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Crônica

De dedurismo à delação premiada


De dedurismo à delação premiada - Gente de Opinião

A logística de palavras, usada pelo escritor regular, com o intuito de se fazer entender, ao término do texto, às vezes, é traída pela dinamicidade da língua, mudando a semântica, complicando o entendimento, obrigando a observância do circunstancial, no contexto: até bem pouco tempo, dedurismo só era usado no sentido pejorativo, para denominar pessoas sem ética, sem caráter, marginal; hoje, é sinônimo de delação, não uma delação qualquer, mas premiada ou subornada!

No mundo do poder político e das atividades policiais, suborno, alcagueta, delator, corrupto, dedo duro, são palavras que se misturam nas atividades do dia a dia. A integridade de antão, cada vez se distancia mais do homem público. Contudo, uma delação nos quadros do Exército Brasileiro, até bem pouco tempo, era impensável.

Depois das intervenções do STF, perdoando corrutos condenados em até 3 instâncias, ignorando delações feitas ao vivo e a cores: “Você não disse isso, nem fez isso, errado foi o juiz que lhe perguntou. Tá perdoado”! Ocorreu uma banalização da delação, como se ela tivesse sido nivelada por baixo, comparada a uma simples ação dedurista: integridade e honra são virtudes inalcançáveis, salvo raríssimas exceções. Parece que o suborno passou a ser inerente ao ser humano, como se as trinta moedas de Judas servissem de exemplo aos homens públicos subornados de hoje. As ações humanistas de Jesus Cristo só serviram a Pôncio Pilatos, no comodista ato de lavar as mãos.

 No entanto, nos conforta saber que, pelo menos nesse fato da história judaico/cristã, essa ação dedurista não teve um final feliz: Judas ganhou 30 moedas, mas não suportou o peso do suborno, na consciência. Se fosse hoje, a punição de Judas, variaria de acordo com o país e a evolução dos costumes da região.

Amanhã, muitas crianças, que se envergonhavam dos pais, porque políticos ou militares corruptos, dirão orgulhosamente à professora e aos colegas: − meu pai foi um delator premiado, reconhecido pelo STF!!! Se bem que o STF só reconhece delações convenientes. As da Lavajato, por exemplo, foram jogadas na lata do lixo.

“Dedo duro” era a alcunha mais temida na vida de um cidadão. Lembram de Wilson Simonal, marcado pela classe artística por ter supostamente dedurado colegas de profissão ao DOPS, na vigência do Governo Militar?

Lembram de José Genoíno, acusado por muita gente do PC de ter dedurado seus colegas, durante a guerrilha do Araguaia? Até hoje ele carrega essa pecha, como um fardo insuportável. No submundo do crime, o prêmio de um alcagueta é uma bala na cabeça: recentemente o PCC matou um delator, em plena luz do dia, nas dependências de um movimentado aeroporto de São Paulo.

O mundo dá voltas, o vulgar “dedo duro” virou delator, ou melhor, autor de delação, que por ser uma atitude considerada boa para a sociedade, é premiada. De fato, “dedo duro” é chulo, delator é chique, principalmente agora que o termo passou a frequentar a banca dos melhores advogados do país e está na pauta do MP, do STF, do Congresso e do Executivo Federal, Estadual e Municipal: o instituto da delação premiada, a partir de agora, é um ato jurídico perfeito, declarou pomposamente a ex-presidente do STF.

Muitos dirão, nas prévias da eleição de 2026, em comícios populistas: votem em mim, eu sou um delator premiado, eu devolvi parte do que furtei e ainda mandei pra cadeia muitos dos meus colegas, se estou solto e pleiteando uma nova oportunidade é porque fui premiado pelo STF. Prometo que vou continuar exigindo propinas, mas distribuirei parte delas, para bem do Brasil, o que significa dizer que estarei sempre lutando por mais e mais emendas parlamentares comprometidas com a corrupção. Quando será que aprenderemos a votar? Quando será que seguiremos o exemplo do México, elegendo por voto direto os ministros da Suprema Côrte?

E ainda há quem se surpreenda com o péssimo ensino público, com os parcos recursos para a saúde, com as distâncias socais e com o aumento da violência nas cidades brasileiras.

Quem gosta de cinema, vale a pena conferir a atuação de Al Pacino (Oscar de melhor ator), no filme Perfume de Mulher (disponível na Netflix), interpretando um tenente coronel cego, do exército americano, ao lado de um jovem de 17 anos que conquistara a sua amizade, servindo como seu acompanhante (guia), no feriado de Ação de Graças, nos EUA. O filme mostra várias cenas impactantes, mas a que recomendo, em função do tema dessa crônica, se passa no anfiteatro lotado de uma conceituada instituição de ensino americana, onde estuda o jovem amigo do Coronel. O estudante está sendo pressionado pelo diretor, por ser um humilde bolsista, a delatar seus colegas riquinhos, devido às travessuras estudantis. No discurso espontâneo do Tenente Coronel, diante de professores e demais alunos da instituição, ele defende, brilhantemente, o silêncio do jovem estudante, que se negou a receber suborno, para delatar seus colegas ricos: é uma questão de formação de caráter, de integridade moral. Segundo a crítica, esse discurso, interpretado por Al Pacino, aplaudido de pé, por docentes e discentes, é dos mais emblemáticos da história do cinema. Confiram, ao menos para assistirem a um cego, dançando tango.

Gostaria de ter nascido, onde não se estranhasse a prisão de políticos corruptos, ministros, empresários safados, oficiais delatores e delatados, além de outros viciados da mesma espécie; onde o Congresso fosse isento, sem rabo preso com o STF; onde a 1ªinstância, com ajuda de um Tribunal Popular, tivesse força para condenar corruptos, sem interferência da indústria de recursos, mas parece que muitas coisas no Brasil nunca mudarão. Se isso um dia ocorrer, eu já não estarei aqui.

Baseado nos discursos dos novos dirigentes do Congresso, escolhidos numa eleição de cartas marcadas, concluímos que a mamata continuará, nem Deus sabe até quando, já que o povo humilde e bem intencionado morrerá acreditando na silenciosa e inoperante justiça divina, para gáudio dos “manda chuva” republicanos, fantasiados de democratas, com o conluio da mídia comprometida, seguidora do lema de Jim Morrison: “quem controla a mídia controla a mente”.  

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