Quarta-feira, 2 de dezembro de 2020 - 06h07
O contraditório, no pensamento
humano, não é nem deve ser uma verdade definitiva, na maioria das vezes, são
várias faces de uma mesma moeda, dificultando a compreensão de quem se debruça
sobre os fatos pronunciados. A imprensa é mestra na construção ou desconstrução
de um contraditório viável às circunstâncias ou ao consenso moral de uma atitude
posta na vitrine do tempo. Com o espírito ainda em dúvida, se saía ou não do
corpo morno, a imprensa apresentou uma das verdades comportamentais de um herói
deificado, mas à medida que o corpo ia esfriando, foi acrescentando outras
versões ao velho contraditório. Divergências convergentes!
Diante da morte de um ídolo,
seguida de comoção popular, que apaga todas as falhas e todos os erros do
defunto famoso, como argumentar com um novo contraditório, o inverso do que é, sem
ferir o sentimento público abalado? A morte comovente de Maradona, compatível
com a paixão pelo futebol, inviabilizava o argumento contraditório de que ele
era viciado em drogas e desrespeitou as regras do futebol, fazendo um gol com a
mão na copa do mundo de 1986. La mano de Dios, segundo o argentino, e the
hand of demon, na visão dos ingleses.
Em novas versões morais,
apresentadas no Fantástico (29/12), a imprensa foi mais longe, além de
viciado em cocaína, o craque festejado era mafioso, membro da Camorra
Napolitana, claramente um péssimo exemplo para jovens esportistas de qualquer
nacionalidade, enfim, um mau-caráter. Para quem não é argentino e desconhecia a
vida pregressa do craque, ovacionado na praça que abriga a Casa Rosada, onde
foi velado à espera da terra fria, as informações funcionaram como um
contraditório assustador. Deus ou demônio? Craque ou vilão? “Meu maior
erro foi experimentar drogas, aos 24 anos de idade”.
Até parecia que a imprensa
brasileira abdicava do simples dever de informar, para se investir no direito
de julgar. Craques como Maradona, Zico, Pelé, Messi, Senna, Hamilton e tantos
outros, estão imunes aos julgamentos tendenciosos, ainda que verdadeiros: Na
sua genialidade, Maradona alcançou, pelos feitos, um sagrado nicho, no estádio
cárdio/mental dos torcedores. Não adiantam contraditórios, nada vai mudar o conceito
de Maradona na mente e no coração dos argentinos, napolitanos, espanhóis e
demais apaixonados pelo futebol. Goooolaaaço!!!
Não é de agora que a máxima, “os brasileiros amam odiar os argentinos, e os argentinos odeiam amar
os brasileiros”,
reverbera entre nós. Apesar de esporte coletivo, as obras de arte de Maradona
são de uma solidão impressionantemente incomparáveis. A precisão de seu chute e
as firulas de bailarino, entre rivais, nem pareciam de uma pessoa
inquestionavelmente real. Odiar a genialidade, por ser viciado ou argentino,
seria como negar as palavras fortes de seu poema existencial, escrito com as
pernas e a mão, expondo nossas fraquezas à terrível dor da comparação invejosa.
Nem a morte acabou com a comparação viável entre craques, para os argentinos, se
Pelé é rei, Maradona é deus, o certo é que ambos descansarão na morada imortal
dos mitos do futebol.
Por muitos anos fui apaixonado pela filosofia de Soren Kiekeggard, um
solitário dinamarquês, que me encantava com a lucidez de seu pensamento, lembro
que ele dizia, mais ou menos, o seguinte: o início da infelicidade humana se
encontra na comparação entre as pessoas e só a dor da solidão temporária nos
ensina a sair dessa armadilha do pensamento. Para viver bem o coletivo, devemos
trocar vivências, sem comparações, amar e ser amado, sem as rabugices e
exigências da idade. “A porta da felicidade abre só para o
exterior; quem a força em sentido contrário acaba por fechá-la ainda mais.” (SK)
Recebi de um leitor, a quem agradeço, por conta do meu artigo,
Desconstruindo o racismo, uma versão contraditória, para os conceitos de
negro e preto, da professora doutora Ynaê Lopes, da Escola Superior de Ciências
Sociais e História da FGV: "Discutir que termo é mais adequado para se referir aos negro(a)s
e/ou preto(a)s brasileiros é, por um lado, discutir o caráter estruturante do
racismo na sociedade brasileira. Historicamente, os dois termos carregam as
pechas da instituição escravista e das políticas racistas que marcaram a
trajetória de exclusão dos afrodescendentes no Brasil, tendo sido utilizados
como forma de menosprezar tais pessoas nas mais diferentes formas e situações.
Dessa feita, a escolha mais adequada está vinculada às formas por meio das
quais negro(a)s e preto(a)s do Brasil se identificam e se compreendem como
indivíduos. É a voz negra e preta (na sua multiplicidade) que precisa ser respeitada.”
Obrigado, amigo, não a conhecia, mas gostei do pensamento.
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