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Cartas de Amor


Cartas de Amor - Gente de Opinião

Para nós que vivenciamos, há muitos anos, o mundo da literatura, é sempre motivo de orgulho e satisfação perceber o brilho nos olhos de um neófito das artes literárias e vê-lo se locomovendo entres os vocábulos e seus significados, se deliciando com as figuras de linguagem, no embalo da fabulação, tal qual um principiante das artes plásticas, ao se deparar com uma tela onde tenha que imprimir suas emoções, escolhendo os pincéis certos, os tipos de tinta de boa qualidade e a mistura das cores, adequados a um resultado final satisfatório.

Esta é uma cena cada vez mais difícil de se encontrar, escritores, principalmente poetas, estão em processo de extinção. As editoras e livrarias estão fechando as portas e a maioria dos livros só são encontrados em formato e-book. No futuro, o conhecimento, inclusive a ficção artificial, serão condensados em chips e inseridos no cérebro, físico ou virtual.

Lembro da minha primeira vez na poesia, era pra ser ofertada a uma possível namorada, caprichei nas exclamações; estava na casa dos doze anos, BV deslumbrado com o modernismo e a desnecessária utilização de rimas; ginasiano com os hormônios aflorando os desejos; cada palavra usada revestia-se de um significado especial, como se eu estivesse em processo de desnudamento diante do sexo oposto:

 

VOCÊ

Encontrei-me,

Vi!!!

Realizei-me,

Achei!!!

Como um espectro no tempo,

Como um mendigo ao relento,

Vivia em constante busca.

Gritei por um abraço,

Encontrei a vida!!!

Surpreendi-me no paraíso:

Você!!!

Você é existência,

Resumo de acalanto,

Começo e resto de vida,

Somos!!!              

Impossível resistir a tantas exclamações, quando elas revestiam as palavras de amor e simplicidade, acompanhando o gestual do olhar, o balançar dos braços, embalando o corpo, o sorriso de quem implora pela sua cara metade, a lucidez luminosa e pura de quem pensa grande. Perdi então a virgindade da boca (BV) e o medo de me expressar, por mais ridículos que fossem meus versinhos de antanho.

A primeira de muitas conquistas serviu-me de lição: aprendi que o amor não tem pudor literário, palavras, por mais absurdas que fossem, se saíssem de dentro, reverberando sentimentos, seriam valorizadas como se vindas de um grande poeta e aceitas como expressão corporal, similar à dança colorida do acasalamento de muitos dos nossos pássaros amazônicos.

Se bem que, em determinados momentos da paquera, o amor não cegava apenas o sexo masculino, ambos se comportavam feito analfabetos funcionais e pinçavam as palavras escritas em bilhetinhos, cartas ou em textos pretensamente poéticos – encontro, toque, amor, beijo, união, namoro, – como se essas palavra tivessem sabor e luz próprios, e não precisassem de outras para que existisse um contexto.

Os sinais da escrita perdiam da linguagem do olhar, embora o ato de fazer e a leitura compassada de uma carta de amor interferissem no sistema nervoso dos possíveis namorados. Hoje, com a evolução psicológica a ditar novas lições comportamentais e com tantos brinquedinhos eletrônicos a interferirem na comunicação, já não sei como a juventude pensa e se comporta, ou se os dotes poéticos experimentais possuem alguma valia na conquista do outro.

Pelo que vejo, salvo raras exceções, o tipo de celular que o(a) possível namorado(a) usa, vale mais do que qualquer poesia. As palavras poéticas estão perdendo o encanto para os emojis. A tecnologia está substituindo o sensível do humano, como se apontando um futuro imaterial, artificial, isso me preocupa, embora saiba que não estarei aqui pra ver. A mim me preocupa esse admirável e insensível novo mundo que aponta no horizonte…

A imagem de uma maçã mordida, impressa no verso de um iphone, seguida de uma selfie, com olhar tímido, e um monossílabo vamo?”, no WhatsApp, Twitter ou Instagram, enriquecido de emojis sugestivos, são mais poéticos do que qualquer declaração de amor à antiga, e pode funcionar como um convite para sair, jantar, ficar, ou até se juntar.

O que diria Álvaro de Campos ou o próprio Fernando Pessoa sobre essas cenas contemporâneas ridículas? Seriam elas tão ridículas a ponto de merecerem uma poesia do maior vate português? A isso, a contragosto, chamamos evolução dos tempos. Infelizmente a maioria dos jovens de hoje sequer ouviu falar de Fernando Pessoa, muito menos de Álvaro de Campos.

Resta a saudade de um tempo em que palavras ridículas de amor eram lidas com lágrimas nos olhos e o coração disparado, em arritmia gostosa de se sentir. Para um heterônimo de Fernando Pessoa, “As cartas de amor, se há amor, tem de ser ridículas. Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas.”

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