Domingo, 23 de abril de 2023 - 19h51
“En un lugar de la Mancha, de cuyo nombre no quiero acordarme, no ha mucho tiempo que vivía un hidalgo de los de lanza”... Assim Miguel de Cervantes inaugura a saga de Dom Quixote, na edição em espanhol empoeirada na estante, que trago de volta à vista neste 22 de abril, data em que o escritor espanhol e também Shakespeare partiram deste mundo. Refletia sobre a centenária efeméride europeia e literária do meu quarto no sul da América do Sul, nesse distante 2023, quando o passarinho azul preso ao celular vem me falar de outra morte. Neumar nos deixava.
Jornalista e assessora, muitas vezes escrevi esse nome: José Neumar Morais da Silveira. Volto mais de uma década atrás quando os passarinhos que me desviavam a escrita do release eram os que bicavam seus próprios reflexos na janela do escritório do Sistema de Proteção da Amazônia. Era fim de tarde e eu levantava para ver a ave que logo fugia, deixando meu olhar solto pela vista até encontrar o chefe metido em seus tênis, nas caminhadas pós expediente que fazia pelo estacionamento. Depois pegava seu Uno e partia para casa, onde certamente encontraria a cubana Llitsia ao piano. Era quixotesca a figura franzina, de olhar acolhedor e sorriso frequente, sempre teimando em acreditar nas gentes daquele lugar, que não era em La Mancha, mas Rondônia. Ali onde, por tantos anos, seus sonhos tiveram guarida e também pôde combater alguns moinhos.
Certa vez, inclusive, mostrou toda sua destreza empunhando uma espada. Na verdade, a vareta da alavanca que se desdobrava e permitia acessar o estepe da caminhonete L200, que fica inacessível por baixo do automóvel até que alguém com suficiente perícia e conhecimento consiga baixá-lo. Eis que o cavaleiro já levava anos de estrada nos fios brancos e na política, contabilizando muitos pneus furados nas idas e vindas pela BR 364. Então a roupa se tingiu mais uma vez daquela terra e pudemos seguir. Enquanto eu enjoava nas curvas de chão batido rumo a mais uma aldeia indígena onde haviam sido instaladas antenas parabólicas, ele contava sobre os primórdios do Partido dos Trabalhadores no estado, incluindo visitas de Lula e a filiação de número 1 ou 2, não lembro.
Acreditava em coisas simples. Sobretudo, na sua ideologia e na possibilidade de tudo ser melhor para todos, igualmente. E assim mantinha quase todas as chefias ao seu redor nas mãos de mulheres, às quais cobrava dedicação, mas também rendia elogios e perfumava em seus aniversários. A nós, tinha conselhos para dar. Falava de seu amor e dos seus filhos. Ao lado de um deles, uma vez deu a volta completa nessa grande ilha do desterro em que vim morar. E assim, sua imagem foi se perdendo aos poucos de minha vista.
As lembranças vêm agora na névoa úmida e quente, como Porto Velho. Se encontram no vazio deixado por outros doces Josés do Sipam, como o meteorologista Jose Carvalho Moraes . Percebo como perdemos um pouco de nós com aqueles que vão, ficando num tempo que já deixou de ser. A saudade bica doído e às vezes bate à janela. Mas se alguns passarão, Neumar, presente, sempre será passarinho.
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