Quarta-feira, 27 de abril de 2022 - 11h24
Lembro
da minha primeira vez na poesia, era pra ser ofertada a uma possível namorada,
caprichei nas exclamações; estava na casa dos doze anos, boca virgem,
deslumbrado com o modernismo e a desnecessária utilização de rimas; ginasiano
com os hormônios aflorando os desejos; cada palavra usada revestia-se de um
significado especial, como se eu estivesse em processo de desnudamento diante
do sexo oposto.
A
primeira de muitas conquistas serviu-me de lição: aprendi que o amor não tem
pudor literário, palavras, por mais absurdas que fossem, se saíssem de dentro,
reverberando sentimentos, seriam valorizadas como se vindas de um grande poeta
e aceitas como expressão corporal, similar à dança colorida do acasalamento de
muitos dos nossos pássaros amazônicos.
Se bem
que, em determinados momentos da paquera, o amor não cegava apenas o sexo
masculino, ambos se comportavam feito analfabetos funcionais e pinçavam as
palavras escritas em bilhetinhos, cartas ou em textos pretensamente poéticos – encontro,
toque, amor, beijo, união, namoro, – como se essas palavras tivessem sabor
e luz próprios, e não precisassem de outras para que existisse um contexto.
Os
sinais da escrita perdiam de muito, da linguagem do olhar, embora o ato de
fazer e a leitura compassada de uma carta de amor interferissem no sistema
nervoso dos possíveis namorados. Hoje, com a evolução psicológica a ditar novas
lições comportamentais e com tantos brinquedinhos eletrônicos a interferirem na
comunicação, já nem sei como a juventude pensa e se comporta, ou se os dotes
poéticos experimentais possuem alguma valia na conquista do outro.
Pelo
que vejo, salvo raras exceções, o tipo de celular que o(a) possível namorado(a)
usa vale mais do que qualquer poesia. As palavras poéticas estão perdendo o
encanto para os emojis. A tecnologia está substituindo o sensível do humano,
como se apontando um futuro imaterial, artificial, isso me preocupa, embora
saiba que não estarei aqui para vivenciar. A mim me atemoriza esse admirável e
insensível novo mundo que afronta o horizonte…
A
imagem de uma maçã mordida, impressa no verso de um iphone, seguida de uma
selfie, com olhar tímido, e um monossílabo “vamo?”, no
WhatsApp, Twitter ou Instagram, enriquecido de emojis sugestivos, são mais
poéticos do que qualquer declaração de amor à antiga, e pode funcionar como um
convite para sair, jantar, ficar, ou até se juntar.
O que
diria Álvaro de Campos ou o próprio Fernando Pessoa sobre essas cenas
contemporâneas ridículas? Seriam elas tão ridículas a ponto de merecerem uma
poesia do maior vate português? A isso, a contragosto, chamamos evolução
dos tempos. Infelizmente a maioria dos jovens de hoje sequer ouviu
falar de Fernando Pessoa, muito menos de Álvaro de Campos.
Resta
a saudade de um tempo em que palavras ridículas de amor eram lidas com lágrimas
nos olhos e o coração disparado, em arritmia gostosa de se sentir. Para um
heterônimo de Fernando Pessoa, “As cartas de amor, se há amor, tem de ser ridículas. Mas, afinal, só as
criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas.”
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