Quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024 - 10h01
Certa
ocasião acompanhei meu pai a exposição coletiva de fotografia. Tratava-se de
trabalhos a preto e branco – na época ainda não existiam rolos a cores, – de
grande beleza
O
tema era a cidade do Porto. Meu pai observou-as atentamente, primeiro de perto,
depois afastando-se um pouco, semicerrava as pálpebras para melhor as apreciar.
Como no salão permanecessem fotógrafos,
aproveitou para trocar pareceres.
Um
senhor, apercebendo-se que era jornalista, acercou-se, no intuito de lhe
mostrar trabalhos.
Eram
fotos de rara beleza (nesse tempo não existia computador, que permitissem,
recortar, realçar, apagar e alterar tonalidades; apenas filtros.)
Entre
as que mostrou, havia uma foto, tirada na Ribeira, que mostrava esbelta menina –
não teria mais de seis anos, – descalça e de calcinhas.
A
petiza era iluminada por misterioso raio de sol, que realçava ainda mais a sua
beleza. Em segundo plano, em ténue sombra, descortinava-se grupo de garotinhos
seminus, secando ao sol, após terem nadado no rio.
Meu
pai encantado, perguntou-lhe se podia publicá-la.
Rasgou-se
o semblante do homem, declarando que até agradecia. Logo que entrou na redação
de: "O Comércio do Porto" levou a foto, para a mostrar ao Sr. Manuel
Filipe (filho do diretor.)
Como
não estivesse disponível, apareceu-lhe o escritor Costa Barreto, que o levou
para salinha mobilada com mesa de pé-de-galo de madeira maciça, cercada de
pesados cadeirões.
Logo que a viu considerou que era um grande furo
jornalístico
E
virando-se para meu pai, acrescentou: -" Agora só falta o texto. Ninguém
como você, pode escrever prosa romântica e poética.”
Decorrido
dias a " Reportagem Gráfica" saiu. Não correram mais de duas semanas,
quando foi avisado para ir falar com o Costa Barreto, que lhe confidenciou o
seguinte:
A
PIDE perguntara, a razão de terem publicado a fotografia.... Meu pai,
alvoraçado, interrompeu-o:
-
" Não me diga que a acharam pornográfica!? Ou não gostaram da legenda:
" O rio, a piscina do povo?!
-
"Nada disso! – atalhou, serenamente, Costa Barreto, – queriam saber se
você era de confiança... Porque a foto, juntamente com outras, foi exposta em
Milão. Exposição que pretendia mostrar a miséria em que se vivia em
Portugal!... Mas descanse...acreditaram que desconhecia o facto, assim como o
jornal.”
Claro,
que o matutino não publicou mais trabalhos do fotógrafo. Nesse recuado tempo
não se brincava com a polícia...
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