Sexta-feira, 20 de maio de 2022 - 13h04
Minha primeira gafe dentro de
um Boeing foi tentar abrir a janela, cheguei a chamar a aeromoça para me
ajudar, pois a janela insistia em não abrir, apesar dos esforços desta anta em
final de adolescência. Muita gente riu da minha cara de espanto, mas pouco
liguei. Que graça tem uma janela que não abre? Era como se estivéssemos
censurando o vento e a vista, apesar da transparência.
A primeira vez foi realmente
sufocante, olhava preocupado para os lados, cheguei a pensar no impacto do
avião caindo, com tudo fechado. O costume banaliza, as viagens seguintes
abriram meu sorriso e soltaram minha língua. Minha única exigência era sentar
numa cadeira do corredor, não gostava de, pela janela fechada, olhar pra baixo,
sentia uma sensação desconfortável de impotência, uma espécie de janela
claustrofóbica com vista acrofóbica.
Assim sendo, de onde me
sentava, salvo se estivéssemos atravessando uma tempestade, só via duas cores,
azul e branco. Será que o céu é assim, bicolor? O céu, pra ser o local divino
do prêmio da jornada, deve ser colorido, com flores, animais, pedras preciosas
espalhadas pelos riachos, e gente de todo tipo, que ao chegar ao céu recupera
os seus corpos originais. Não consigo visualizar o céu sem a diversidade, sem a
congruência dos três reinos: vegetal, mineral e animal. Imaginem um céu de
zumbis, sem corpos materiais, os prazeres precisariam ser reescritos,
repensados pela divindade maior, aliás de muito bom gosto ao criar o Éden,
repleto de tudo, havia até mulher!
Não entendo as doutrinas
religiosas, cada qual tem suas próprias vistas para a janela celestial. Os
orientais até dizem que o céu é interior, o equilíbrio entre o bem e o mal. Um
estado de espírito conseguido aqui mesmo, na terra. Irmão Valter, pernambucano
e diretor do colégio Marista de Senhor do Bonfim, onde cursei o ginásio, dizia
que, no céu, o tempo não existe, daí porque o estado de felicidade não passa.
As janelas do bem e do mal não se abrem, nem se fecham: o ser está além,
produzindo uma vista/estado de santidade eterna.
Já que Deus não me deu
inteligência para entender o transcendente, nem o horizonte cósmico, muito
menos me ensinou como parar o tempo, bem que poderíamos instalar na imaginação
racional uma janelinha pra que ficássemos olhando a vista: o universo a
desfilar seus bilhões e bilhões de corpos celestes, orbitando o espaço
celestial, confundindo a esperança/vaidade humana com eternidade, demonstrando
a mobilidade do imparável tempo, a voracidade dos buracos negros, a felicidade
passageira e a morte iminente, desmistificando as vistas religiosas, comuns às
janelas humanas, forjadas no medo.
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