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Crônica

Desconstruindo o racismo


Desconstruindo o racismo - Gente de Opinião

O racismo é um dos principais problemas sociais enfrentados nos séculos XX e XXI, causando, diretamente, exclusão, desigualdade social e violência, mas não é uma novidade do novo mundo, guardadas as devidas proporções de tempo, espaço e entendimento, existe desde a antiguidade, quando povos gregos e latinos classificavam os estrangeiros como bárbaros. Você tem cara de ostrogodo, mas é branco e será assimilado pela cultura greco-romana.

A novidade doentia foi o segregacionismo americano e o apartheid da África do Sul.  No Brasil, com um histórico de 300 anos de escravidão, ainda sofremos as consequências da política governamental de abandono dos negros, pós Lei Áurea, uma espécie de racismo cristão perverso, fundado na esmola, que, além de segrega-los socialmente, os privava da prática de sua religião. Sou lixeiro, sou servente, sou pedinte, sou viciado, sou favelado, sou o alvo das mazelas da sociedade, estou nos presídios, sou marginal, mas queria ser melhor, queria competir. Oxóssi dará!!!… Oxóssi dará!!!...

Após a escravidão, os brancos criaram barreiras, armadilhas e injustiças, reconhecidas como atitudes racistas. Muitos conseguiram, com o passar do tempo, se libertar do preconceito, mas por mais de um século, e ainda hoje, reverbera, no inconsciente coletivo da sociedade brasileira, um pensamento preconceituoso, que marginaliza as pessoas negras e trava o alcance à cidadania plena. Moisés e Zumbi são símbolos da libertação dos escravos.

Não sei até que ponto o racismo estrutural, a miscigenação, a  naturalização de ações, hábitos, situações, falas e pensamentos cotidianos do povo brasileiro, foram indiretamente responsáveis pelo embranquecimento da pele, ocasionando um fenômeno comportamental só visto no Brasil: Nos EUA e na África do Sul só existem duas cores preto e branco – , aqui, além dessas, existe o pardo, o moreno, o mulato, o caboclo e o ignorante, dando origem a um racismo velado. Os pardos, Obama e Harris, chegaram à Instância máxima do poder se autoconhecendo como negros, o mesmo pode se dizer de Mandela na África do Sul. No Brasil, o presidente se faz acompanhar de um serviçal negro para negar o racismo. Onde estão os almirantes, os generais e os brigadeiros negros?   

O processo voluntário de embranquecimento, assumido a partir do cruzamento entre pessoas de cores diferentes, fez com que o negro reconheça, indiretamente, sem perceber, a supremacia da raça branca, ou seja, ele não é mais negro, ascendeu a uma classe superior: é pardo, é um moreno de traços finos, como se o ser bonito estivesse relacionado a não ter traços negros, mas sim àqueles próximos ao que era pautado pelo padrão de beleza europeu. O amor entre seres humanos não tem cor nem fronteiras! Miscigenem-se! mas se auto reconheçam.

Sem se dar conta, o pardo criou uma nova tipologia morfológica, passível de continuar sofrendo, com o velho e dolorido racismo velado, pois nem sempre o negro de traços europeus escapa do veredicto doentio de parte da sociedade branca, nem da geração de frases absurdas, advindas da camuflagem racista: quase branco, mulata tipo exportação, da cor do pecado, preto de alma branca, com o objetivo de amenizar o que somos, de certa forma, anulando valores negros. A justificativa para negar a negritude, passa pela visão do branco e pela não aceitação de si mesmo, muitos preferem a ilusão dos sentidos à realidade do sangue. Minha alma é tão negra quanto os orixás do continente africano.

Não só a miscigenação, mas o dólar empresarial, o sucesso nos esportes e no jornalismo são também responsáveis pelo embranquecimento da pele negra, no entanto, são poucos os que se assumem como pretos e defendem os valores da negritude, tal qual Lewis Hamilton. Nem com todo o sucesso de sete títulos mundiais, ele foi condecorado pela realeza Britânica, como foi Nigel Mansell. A rainha Elizabeth II não o condecorou, mas nós, o povo multicor, o condecoramos: SIR Hamilton. Os racistas dizem: Ele é negro, mas é gente boa!

O racismo estrutural, institucional e individual, além dos sérios problemas morais, proporcionou/a uma brutal diferença social, prejudicando, diuturnamente, a ascensão social dos pretos e seus descendentes. Respeito é bom e eu gosto, bandido é uma porra, sou negro, sou poeta, sou estudante, sou escritor, sou ator, sou doutor, sou trabalhador, e você, quem é? Por que insiste em me privar a acessibilidade à cidadania plena?

O Dia da Consciência Negra surgiu pela lei 12.519 de 10/11/2019, como um convite à reflexão, num país que sequer tem uma agenda para resolver questões sociais. Que sociedade evoluída tem seis milhões de empregadas domésticas, oriundas do rol de milhões de analfabetos negros espalhados pelo país??? Dos 5.561 municípios brasileiros, apenas 1.047 reconhecem o dia 20 de novembro como feriado. Porto Velho deve a sua existência, em grande parte, aos negros antilhanos, mas não reconhece o feriado da data, em homenagem ao dia da morte de Zumbi. Aqui e alhures, negro continua sendo um palavrão, usado para humilhar, jamais para elogiar. Salve, salve a cultura negra. 

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