Domingo, 19 de julho de 2020 - 11h54
Enxergar
com as mãos não é pra mudo que lê libras, muito menos pra cego que usa as mãos
superficialmente e ouve, um tapa na cara vai além dos sentidos da percepção
visual, auditiva e táctil, um descritivo jab no queixo da imaginação leva a
nocaute as ferramentas bem comportadas das artes literárias e esparrama de roxo
a tela do pseudo artista plástico.
Enxergar
com as mãos é atacar ferozmente as teclas de uma tradicional máquina de
escrever Remington, com ímpetos raivosos, à moda Rubão Fonseca, com todos os
palavrões que só as mãos sabem enxergar. O toque vai fundo, impregnado de
sentimentos perfeccionistas, além do olhar, como se as mãos artísticas
estivessem conectadas com as mãos do criador, no palco da vida cênica, na hora
da concepção da merda humana, oriunda do pó, do barro, do pincel, da pena, do
teclado e do sopro vivificante. Merda pra você! Merda pra todos nós!
Minhas
mãos são a extensão do coração, mas não apenas dele, de todo o corpo, elas
cheiram com as axilas, se lambuzam com os excrementos, sentem com a virilha, guiam o falo pra jorrar
e procriar, elas são o andar de cima, o dedo em riste, o V da vergonha, o
polegar romano que dita normas de viver, na arena da subsistência, pão, circo e
dor. As mãos tapam o rosto envergonhado de um tempo que não passa, cheio de
palavras incompreensíveis, numa atmosfera empolada, que produz incertezas, numa
mistura caótica de emoções intoleráveis.
Vejo
com as mãos, como se estivesse olhando com os pés alados, um universo dividido,
cheio de fronteiras sentimentais. Quero voltar!!! Ver/sentindo a saudade com as
pontas dos dedos, pós abraços! Minhas mãos sociais não querem direita nem
esquerda, querem nova revolução para produzir nova ordem,
pois sabem que toda morte é, simultaneamente, uma metamorfose. O caos é o resumo das coisas que não
conhecemos, nem entendemos, às vezes proveniente do que se digita no teclado da
imaginação, como que traduzindo a dor de um gancho de direita vindo do saber,
capaz de arrancar o cérebro bem comportado e o entregar aos pés vagantes das
vanguardas ululantes, sem o dinheiro da passagem de ida, muito menos de volta.
O pé
se trumbica com o tornozelo, frente e verso de uma mesma comunicação curupírica,
não sei se vou, se fico ou se volto, melhor não ir, vou… O outro tem vontade
própria, gosta de voar com as asas do pintor. Os pés não se decidem, são
opostos, um vê o poente o outro a aurora, andar pra quê, não se chega a lugar
nenhum, chegar chega, porém não chega à chegança, melhor a inércia do andar,
assim sei que eles verão a circunferência visual e acompanharão a galáxia sem
precisar se mover. Nem tudo deveria girar em torno de pés pedantes: para o
sistema, o surgimento de um vírus gera um resfriadinho, enquanto a classe
trabalhadora morre de pneumonia covídica. E daí? O maior de todos fala por nós
e será enxergado por ele não. Direita volver!
Sou
o que sinto com os membros em posição de ataque marcial, um olho em cada poro,
suando lágrimas sentidas, nem sei se são tristes ou alegres, sei que sentem
além, além do além da caixa craniana. Vou revoltado, brabo com as conclusões
bíblicas numulárias, minhas mãos videntes se desgovernam e aplicam socos
ininterruptos nas palavras, ditas sagradas, enxergando, consequentemente, os
olhos roxos de Mateus, na argumentação falaciosa: “Pois a quem tem, mais será dado, e terá em grande quantidade.
Mas, a quem não tem, até o que tem lhe será tirado.”
O sagrado, com a carapaça intransponível de um
rinoceronte, me aguarda no futuro, ainda assim me convenço da necessidade de
uma voadora mortal: os membros, superiores e inferiores se unem na jornada do olhar ao entendimento, iniciando o voo ao vazio, sei que chego, lá é
a linha divisória, esperando ser ultrapassada, lá é o começo do místico ou o
fim do mítico, lá é o meu lugar, onde vejo tudo a partir de um aceno crítico,
com dez olhos incisivos e sensíveis, em vibração corporal sonora, lá com sol,
sem dó!
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