Terça-feira, 17 de maio de 2022 - 11h35
O uso de bandeiras representativas
remonta à Idade Média, época em que cada povo, cada agrupamento militar, cada
reinado possuía a sua própria bandeira, colorida ou com o brasão das armas
pintado no centro. Foi nessa época que surgiu a ideia de se usar a bandeira
branca como símbolo de neutralidade, ou seja, o grupo que não quisesse se
envolver em conflitos hasteava uma bandeira branca. Hoje, o significado da
bandeira branca evoluiu e é regulamentado pela Convenção de Genebra: seu uso
indevido é considerado crime de guerra. Todavia, o símbolo ganhou força e se
confunde com a paz, em todos os sentidos, inclusive nas brigas de amor.
Quem viveu os carnavais das
décadas de 1970/80 lembra bem de “Bandeira Branca” uma composição romântica de
Laércio Alves e Márcio Nunes com melodia e versos tristes, mas que tornou-se,
paradoxalmente, o último clássico dos carnavais de outrora, que reverbera até
hoje: “Bandeira branca, amor / não posso mais / pela saudade que me
invade / eu peço paz...” Foi também um dos últimos sucesso de Dalva de
Oliveira.
Contudo, em pleno século
pandêmico, com ameaça russa de guerra nuclear, o escritor Viriato Moura
extrapola todos os significados simbólicos, só possível pela fabulação, e
hasteia, na terceira pessoa, uma bandeira humana, viva: − “Por falta de
bandeira branca, hasteou a própria vida” − como se dissesse ao mundo: a
evolução humana não comporta mais tantas mortes absurdas.
Corpo e pano branco entremeados
com a vida, resultando numa bandeira viva, neutra, sem cor, mas bordada com
sentimentos, emoção e alteridade, personificando aquele estudante chinês, que
em 5 de junho de 1989, postou-se em frente a um comboio de tanques de guerra,
em Pequim, na paradoxal Praça da Paz Celestial e, com a mão levantada, pediu
que parassem, oferecendo a própria vida como estandarte da paz. Por breves
instantes foi atendido; seu gesto entrou para a história, como um símbolo de
luta pela paz e atingiu a nascente emotiva de milhares de litros de lágrimas internacionais.
Durou pouco, mas abriu um precedente inesquecível.
A bandeira ficcional do
personagem de Viriato Moura, em formato de nanoconto, possui um significado tão
amplo, que ultrapassa nações, religiões, sistemas de governo, lideranças
egocêntricas e até mesmo o próprio personagem. Não é uma bandeira qualquer, feita com um pano
sujo de pólvora, perfurado de balas, um pedaço de morim, usado como cobertura
de uma mesa nua de alimentos, um lenço, onde o personagem assoou restos de
coronavírus, um lençol velho, marcado com manchas da procriação e do prazer.
É uma bandeira viva com a
sensação de sobrevivente, que dá voz à essência das palavras e as espalha ao
mundo, como se um novo sermão, o da planície, pedindo o fim de todos os
conflitos, mais que um simples fim, uma trégua definitiva, que atinja não só o coletivo,
mas também o individual, devolvendo ao ser humano o prazer pela vida. Toda e
qualquer bandeira confeccionada pelas fraquezas humanas, centradas no ego e no mal,
pode ser vencida pelo tremular do amor ao próximo, hasteado no humano.
Essa narrativa breve, concisa,
nos mostra, pelo caminho da literatura minimalista, que sugerir pode ser mais
forte do que mostrar, porquanto força o auxílio da interpretação subjetiva, nas
pistas sutis da criatividade imaginativa.
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