara a ficar bem mais
leve ou, para usar um vocabulário mais adequado ao cardápio do dia, bem menos
amarga.
O fato
é que temos que saborear a vida exatamente como ela é, com seus encantos e
desencantos.
Em
praticamente meio século de existência ele tinha o luxo/prazer/graça/dádiva/
E
fazia mesmo!
Do
visitar um amigo severamente enfermo no hospital a mandar uma singela mensagem
via celular, ele fazia TUDO com e por AMOR.
Instintivamente,
então, ele estava seguindo a receita que constava de uma placa bem bonitinha em
sua cozinha e que estava gravada, mais luminosamente ainda, em seu coração: AMOR,
O PRINCIPAL INGREDIENTE DAS RECEITAS DA VIDA!
____________________
Ficara
tão feliz com o seu feito que resolvera dar a notícia de sua realização nas
redes sociais, expediente do qual, embora comum, ele sempre fora um crítico
severo.
Não
que fosse contra fotografias bonitas de pessoas felizes viajando, comendo e
bebendo bem; mas, porque o expediente servia para alimentar, ainda mais, a
competição selvagem entre seres humanos; confundir a felicidade com alegrias
passageiras e prazeres voláteis; além de, o que é mais grave, mascarar nossas
dores.
O
mundo “perfeito” das redes sociais é um lugar onde não cabe falar de depressão
e suicídio. Pessoas como ele – e são muitas pessoas como ele mundo afora;
milhões (bilhões?) em todo o globo – não são bem-vindas.
No
entanto, por mais doloroso que seja, nós temos que falar de depressão, de
sofrimento e até de suicídio e isso por uma singelíssima razão: tem muita gente
padecendo disso.
Seja como
for, reconheça-se que este é um assunto muito mais denso e, de certo,
importante; a demandar, por isso mesmo, uma reflexão mais acurada, que deverá
ser feita no tempo certo. No Tempo de Deus…
____________________
E
assim foi aquela segunda sexta-feira do mágico 2024.
Foi
uma noite absoluta e absurdamente especial. Tirante a noite da virada, talvez a
mais especial que pudera desfrutar. Até então.
Poderia
ter convidado alguns amigos que, de tão próximos, tão íntimos, tão amigos, ele
chamava, generosamente, de AMIGOS/IRMÃOS; poderia ter chamado parentes,
especialmente seus amados irmãos, os quais não via há tanto tempo e que tanto
amava desde sempre; poderia, ainda, ter chamado o seu amado caçula, companhia
sempre agradabilíssima e um ser humano único; finalmente, ainda poderia e
talvez até devesse ter convidado Sua Amada, a qual, com certeza, teria tornado
a noite, em si mesma mágica, ainda mais especial, absolutamente inesquecível….
Não
chamou ninguém. Desfrutou de tudo sozinho, na quietude do seu coração e dos
seus melhores pensamentos e sonhos. Sem celular, nem quaisquer outras
distrações. Só ele. E Deus, que esteve/está sempre consigo…
REGINALDO TRINDADE
Procurador
da República. Pós-Graduado em Direito Constitucional. Membro da Academia Rondoniense
de Letras. Idealizador da Caravana da Esperança, do Bazar da Solidariedade, do
Movimento Farol da Esperança – Resgatando Vidas! e do Movimento dos Depressivos
Conhecidos – O Amor curando a Alma! Doador do Médico sem Fronteiras, do Greenpeace
e do UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. Membro do Grupo de
Voluntários Ajudar. Colaborador da Associação Pestalozzi, da Casa Família
Rosetta, da Associação Acolhedora Vencendo Gigantes (outrora Confrontando
Gigantes) e Associação Luz do Alvorecer. Atleta convocado para a Seleção
Brasileira de Handebol Master 49+ que disputou a Copa América em novembro/23.
Ser humano abençoado e em construção. Servo de Deus.
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