Sábado, 6 de junho de 2020 - 13h28
Para
nós que vivenciamos, há muitos anos, o mundo da literatura, é sempre motivo de
orgulho e satisfação perceber o brilho nos olhos de um neófito das artes
literárias e vê-lo se locomovendo entres os vocábulos e seus significados, se
deliciando com as figuras de linguagem, no embalo da fabulação, tal qual um
principiante das artes plásticas, ao se deparar com uma tela onde tenha que
imprimir suas emoções, escolhendo os pincéis certos, os tipos de tinta de boa
qualidade e a mistura das cores, adequados a um resultado final satisfatório.
Esta é
uma cena cada vez mais difícil de se encontrar, escritores, principalmente
poetas, estão em processo de extinção. As editoras e livrarias estão fechando
as portas e a maioria dos livros só são encontrados em formato e-book. No
futuro, o conhecimento, inclusive a ficção artificial, serão condensados em
chips e inseridos no cérebro, físico ou virtual.
Lembro
da minha primeira vez na poesia, era pra ser ofertada a uma possível namorada, caprichei
nas exclamações; estava na casa dos doze anos, BV deslumbrado com o modernismo
e a desnecessária utilização de rimas; ginasiano com os hormônios aflorando os
desejos; cada palavra usada revestia-se de um significado especial, como se eu
estivesse em processo de desnudamento diante do sexo oposto:
VOCÊ
Encontrei-me,
Vi!!!
Realizei-me,
Achei!!!
Como um espectro no tempo,
Como um mendigo ao relento,
Vivia em constante busca.
Gritei por um abraço,
Encontrei a vida!!!
Surpreendi-me no paraíso:
Você!!!
Você é existência,
Resumo de acalanto,
Começo e resto de vida,
Somos!!!
Impossível
resistir a tantas exclamações, quando elas revestiam as palavras de amor e
simplicidade, acompanhando o gestual do olhar, o balançar dos braços, embalando
o corpo, o sorriso de quem implora pela sua cara metade, a lucidez luminosa e
pura de quem pensa grande. Perdi então a virgindade da boca (BV) e o medo de me
expressar, por mais ridículos que fossem meus versinhos de antanho.
A
primeira de muitas conquistas serviu-me de lição: aprendi que o amor não tem
pudor literário, palavras, por mais absurdas que fossem, se saíssem de dentro,
reverberando sentimentos, seriam valorizadas como se vindas de um grande poeta
e aceitas como expressão corporal, similar à dança colorida do acasalamento de
muitos dos nossos pássaros amazônicos.
Se bem
que, em determinados momentos da paquera, o amor não cegava apenas o sexo
masculino, ambos se comportavam feito analfabetos funcionais e pinçavam as
palavras escritas em bilhetinhos, cartas ou em textos pretensamente poéticos – encontro,
toque, amor, beijo, união, namoro, – como se essas palavra tivessem sabor e
luz próprios, e não precisassem de outras para que existisse um contexto.
Os
sinais da escrita perdiam da linguagem do olhar, embora o ato de fazer e a
leitura compassada de uma carta de amor interferissem no sistema nervoso dos
possíveis namorados. Hoje, com a evolução psicológica a ditar novas lições
comportamentais e com tantos brinquedinhos eletrônicos a interferirem na
comunicação, já não sei como a juventude pensa e se comporta, ou se os dotes
poéticos experimentais possuem alguma valia na conquista do outro.
Pelo
que vejo, salvo raras exceções, o tipo de celular que o(a) possível namorado(a)
usa, vale mais do que qualquer poesia. As palavras poéticas estão perdendo o
encanto para os emojis. A tecnologia está substituindo o sensível do humano,
como se apontando um futuro imaterial, artificial, isso me preocupa, embora
saiba que não estarei aqui pra ver. A mim me preocupa esse admirável e
insensível novo mundo que aponta no horizonte…
A
imagem de uma maçã mordida, impressa no verso de um iphone, seguida de uma
selfie, com olhar tímido, e um monossílabo “vamo?”, no
WhatsApp, Twitter ou Instagram, enriquecido de emojis sugestivos, são mais poéticos
do que qualquer declaração de amor à antiga, e pode funcionar como um convite
para sair, jantar, ficar, ou até se juntar.
O que
diria Álvaro de Campos ou o próprio Fernando Pessoa sobre essas cenas contemporâneas
ridículas? Seriam elas tão ridículas a ponto de merecerem uma poesia do maior
vate português? A isso, a contragosto, chamamos evolução dos tempos.
Infelizmente a maioria dos jovens de hoje sequer ouviu falar de Fernando
Pessoa, muito menos de Álvaro de Campos.
Resta
a saudade de um tempo em que palavras ridículas de amor eram lidas com lágrimas
nos olhos e o coração disparado, em arritmia gostosa de se sentir. Para um heterônimo
de Fernando Pessoa, “As cartas de
amor, se há amor, tem de ser ridículas. Mas, afinal, só as criaturas que nunca
escreveram cartas de amor é que são ridículas.”
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