Quinta-feira, 18 de janeiro de 2024 - 13h31
Antigamente, a glória
adolescente masturbatória passava por uma janela de um prédio ou de um hotel
por onde se pudesse exercer a velha prática do voyerismo. Surpreender um casal
no ato do amor, uma jovem despindo-se sem imaginar que estava sendo espiada, ou
apreender, nas lentes de um binóculo, uma ação de depilação feminina, antes do
banho, com as pernas em V, voltadas para o espectador oculto, era algo que
ilustrava o pensamento libidinoso dos compenetrados jovens machos, nas décadas
finais do século 20.
A televisão trouxe para a sala
e/ou o quarto da casa, os filmes pornôs, antes só vistos no escurinho do
cinema. Enquanto isso, o sexo ia/vai sendo, cada vez mais, banalizado. Os
jovens iniciam suas atividades sexuais mais cedo. As praias de nudismo ainda
estão na memória de muita gente. Os biquinis mostravam/mostram mais e mais, os
seios já não tem pudor, aderiram ao silicone e expulsaram do vestuário os
soutiens. A tentação viaja de trem bala, pelas mentes masculinas, algumas
realçadas pelas drogas.
Aí vieram as músicas e as
dancinhas provocantes: A dança da garrafa, o Funk, é o tchan, as Sheilas, o Zouk,
Madona, Anita, Ludmila etc. A tentação é desumana, demoníaca, junto com ela
vieram as algemas e o rigor da lei. O não e o sim vivem se digladiando na
antessala da justiça: foi consensual, foi planejado, fui vítima do sobrenatural.
“Foi não foi”, com a palavra o juiz. Com apoio da mídia multiplicam-se as
variações de gênero, são tantas as letras, que a gente já não sabe quem é homem
e quem é mulher?! Religiosos conservadores, paralelamente, murmurejam suas
exclamações pudicas: Cruz credo! É o fim do mundo! Jesus está voltando! O sexo
já teve fases até mais complicadas do que hoje: hippies, woodstock, Leila
Dinis, biquini cavadão, topless, nudismo. O sexo é como uma onda, parodiando
Lulu Santos, nada do que foi será do jeito que já foi um dia.
A janela da Internet nos
proporciona prazeres/vistas outrora impensáveis, lembro de como gostava, ainda
na juventude, de música clássica. Comprava aqueles bolachões de vinil e passava
horas, trancado no meu quarto sem janelas, ouvindo, no volume máximo, grandes
expoentes da música erudita. Vem desta época minha paixão pelo russo Sergei
Vassilievitch Rachmaninoff, compositor, pianista e maestro, falecido em Beverly
Hills, Califórnia-EUA, em 28 de março de 1943.
Perscrutando as janelas da
música clássica no Youtube, me apaixonei por uma vista em que aparece a
ucraniana Anna Borysivna Fedorova,
ou simplesmente Anna Fedorova, interpretando ao piano, os concertos nº 2
(op. 18) e 3 de Rachmaninoff, só então me dei conta da minha pequenez estética
e de como a beleza feminina interfere no meu humour: cada gesto dela com o
corpo, acompanhando as vibrações da música, cada nota musical arrancada com os
dedos longos e competentes, cada movimento da face, até mesmo o balançar de um
único fio de cabelo, interferem em mim, elevam-me aos píncaros da alma,
descontrolam o meu sistema nervoso, convocam-me as lágrimas, o corpo todo me
treme, e já nem sei o quê ou quem é mais importante, se o compositor, a
intérprete ou o êxtase que me assoma a alma. No meio estudantil, a AI
fabrica corpos esculturais e os coloca na cabeça de coleguinhas de sala,
desnudando o proibido. Qual o limite da AI? Ai de nós!
Já não tenho idade para
extravagâncias sexuais, mas a imaginação ri da minha expectativa, olha
desdenhosamente para a AI e me empurra, carinhosamente, na horizontal,
pra cima do piano. De repente, e gostando muito de assumir um corpo invisível, me
vejo entre o piano e os dedos da pianista.
Antes de Fedorova arrancar uma
nota musical tinha que roçar os dedos em toda a extensão do meu corpo. As
teclas, brancas e pretas, na rapidez dos dedos de Anna me transformavam no
pardo que sou. Enquanto o mindinho
direito me acariciava os olhos, o indicador associava-se ao maior de todos e
entrava-me boca a dentro, não sem antes apertar meus lábios úmidos. A mão
esquerda, macia e quente vinha-me pela outra extremidade do corpo, roçando meu
joelho, minha virilha, o sexo, o umbigo e retornava às pernas, às vezes
rapidamente, às vezes lentamente, tudo no compasso da música e dos meus nervos:
choro, rio, gozo e ainda me dou tempo de pensar em Zelensky: bem que ele
poderia contratar a conterrânea Fedorova, para tocar piano em frente as tropas
russas invasoras, vestindo roupas leves. Uma bomba pacificadora! Minha
ideia momentânea mereceu do além, um piscar de olhos de Rachmaninoff e um
balançar de cabeça, como se dissesse: sou russo, mas não concordo com a
guerra do Putin.
No mundo da música, haverá
sempre um pedestal para os intérpretes. Muitas canções, não fosse a
interpretação, a performance do cantor ou cantora, jamais alcançariam sucesso.
Por instantes, concluindo a
agradável viagem invisível, é como se a parte intangível do meu cérebro saísse do
material para vibrar à parte, sob efeito de um alucinógeno hormonal. Beleza e
competência, em momentos raros da existência, resolveram se aliar. Ela é tão
espetacular que consegue banalizar o resto da orquestra, parece que seu corpo
escultural e os traços de sua face clássica se integram ao instrumento,
proporcionando um som mágico, único e atrativo. A batuta do maestro torna-se
invisível, sou eu que a estou segurando. Só Anna importa, só ela atrai todos os
olhares, como se os espectadores fossem mariposas em estado de fototaxia.
Às vezes me ponho a pensar se
o escritor conseguiria ser tão eficiente com as palavras, como o compositor é
com as notas musicais. Teriam as palavras encantadas pelo escritor tanto vigor
impactante? Com certeza, depende da genialidade do autor e de seu respectivo
intérprete! A oratória é uma arte!
Certa vez escrevi, que a palavra oriunda da pena de um poeta é o espírito na sua condição carnal. Estava pensando em Castro Alves, protestando, com as suas rimas, aparentemente tarde, pelo tráfico dos negros, mas que repercute até hoje nos humanos em situação de rua e nas mortes violentas:
Mas
é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos,
heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
No princípio era o verbo, a
música veio depois, como um ponto de convergência e de sublimação da evolução
do homem sobre a terra. Diz a lenda historiográfica, que padre Vieira, gritando
de dentro de uma igreja, conseguiu, com sua oratória fantástica, insuflar a
massa, militares e civis, pela vitória do Brasil, na guerra contra os
holandeses, na Bahia.
As artes são as vistas mais
clarividentes da janela da inteligência humana, pena que são poucos os
escolhidos, a maioria, por despreparo ou ignorância, mesma na amplitude dos
sentidos, não percebe além da janela.
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