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Crônica

Cartas de Amor


Cartas de Amor - Gente de Opinião

Lembro da minha primeira vez na poesia, era pra ser ofertada a uma possível namorada, caprichei nas exclamações; estava na casa dos doze anos, boca virgem, deslumbrado com o modernismo e a desnecessária utilização de rimas; ginasiano com os hormônios aflorando os desejos; cada palavra usada revestia-se de um significado especial, como se eu estivesse em processo de desnudamento diante do sexo oposto.

A primeira de muitas conquistas serviu-me de lição: aprendi que o amor não tem pudor literário, palavras, por mais absurdas que fossem, se saíssem de dentro, reverberando sentimentos, seriam valorizadas como se vindas de um grande poeta e aceitas como expressão corporal, similar à dança colorida do acasalamento de muitos dos nossos pássaros amazônicos.

Se bem que, em determinados momentos da paquera, o amor não cegava apenas o sexo masculino, ambos se comportavam feito analfabetos funcionais e pinçavam as palavras escritas em bilhetinhos, cartas ou em textos pretensamente poéticos – encontro, toque, amor, beijo, união, namoro, – como se essas palavras tivessem sabor e luz próprios, e não precisassem de outras para que existisse um contexto.

Os sinais da escrita perdiam de muito, da linguagem do olhar, embora o ato de fazer e a leitura compassada de uma carta de amor interferissem no sistema nervoso dos possíveis namorados. Hoje, com a evolução psicológica a ditar novas lições comportamentais e com tantos brinquedinhos eletrônicos a interferirem na comunicação, já nem sei como a juventude pensa e se comporta, ou se os dotes poéticos experimentais possuem alguma valia na conquista do outro.

Pelo que vejo, salvo raras exceções, o tipo de celular que o(a) possível namorado(a) usa vale mais do que qualquer poesia. As palavras poéticas estão perdendo o encanto para os emojis. A tecnologia está substituindo o sensível do humano, como se apontando um futuro imaterial, artificial, isso me preocupa, embora saiba que não estarei aqui para vivenciar. A mim me atemoriza esse admirável e insensível novo mundo que afronta o horizonte…

A imagem de uma maçã mordida, impressa no verso de um iphone, seguida de uma selfie, com olhar tímido, e um monossílabo “vamo?”, no WhatsApp, Twitter ou Instagram, enriquecido de emojis sugestivos, são mais poéticos do que qualquer declaração de amor à antiga, e pode funcionar como um convite para sair, jantar, ficar, ou até se juntar.

O que diria Álvaro de Campos ou o próprio Fernando Pessoa sobre essas cenas contemporâneas ridículas? Seriam elas tão ridículas a ponto de merecerem uma poesia do maior vate português? A isso, a contragosto, chamamos evolução dos tempos. Infelizmente a maioria dos jovens de hoje sequer ouviu falar de Fernando Pessoa, muito menos de Álvaro de Campos.

Resta a saudade de um tempo em que palavras ridículas de amor eram lidas com lágrimas nos olhos e o coração disparado, em arritmia gostosa de se sentir. Para um heterônimo de Fernando Pessoa, As cartas de amor, se há amor, tem de ser ridículas. Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas.”

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