Sábado, 16 de dezembro de 2023 - 13h18
Incrível como a escrita/leitura
vêm perdendo espaços, no processo de divulgação e apreensão de conteúdos. Ao
longo dos últimos anos, como se a visão estivesse cedendo espaço à audição, os jovens
estão lendo menos, escrevendo quase nada, mas ouvindo muito. Recentemente uma
pesquisa feita em vários países do mundo, descobriu que no Brasil, 66% dos
jovens, entre 15 e 16 anos, não conseguem ler mais do que 10 páginas anuais,
isso mesmo 10 páginas por ano. No Chile o normal é mais de cem.
Só 9,5% dos estudantes brasileiros de 15 e 16
anos chegaram a ler algum material com mais de 100 páginas, em 2018 – índice muito
inferior ao de outros países da América Latina, como Chile (64%), Argentina
(25,4%) e Colômbia (25,8%). Em
exemplos de nações reconhecidamente bem-sucedidas na educação, como a
Finlândia, o patamar chega a 72,8%.
O livro, os textos, para uso da
visão, estão sendo superados pelo arquivo de voz, direcionados à audição; ainda
que, em muitos casos, o arquivo de áudio, não passe de um texto lido. O
atrativo é o público alvo de um texto gravado: milhares de jovens ouvintes,
grudados, no dia a dia, ao fone de ouvido. Nunca a comunidade dos deficientes
visuais se sentiu tão paparicada.
A
escrita cuneiforme, os hieróglifos, o papiro, o alfabeto, foram algumas das
primeiras vistas da janela da escrita, restritas à visão e ao tato, registrando
manifestações consuetudinárias, colaborando com a memória e dando aos
historiadores farto material de estudo. Com o aprimoramento do alfabeto, a
invenção do papel e da prensa de Gutemberg, então, foi uma festa, a visão
mandava e desmandava. Daí às gráficas modernas foi um salto extraordinário.
Hoje estas mesmas gráficas estão em processo de extinção, cedendo espaço às
telas de vídeo e aos arquivos de áudio.
No
avanço de todas as civilizações, foi de suma importância o registro feito pela
escrita. Imaginem quanto se perdeu e quanto teria se perdido dos ensinamentos
orais de Sócrates, por exemplo, se Platão não tivesse registrado para a
posteridade seus métodos e máximas! Praticamente todo o conhecimento humano,
nos quatro cantos do Universo, foi registrado em livros, destinados à leitura,
logo para o exercício do sentido da visão.
No
passado recente, líamos um, dois e até três livros por semana e ainda
discutíamos a qualidade do texto, o enredo, com colegas do mesmo nível.
Atualmente a leitura é tida como cansativa, sonolenta e foi substituída por
novelas, séries, filmes dublados e, principalmente, áudios. Quem tem o costume
da leitura sabe que não é a mesma coisa. Semana passada, em visita ao
escritório do Dr. Pedro Origa Neto, fiquei boquiaberto com a biblioteca
particular do nobre advogado: vários ramos da literatura e do direito, calados,
em centenas de prateleiras. Que desperdício, que falta faz ao dia a dia de um
leitor onívoro, como eu. Parabéns, Pedro! Se eu fosse mais jovem iria lhe pedir
um passe/frequentador!
Pela
forma ímpar como, no mundo animal, o cérebro humano usa a fabulação, talvez, os
inúmeros livros de ficção sejam copiados e colocados numa espécie de museu, e
permaneçam, no mundo da inteligência artificial, como exemplos advindos do
processo de imaginação da inteligência humana, fora dos padrões pragmáticos da
“inteligência advinda do cérebro de hemisfério único” do futuro, onde, creio,
só existirá espaço para o raciocínio, jamais para a imaginação.
No
início dos relacionamentos via grupos de whatsapp, o normal era digitar, aí as
palavras foram sendo contraídas, resumidas, viraram emogis e, agora, a maioria
dos participantes, simplesmente registra pela voz quaisquer ponderações, como
se estivesse ao telefone. A voz e a audição tomaram conta do zap. A escrita
passou a ser uma segunda opção.
