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Crônica

Ad Immortalitatem


Ad Immortalitatem - Gente de Opinião

A partir da descoberta do fogo, os sapiens, neandertais e demais grupos primitivos passaram a se reunir em famílias e dessas reuniões foram surgindo novas línguas, novas ideias, como a agricultura, conspirando para a ocupação da terra. À medida que o tempo passava as comunidades aumentavam e se espalhavam ao redor dos continentes, levando conhecimento e somando novas experiências, novas capacidades, no contexto da evolução. As miragens na direção do horizonte, ao pôr do sol, em redor de uma fogueira, introspectavam o olhar, ensinando o homem a pensar, contribuindo para o surgimento de novas comunidades, novas lideranças, novas viagens. O homem aprendeu, então, que pensar em grupo rendia maiores dividendos. Daí surgiram as grandes fraternidades brancas do oriente, as sociedades civis, abertas e secretas, os deuses, as seitas e religiões, as academias gregas e europeias, etc., com influências marcantes no poder. Um provérbio africano lembrava: “Se quer ir rápido, vá sozinho. Se quer ir longe, vá em grupo."

 

Os séculos 17, 18, 19 e 20 foram pródigos no surgimento dessas sociedades, a maioria voltada para a fraternidade, a troca de experiências, o crescimento das artes, das ciências, da justiça, além da implementação das regras para uma boa convivência. Com o tempo, os homens descortinaram um comovente segredo: viver não é só durar! Era comum, nos discursos de posse, na Academia Brasileira de Letras - ABL, a referência ao fato de que “agora, estamos condenados a conviver para o resto da vida”, o que implicava renúncia a personalismos e ao exercício de atitudes de arrogância ou prepotência.

As academias de letras, artes e ciências, surgiram no rastro deste segredo, quando se descobriu que a reunião de pessoas com os mesmos propósitos; a discussão sadia de temas que visavam a melhoria do convívio, o sorriso franco, o tapinha nas costas, o abraço, o café ou o chá em grupo, eram os melhores remédios para uma vida mental sadia, feliz, alongando o tempo de prazer sobre a terra. Ademais o título de membro efetivo de uma academia de letras massageia o ego, satisfaz a vaidade, abre sorrisos e melhora o currículo. Contudo, a inveja, o egocentrismo doentio e outros males da alma, acompanham certos homens, desde o Gênesis, tornando a união de intelectuais em torno de uma academia, uma tarefa difícil, principalmente quando se trata de uma academia sem teto. Parece que o surgimento de academias, ao longo de inúmeras cidades, ao redor de nosso país, banalizou-se, começando pela ABL. O que era pra ser um reconhecimento da imortalidade das obras, extensivo aos autores, passou a ser uma escolha de membros, que pouco ou nada contribuíram para o enriquecimento do idioma e de sua literatura nacional ou regional. Toda média cidade brasileira, hoje, possui uma ou mais de uma academia de letras, daí porque nós da ARL priorizamos não só o reconhecimento das obras e dos autores, mas, e principalmente, a convivência dos representantes locais de todas as artes, salvo raríssimas exceções, quando um ou outro migra, porque se destacou nacionalmente. Para tanto necessitamos de sede física. Academias online não sobrevivem. 

Quando fundamos a Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes - ARL na companhia do Júlio, Dimis, Abel, Lucineide, Lucileyde, Anísio, Luiz, Jakobi, Angella, Viriato, Robson, Alexandre, Dettoni, Barianni, Herculano, Reginaldo e outros abnegados, adubamos o terreno infértil das distâncias sociais, achando que cifras e letras poderiam florescer sob o mesmo manto da cultura. Estávamos imbuídos do propósito maior de que a academia se transformasse em uma confraria, onde sentimentos mesquinhos, como o da inveja, do preconceito, da vaidade, do exclusivismo, fossem vencidos pela irmandade, pelo perdão, pela convivência, pelo amor ao próximo, de tal forma que desaparecesse do interior de cada um dos membros, o sentimento de solidão. Sem uma sede própria ficou imensamente difícil a aproximação entre os participantes, assim como a elaboração de projetos conjuntos, para melhoria da educação e da cultura de nossa amada região.

Hoje, tristemente, percebemos que algo deu errado. Duas frases me corroem as entranhas criativas: 1) a da esposa do Renato, nosso primeiro secretário geral, diante de membros efetivos, no auditório da Biblioteca Francisco Meirelles: - Renato, o que você está fazendo no meio desse povo??? 2) e a do Ernesto Mello, durante uma reunião ordinária da ARL, no colégio Brasília, olhando diretamente nos meus olhos: - William, eu não me sinto bem nesse ambiente, me sinto um estranho. Aos poucos, sentimos que a ARL está nos escapando pelas intenções, se diluindo em grupos. Eu mesmo venho me sentindo um estranho no ninho, sobrevivendo pelo bico cultural da Karipuna Kult. Não fosse a KK e eu já teria pendurado as chuteiras. Academia de laços solidários é uma utopia necessária, ainda que imaginária, mas poucos entendem isso, preferem a desagregação da distopia, adubando uma ARL, na contramão do que ensinou Thomas More.

Nesses quase 10 anos de existência, a ARL, de certa forma, cumpriu com a missão primordial, atribuída a uma academia, publicando livros, revistas, participando de seminários, fazendo palestras, saraus, mas, por não possuir uma sede própria, o gesto de ousadia, que justificou a instalação da instituição, vem perdendo força, como uma vela acesa, lutando com os vendavais, para permanecer viva. Não queremos ser uma confraria de fantasmas, sobrevivendo entre intrigas partidárias, verdades e fakes, no zap; ainda não aprendemos a teletransportar o chá dos acadêmicos.

Dói muito, quando a simples falta de uma sede, num universo de vários espaços públicos abandonados, interfere na sobrevivência de uma instituição sem fins lucrativos; no exercício do prazer em grupo e na interação cultural com a sociedade. Tomara que o jovem e dinâmico prefeito da capital, Léo Moraes, enxergue a necessidade de doar uma sede própria à instituição ARL, materializando o êxito social e literário, acarinhando o convívio despretensioso, que dará coesão e irmandade a um grupo renovável de escritores, cientistas e artistas ad immortalitatem.  

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