Terça-feira, 7 de fevereiro de 2023 - 07h52
Recentemente voltou a ser debatido o tema da aplicação da
Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho - OIT no
Brasil, impulsionado pela expectativa de conclusão do julgamento
da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 1.625 pelo
Supremo Tribunal Federal - STF.
A
Convenção 158 da OIT trata das regras, requisitos e condições para a rescisão
do contrato de trabalho por parte do empregador, tendo sido aprovada na 68ª
Conferência Internacional da OIT, em 1982. Inicialmente, o Brasil ratificou a
referida Convenção, tendo o Congresso Nacional aprovado o texto no ano de 1992
e sua promulgação ocorrido em 1996 pelo Decreto nº 1.855.
No
mesmo ano de sua promulgação, contudo, o Brasil denunciou a Convenção à OIT
pelo Decreto Federal nº 2.100/1996, que foi objeto da ADI nº 1625,
sob o argumento de que a denúncia não poderia ter sido promovida por ato
exclusivo do Presidente da República, sendo necessária também a aprovação do
Congresso Nacional. Ao final, portanto, o objetivo dessa ação é o de
restabelecer a vigência dessa Convenç ; ;ão no Brasil.
O
principal ponto de preocupação relativo aos
termos da Convenção 158 é que somente se permite o desligamento do empregado se
houver uma causa justificada e comprovada, relacionada (i) à capacidade o u ao
comportamento do empregado, (ii) ou às necessidades de funcionamento da empresa
em virtude de dificuldades econômicas, tecnológicas ou estruturais.
Dessa
forma apregoam alguns que a aplicação da Convenção 158 da OIT poderia implicar
a impossibilidade de utilização da dispensa sem justa causa em contratos por
prazo indeterminado. Suscita-se, ainda, a possibilidade de questionamento das
demissões sem justa causa ocorridas anteriormente, caso a Convenção tivesse
aplicação retroativa.
Mas
o certo é que, em linhas gerais, essa Convenção estabelece regras rigorosas
para o desligamento de um empregado, criando dificuldades para as empresas no
trato com mudanças econômicas ou outras circunstâncias imprevistas, pois pode
limitar sua capacidade de responder rapidamente aos desafios do mercado. Pode,
também, fomentar o conflito judicial para as empresas que desejam ou dispensam
seus trabalhadores, levando a uma maior onerosidade e demora na rescisão do
contrato de trabalho. Esse cenário tem o condão de propiciar aumento dos
custos, com chance de comprometer a competitividade das empresas.
Além
disso, a adoção dessa Convenção pode desfavorecer a contratação de novos
trabalhadores em períodos de dificuldades ou incertezas econômicas, pois as
empresas poderão ficar relutantes em admitir novos empregados devido ao medo de
não conseguir dispensá-los no futuro.
E,
ainda que assim não o fosse, essa Convenção é incompatível com a Constituição
Federal. Isso se justifica, porque o núcleo protetivo do artigo 7º,
I, da Constituição de 1988 permite o desligamento do empregado sem qualquer
justificativa e prevê uma indenização compensatória nessa hipótese.
Evidente,
portanto, a escolha do constituinte de abandonar a necessidade de justificar a
rescisão do contrato do empregado. Em outras palavras, a Constituição ao mesmo
tempo concede liberdade às empresas para contratar e dispensar empregados e
estabelece mecanismos de proteção financeira quando do desligamento sem justa
causa, tanto pela indenização compensatória, hoje multa de 40% sobre o saldo do
FGTS, como também, pelo aviso prévio proporcional.
Nesse
rastro, os países que adotaram essa Convenção, como Espanha, Portugal e França,
experimentam redução da produtividade, problemas crônicos com a temporalidade
dos contratos de trabalho e, consequentemente, diminuição dos postos de
trabalho por prazo indeterminado.
Essa
discussão, entretanto, certamente não será aprofundada pelo STF por ocasião do
julgamento da ADI nº 1.625, o que pode levar à insegurança jurídica e
a um exponencial aumento da judicialização de conflitos em torno do tema, caso
se conclua pela inconstitucionalidade do Decreto Federal nº 2.100/1996.
Mas
os efeitos dessa decisão não podem passar ao largo. Antevendo os possíveis
impactos - sejam relacionados aos desligamentos sem justa causa já consumados,
sejam aos desligamentos futuros à luz da vigência da Convenção incorporada ao
ordenamento jurídico por força da nulidade do ato que a denunciou – o STF, caso
entenda que é necessária a participação do Congresso Nacional no ato de
denúncia do tratado internacional, deverá ser aplicada&nb sp;a
modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, mantendo válido o
Decreto nº 2.100/1996, mas fixando a tese de imprescindibilidade da aprovação
do Congresso em denúncias de convenções internacionais futuras.
Com
isso poderá ser estabelecida a segurança jurídica, garantindo aos
investidores e às empresas, um cenário mais previsível, razoável e estável, de
forma que, eventual futura ratificação da Convenção 158 da OIT seja precedida
de amplo debate e análise de seus impactos com toda a sociedade.
Ana
Paula Oriola De Raeffray - Advogada. Doutora em Direito pela PUC-SP.
Vice-presidente do Instituto de Previdência Complementar e Saúde Suplementar -
IPCOM. Membro da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. É sócia
do escritório Raeffray Brugioni Sociedade de Advogados.
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