Hoje
todas as mídias não se cansam de falar em podcast! A autoria do termo é
atribuída a um artigo do jornal britânico, The Guardian, em 12 de fevereiro de
2004. É como um programa de rádio com conteúdo de mídia sob demanda,
você pode ouvir o que quiser, na hora que bem entender. Os temas são os mais abrangentes possíveis: cinema, TV, literatura,
ciências, profissionais, política, notícias, games, culturais, religiosos,
educacionais, humorísticos, musicais, esportivos… E tem muito mais. Haja tempo!
Segundo os divulgadores, o podcast aumenta tua produtividade, te
ajuda a crescer e a evoluir. Com a correria de hoje o tempo precisa ser bem
administrado, e o conselho é não largar o celular nem os fones de ouvido,
quando estiver perdendo tempo no trânsito, viajando, lavando louça, arrumando a
casa, ou até mesmo no sanitário.
Pois
é, os antigos leitores já estão preferindo ouvir podcasts do que ler o jornal,
só o The New York Times possui cadastrados, mais de 2 milhões de ouvintes de
podcasts. Antigamente, víamos, no transporte coletivo, jovens lendo romances
impressos, ou uma revista, um jornal, hoje, todos estão concentrados nos fones
de ouvido, enquanto isso as livrarias e bancas de revistas vão desaparecendo
aos poucos do cenário cultural.
Em
número de adeptos, o ouvido vai superar a visão? A leitura vai perder para o
arquivo de áudio? Certamente, alguns estudiosos afirmam que a leitura é mais
dispersiva do que o áudio, ou seja, você aprende mais ouvindo do que lendo,
estilo academias gregas da antiguidade. Os bons professores não mais indicarão
livros aos seus alunos, mas podcasts ou palestras gravadas para o Youtube,
interagindo visão e audição.
É o
prenúncio do império da fala/audição. Tomara que estejamos retornando ao tempo
dos grandes improvisadores, como Demóstenes, Cícero, padre Vieira, Rui Barbosa,
Almino Afonso e tantos outros. Os textos lidos em voz alta por quem sabe ler,
dando ênfase às palavras, é de uma beleza ímpar, a boa declamação de uma poesia
paralisa o ouvinte, embora tudo passe pela escrita/leitura. Já há experimentos
de autores, que, em vez de escreverem, estão gravando textos, com a ajuda de
coadjuvantes, como se estivéssemos voltando ao tempo das novelas de rádio: Jerônimo,
o Herói do Sertão! Saudade.
As
crianças, logo logo, não mais ouvirão suas mamães lendo um livrinho de
histórias infantis, ou cantando canções de ninar, ouvirão podcasts da mamãe em
formato babá eletrônica, gravados anteriormente.
Recentemente,
em 18 e 19 de novembro próximo passado, ocorreu o I Congresso Internacional
de Literatura Minimalista uma promoção da ABLAM -Academia Brasileira de
Letras e Artes Minimalistas e não poderia deixar de registrar o magnífico
trabalho que o escritor Viriato Moura vem fazendo em Rondônia, escrevendo um
livro atrás do outro, com nanocontos, haikais, mini contos, etc. etc. Viriato é
um incansável guerreiro da área da escrita e da fabulação curtas, ensinando
jovens e adultos a lerem e a pensarem. Pena que não há interesse governamental
pelo assunto. Do texto curto ao longo, só depende da vontade e do incentivo,
pelo prazer da leitura. Que tal um
podcast reproduzindo a leitura de um nanoconto e o comentário crítico de outros
participantes?
Semana
que vem vou aproveitar a oportunidade de um encontro com o confrade Viriato
Moura e vou sugerir a criação de uma Academia Rondoniense de Letras e Artes
Minimalistas – ARLAM nos moldes da ABLAM, quem sabe assim possamos purificar as
letras, atraindo jovens e adultos, para o significado da máxima, Menos é Mais!!!
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