Sábado, 29 de abril de 2023 - 13h23
Desde
que a Academia Sueca concedeu o Nobel de Literatura, em 2016, ao cantor
norte-americano Bob Dylan, que as academias de letras, ao redor do mundo,
passaram a estender o olhar às outras artes. Na época, sob os protestos de
vários escritores, a Academia Sueca deixou bem claro que não foi o livro
publicado por ele que motivou o prêmio de literatura e sim a sua nova linguagem
poética/musical. Juntar as artes numa mesma casa acho até correto, desde que
elas estejam definidas na instituição, como a nossa Academia Rondoniense de
Letras, Ciências e Artes. Seria mais interessante mudar o nome da ABL para ABA
Academia Brasileira de Artes, já que as Letras estariam embutidas nas Artes
como um todo – a literatura faz parte das artes literárias. E as Ciências já
possuem a sua própria academia – ABC Academia Brasileira de Ciências.
O
mesmo aconteceu, recentemente com a escolha de Gilberto Gil para a Academia
Brasileira de Letras, o nosso Bob Dylan tropical e Fernanda Montenegro a nossa
dama do Teatro e da Televisão.
Está
fora de cogitação quaisquer discussões sobre Gil, um dos expoentes da
Tropicália, um dos principais nomes da Música Popular Brasileira (MPB) e sobre
Fernanda, mestra nas artes cênicas ou performativas. Contudo, a mim preocupa a
confusão que o jovem de hoje está fazendo com esta tentativa da ABL de dialogar
com a arte popular, valorizando caminhos distintos da arte literária.
No
entanto, a última escolha da ABL deixou de lado nosso maior cartunista, autor
nacional e internacional de gibi infantil, Maurício de Souza. Se Fernanda e Gil
mereceram uma cadeira na ABL, por que não Maurício?
Não confundam minhas palavras: os três merecem a ABL, mas sob outro prisma,
jamais sobre essa babaquice de união de arte erudita com arte popular. Todas as
artes podem e devem caminhar juntas, como um viveiro com muitos e diferenciados
pássaros, belos e sonoros, como um jardim com primorosas e variadas flores. Não
se surpreendam se Eduardo Kobra se candidatar a uma cadeira na ABL.
A rotulagem não é um problema, a
poesia independe do formato e do suporte, evidentemente. Literatura é arte e
arte é forma, é a realidade recriada através do espírito do artista e retransmitida
ao público através da língua. A plataforma na qual está inserida, seja como
texto em um livro, como imagem em uma tela, como canção em um CD, ou quadrinhos
num Gibi, deveria ser uma questão menos relevante.
Deveria!!! Entretanto, a Academia, em
mais de 120 anos de história, jamais admitiu um compositor, negro ou não, entre
tantos, de boa cepa, existentes Brasil afora. A mulher que trabalhava no teatro
e no cinema, por muitos anos, não passava de reles prostituta. Negro na ABL? só
o fundador. A elite branca que comandou a ABL, por um longo tempo, proibiu a
entrada de mulheres, esnobou grandes mestres das artes cênicas, da música e até
mesmo das artes literárias, sua maior razão de existência, entre eles o mulato
Lima Barreto, os poetas Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade, além de
escritores do naipe de Graciliano Ramos, Monteiro Lobato, Érico Veríssimo,
Dalton Trevisan e Raduan Nassar. Por que será que a
ABL nunca “se ofereceu” a Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Cartola, Nélson
Gonçalves, Portinari e tantos outros, e agora elege artistas populares e nega
uma cadeira ao mestre do Gibi infantil, o nosso Walt Disney tupiniquim.
Não estou com isso desmerecendo o
novo escolhido, escritor e filólogo, membro necessário ao cultivo da língua
mãe, preocupação de um dos artigos
centenários do estatuto da casa. Ricardo Cavaliere, mesmo sabendo que ele não
impedirá que a língua popular avance sobre a erudita, nem conseguirá barrar
neologismos estúpidos como o verbo startar, ou estartar, merece
uma cadeira. O que me entristece são os critérios, principalmente quando a
imprensa divulga que essa foi mais uma eleição de gabinete, apesar do uso das
nossas eficientíssimas máquinas eletrônicas de votar.
Eu sei que a sociedade, com a
evolução dos costumes, está remodelando conceitos, via modelos importados dos
EUA e Europa, daí a valorização dos negros e das mulheres. Nada mais justo! Não
fosse isso jamais Fernanda e Gil conviveriam com a nata da sociedade literária,
se bem que esta nata de há muito vem dando sinais de vencida, inapropriada para
consumo. Para a maioria dos jovens de hoje, separados conforme o poder
aquisitivo, bom mesmo é um pancadão nas praças da periferia ou nos clubes da
burguesia, quem sabe, nos salões das universidades, a maior concentração de
sovacos ilustrados do país. Tudo junto e misturado, aguardando vaga na ABL.
Enquanto isso a pesquisa Retratos da
Leitura no Brasil, realizada pelo Ibope, em 2016, depois de ouvir 5.012
pessoas, representando 93% de pessoas alfabetizadas, concluiu que 44% da
população brasileira não lê absolutamente nada e 30% nunca comprou um livro. Se
estendermos a pesquisa ao universo de 50 países, o Brasil ocupa o 37º lugar no
ranking mundial dos leitores. Andar com fé eu vou, que a fé num costuma
faiá.
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