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Crônica

Janela de avião


William Haverly Martins - Gente de Opinião
William Haverly Martins

Minha primeira gafe dentro de um Boeing foi tentar abrir a janela, cheguei a chamar a aeromoça para me ajudar, pois a janela insistia em não abrir, apesar dos esforços desta anta em final de adolescência. Muita gente riu da minha cara de espanto, mas pouco liguei. Que graça tem uma janela que não abre? Era como se estivéssemos censurando o vento e a vista, apesar da transparência.

A primeira vez foi realmente sufocante, olhava preocupado para os lados, cheguei a pensar no impacto do avião caindo, com tudo fechado. O costume banaliza, as viagens seguintes abriram meu sorriso e soltaram minha língua. Minha única exigência era sentar numa cadeira do corredor, não gostava de, pela janela fechada, olhar pra baixo, sentia uma sensação desconfortável de impotência, uma espécie de janela claustrofóbica com vista acrofóbica.

Assim sendo, de onde me sentava, salvo se estivéssemos atravessando uma tempestade, só via duas cores, azul e branco. Será que o céu é assim, bicolor? O céu, pra ser o local divino do prêmio da jornada, deve ser colorido, com flores, animais, pedras preciosas espalhadas pelos riachos, e gente de todo tipo, que ao chegar ao céu recupera os seus corpos originais. Não consigo visualizar o céu sem a diversidade, sem a congruência dos três reinos: vegetal, mineral e animal. Imaginem um céu de zumbis, sem corpos materiais, os prazeres precisariam ser reescritos, repensados pela divindade maior, aliás de muito bom gosto ao criar o Éden, repleto de tudo, havia até mulher!

Não entendo as doutrinas religiosas, cada qual tem suas próprias vistas para a janela celestial. Os orientais até dizem que o céu é interior, o equilíbrio entre o bem e o mal. Um estado de espírito conseguido aqui mesmo, na terra. Irmão Valter, pernambucano e diretor do colégio Marista de Senhor do Bonfim, onde cursei o ginásio, dizia que, no céu, o tempo não existe, daí porque o estado de felicidade não passa. As janelas do bem e do mal não se abrem, nem se fecham: o ser está além, produzindo uma vista/estado de santidade eterna.

Já que Deus não me deu inteligência para entender o transcendente, nem o horizonte cósmico, muito menos me ensinou como parar o tempo, bem que poderíamos instalar na imaginação racional uma janelinha pra que ficássemos olhando a vista: o universo a desfilar seus bilhões e bilhões de corpos celestes, orbitando o espaço celestial, confundindo a esperança/vaidade humana com eternidade, demonstrando a mobilidade do imparável tempo, a voracidade dos buracos negros, a felicidade passageira e a morte iminente, desmistificando as vistas religiosas, comuns às janelas humanas, forjadas no medo.

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