Sexta-feira, 10 de julho de 2020 - 18h49
Ainda que para o bem de todos e felicidade
geral da nação, incomoda um longo confinamento e a
impossibilidade de abraçar e beijar as pessoas queridas, por conta do tal
isolamento social. Até parece que todo mundo quer celebrar a frase de Gabriel
Garcia Márquez em Cem Anos de Solidão: O
segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso
pacto com a solidão. Não compactuo dessa máxima, a
solidão não faz bem ao velho, principalmente agora quando convivemos com a invisível
morte em nossos calcanhares.
Somos oriundos da vida em grupo. Vivíamos/vivemos
em bando, desde as cavernas. Com a descoberta do uso do fogo, acredito que a
hora mais legal da convivência pré-histórica, era quando todos os membros de
uma família ou de uma tribo, se reuniam em torno de uma fogueira, ao
entardecer. Neste convívio de fim de tarde, imagino, foram pronunciadas as
primeiras palavras.
Deitar-se com o sol para renascer revigorado
no dia seguinte, talvez tenha sido a primeira lição reencarnatória, que a
natureza deu aos sapiens. Muitos humanos esclarecidos gostam de pedir aos
familiares para escreverem em suas lápides: Deito-me com o sol!!!
É como acreditar na vida pós mortem e, de certa forma, consolar os familiares;
é bom saber que seu ente querido não se foi pra sempre, que o espera em algum
cantinho deste nosso incomensurável universo. A imortalidade faz bem à vaidade
humana.
Mesmo reconhecendo que é preciso atravessar
inúmeros buracos negros, ou que o nirvana é um estado de espírito, é agradável
ter esperança e acreditar que existe um lugar de descanso, além dos ciprestes,
além!... muito além da nossa imaginação, além do infinito, além da filosofia e
da ciência, além do multiverso!!!
Niilismo enlouquece, entristece, induz ao
suicídio, confunde o pensamento social, não é fácil acreditar no vazio. Não
crer em “verdades absolutas” até entendo, mas complica, quando seguidores de
Nietzsche dizem que a essência do conceito
niilista, se observada de maneira mais minuciosa, pode levar à libertação do
ser humano. O nada, de repente, pode ser tudo! Milésimos de segundo
atrás, é passado, à frente, é futuro, logo o presente não existe. É pouco, ou
quer mais?
Estou/Estava em estado de confinamento
forçado e, do nada, começaram a bater em minha porta, visualizei não só o
vírus, mascarado e invisível, carregando uma gadanha, acompanhado da velha dúvida
filosófica, que trazia pendurada numa das mãos uma rosa branca, símbolo da
liberdade dos desejos básicos, e na outra, uma trouxa de pertences,
representando o conjunto dos conhecimentos inexplorados; um animal estranho,
com duas cabeças, a vida e a morte num só corpo, tenta lhe morder o calcanhar, como
que anunciando-lhe um precipício à frente. A senhora das dúvidas retirou-me o
chapéu de bobo da corte, se desligou da matéria, e acompanhou-me num voo
espiritual, seguindo uma borboleta amarela, livre, porém presa no interior de
uma ambulância do Samu, rumo à polêmica da panaceia contra o vírus chinês.
São muitos os caminhos filosóficos que nos
aproximam da loucura, inclusive o cartesiano, em que tudo é duvidoso e busca-se
uma verdade primeira que não se possa colocar em dúvida, usando-se o método dedutivo: “Se duvido, penso, se penso, existo”: “Cogito, ergo sum”,
“Penso, logo existo”, ou será que existo, logo penso??? Quem nasce
primeiro a vida ou o pensamento? Isso é só o início da loucura… O pensamento
filosófico pós Descartes é longo e seria necessário ler inúmeros compêndios de
outros pensadores, inclusive Kant, para se chegar a um termo evolutivo razoável.
Confinamento forçado é diferente de solidão
por opção. Às vezes a pessoa se isola para pensar, meditar. Na solidão você
olha pra dentro, buscando erros e acertos, como forma de se chegar a uma
síntese esclarecedora, uma busca por pegadas, deixadas em seu interior por
mentes mais lúcidas e iluminadas. No entanto é um tempo curto, salvo se
descambar pra depressão.
No enclausuramento você olha pra fora, com
medo de ser encontrado pelo vetor da doença invisível, tudo que vem de fora é
motivo de temor, absolutamente tudo precisa ser esterilizado, desinfetado, antes
de ingressar no seu lar. Receber uma visita?! Nem pensar! O confinamento
forçado é tão atemorizante que sequer pode ser usado para meditação, todas as
áreas do pensamento foram ocupadas pelo egocêntrico coronavírus.
A amizade e todas as formas de amor
presenciais estão sob efeito suspensivo. Salvo o convívio de um casal de velhos,
já tão calejado de existência, que o carinho e a dedicação de um são os remédios
preventivos do outro, e ambos dividem as lágrimas pela distância dos filhos e
netos, lágrimas de amor, é bom que se diga. A separação inevitável será por
pouco tempo, se reencontrarão do outro lado da mística cortina.
Só nos resta nesse tal confinamento, também alcunhado por quarentena, pós home office, o exercício da leitura, da escrita, da convivência familiar, das lives entre amigos e, pra quem gosta de TV, assistir os obituários do Jornal Nacional, bons filmes no Amazon Prime ou boas palestras no Youtube, inclusive rir com os humoristas, cultuando células de alegria, únicas imunes ao Corona.
O fato é que pra quem é do grupo de risco, pós setenta, como eu, não é
fácil evitar a rabugice. Boa solução seria tomar emprestada a fantasia do
palhaço da cidade, meu amigo Chicão, porque dizem que ninguém consegue ficar
zangado, com quem o alegra! Se junto com a fantasia vier o talento, até o vírus
vai morrer de rir: eheheheh, tchau tchau, Covid!
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