Quarta-feira, 19 de julho de 2023 - 16h42
A forma
mais eficaz de empurrar o tema da diversidade do discurso para a prática é
aceitar a amplitude do termo e encarar o desconforto ideológico. A própria
definição da palavra está ligada à ideia de oposição, e é aí que a diversidade
como princípio é posta à prova. Demorei alguns anos para compreender uma frase
repetida por meu pai: "Um princípio só é um princípio quando é
inconveniente". No final de 2018, já era CEO da Catraca Livre. Depois de
um debate interno, decidimos nos posicionar contra a candidatura de Jair
Bolsonaro, mesmo sabendo que os riscos para o negócio eram altos.
No Brasil, não temos tradição de veículos de comunicação
declararem abertamente sua opção política. Na Catraca, nunca tivemos – e
continuamos sem ter - partido político, mas sempre defendemos ideias como a
valorização da diversidade, o protagonismo feminino e a democratização do
espaço público. Diante de um candidato que colocava em risco nosso sonho de
prosperidade inclusiva para o país, aderimos ao #elenao. Resultado: perdemos
contratos comerciais, seguidores e ficamos em situação de fragilidade diante da
pandemia. Então tivemos que decidir se diversidade era um discurso bonito ou um
princípio inegociável. Apesar da turbulência, saímos mais fortes, com mais
audiência, novos projetos e com um time que se orgulha de estar onde está.
Parte do campo progressista, em especial da elite
cultural, adora versar sobre diversidade, mas nega tudo aquilo que foge do seu
padrão de qualidade. Despreza o funk e a música sertaneja, tem preconceito
contra a comunidade evangélica, sem compreender a complexidade das ideias nas
diferentes congregações. A mesma coisa se aplica ao agro. Ou não devemos nos
orgulhar de um Brasil em grande parte feito de interior e sertão?
Precisamos construir pontes que despertem a consciência. Há quem
viva na ignorância do preconceito retrógrado, mas também é ignorante quem
utiliza a retórica da diversidade sem estender a mão para a mudança de
pensamento das massas. Importamos dos EUA termos como mansplaining e saímos
exibindo nosso repertório em mesas de bar. Qual será a eficiência disso para
atingirmos resultados efetivos de mudança de atitudes em escala? Precisamos
decodificar essas mensagens para que elas possam ser verdadeiramente inclusivas.
Caso contrário, só servem para que a pessoa se sinta parte de um grupo que já
pensa como ela.
Olhando os últimos capítulos da novela melodramática que é a
política nacional, temos uma minoria fiel a Lula (cerca de 30%), outra menor
que abraça ideias fascistas (cerca de 20%) e no meio uma massa majoritária que
está mais preocupada se vai ter carne para o jantar ou se consegue pagar a
gasolina do carro comprado em infinitas prestações. Observamos nas últimas
eleições essa faixa transitar pelos polos, por querer uma uma vida melhor.
Erramos ao classificar essa maioria como petralhas ou bolsominions e, ao fazer
isso, empurramos essas pessoas para as sombras do cancelamento. Preferimos
apontar o dedo do que estender a mão ao diálogo.
Quando olhamos para o mercado de trabalho, a importância desta
agenda vai muito além da reparação social necessária. Ela traz a noção mais
ampla da pluralidade enquanto potência criativa, produtiva e de inteligência.
Observamos um processo de desconstrução do perfil idealizado que se estabeleceu
por tanto tempo. Pessoas contratando pessoas que se parecem com elas, sob o
argumento do alinhamento com o "perfil da empresa". Esse modelo já
não é mais a regra, simplesmente porque é burro. Quantas vezes observei, em minhas
jornadas de captação de recursos nas empresas, um grupo de executivos de
marketing, quase todos brancos (inclusive eu), que estudaram nas melhores
escolas bilíngues de São Paulo (dessas eu escapei), discutindo como aumentar o
consumo nas classes C e D. Seria cômico se não fosse trágico. É muito mais
enriquecedor ter insights de diferentes raças, gêneros e classes sociais
durante o processo criativo e de planejamento, trazendo para a mesa a
experiência real de vida desses consumidores. Isso é mais valioso do que qualquer
pesquisa de tendência que o dinheiro possa comprar.
Ainda há muito por fazer, especialmente na ampliação de negros e
LGBTQIAP+ em posições de liderança, mas esta é talvez a agenda social que mais
avançou nas grandes empresas. Diversidade é integração e valorização, não
apenas respeito. Todo tipo de pessoa, cada uma com sua potência criativa,
constitui a cultura tão rica que temos. Trabalhar com a diferença não significa
ser obrigado a gostar de tudo e de todos, mas exige compreensão de que a soma
que torna o Brasil tão interessante.
Temos um país muito mais plural do que nossos estereótipos
conseguem enxergar. Para construirmos uma sociedade verdadeiramente
democrática, precisamos assumir a diversidade como princípio, por mais
inconveniente seja.
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