Quarta-feira, 3 de janeiro de 2024 - 11h50
Ao
iniciarmos o Ano-Novo, cuja palavra veio do francês e significa “despertar” ou
“acordar”, em referência à nova etapa de vida que se inicia, é tempo de
pensarmos sobre a vda em sua plenitude em todos os setores: viver e deixar
viver.
A reflexão nos faz lembrar que se comemora neste ano o cinquentenário do
lançamento da música escrita por Linda e Paul McCartney, no título
original em inglês Live and Let Die, que significa, viva e deixe morrer.
A essência da letra fala sobre a mudança de perspectiva diante da vida e
suas adversidades.
A letra deixa claro que, de início, você e eu dizíamos viva e deixe
viver. Porém, agora, deveríamos dizer viva e deixe morrer.
Gosto da música, assim como do filme, cujo roteiro foi magistralmente
elaborado por Tom Mankiewicz.
Como encarar essa assertiva: viva e deixe viver. Se tivermos o coração
que opere com um livro aberto, e um dos primeiros versos da música aponta para
esse modo de ser, prosseguiremos agindo e querendo viver e deixar que os outros
vivam. Em consequência, você fará o teu trabalho muito bem-feito, tão perfeito
que se confundirá com a beleza da criação, vale dizer, do mar, da terra, do sol
e das constelações.
Ocorre que este mundo de constantes mudanças, por vezes nos impõe
rendições. Nos rendemos ao consumismo; nos rendemos ao comodismo, ao
amor-próprio e aos outros ismos, cuja síntese cabal é o egoísmo.
E você e eu iremos chorar, porque nosso coração se fechou.
Ai a tentação será a de dizermos, como Linda e Paul: viva e deixe
morrer.
Continuemos com a alegoria, agora a do filme.
O que atrai, desgraçadamente, parte significativa das pessoas, a ponto
de se transformar o ser num não ser e o mote fatal pode até chegar ao morra e
deixe morrer, com a precipitação para o nada.
O filme quer a morte da droga; do produtor e do traficante.
Para tanto, podem ser necessários feitiços, revelações do tarô, e neste
jogo de adivinhação, a única carta que deve existir é: a carta do amor.
A carta do amor – note bem, estou reescrevendo o roteiro do filme e
reinterpretando a música, sem nenhuma licença poética, consoante a lição de
Ziraldo: livre pensar é só pensar – nos proporá, de novo, viva e deixe viver.
Você quer voltar às páginas do livro aberto que impõe pleno sentido à tua
existência e à dos demais.
Não seja contaminado pela cultural de morte.
Lute pela vida em todas as suas expressões. É o próprio Deus quem diz:
eu vim para que todos tenham vida. E vida em plenitude. Vida em abundância.
Seja essa a mensagem central para o ano de 2024 que se inicia dentro em breve.
E, ainda segundo a expressão das escrituras: escolhe, pois, a vida.
Viva e deixe viver, exigindo dignidade para todos.
A dignidade é sintetizada pela Constituição do Brasil que enuncia, como
primeiro direito, a própria vida.
Ademais, a dignidade exige os elementares direitos que compõe o mínimo
existencial: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
Vamos lá: começando de traz para a frente.
Assistência aos desamparados. Viva e deixe viver aqueles milhares que
estão em situação de rua, brutalmente perseguidos por serem pobres. E a moradia
que lhes é devida, em termos constitucionais?
Viva e deixe viver os que passam fome. Você também os encontra a cada
esquina. São contados aos milhões num país que bate records a cada ano
na produção de alimentos.
Viva e deixe viver as mulheres, vítimas de discriminação e violência em
todos os quadrantes da sua existência, e a quem incumbe o bem da maternidade.
Que sejam cercadas de todos os cuidados nesse evento apto a manter a
continuidade cósmica.
Viva e deixe viver a infância, que não pode ser considerada viva sem
cuidados essenciais aptos a dignificá-la. Cuidados que não podem se limitar à
merenda, razão elementar que as leva à escola.
Cuidados com a qualidade dos conteúdos ministrados na escola. Cuidados
com o material escolar, que há de ser ferramenta de conhecimento e não fermento
de discórdias descabidas.
Viva com saúde e que o sistema único de saúde seja dotado de recursos
suficientes para atender aos desafios que crescerão cada vez mais, dos quais a
pandemia recente foi alerta que não pode deixar de ter consequências
estruturais e funcionais.
Viva com previdência social garantidora dos direitos e não sujeita a
mudanças a cada governo que passa, com consequente frustração de legitimas
expectativas.
Viva com trabalho, valor social essencial, mediante a busca incessante
da meta constitucional do pleno emprego.
E que o viva e deixe viver seja estendido, como refrão totalizante,
igualmente à flora, à fauna, que não podem morrer sem trágicas consequências
para todos.
Confie na dimensão cósmica das existências.
Em 2024 viva e deixe viver!
*Wagner Balera
Coordenador
do Núcleo de Estudos de Doutrina Social, Faculdade de Direito da PUC-SP.
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